Norman Geisler, em “O desenvolvimento do cânon do Antigo Testamento”, resumiu a canonização da Bíblia da seguinte forma: “Deus inspirou os livros, o povo original de Deus reconheceu-os e coligiu-os, e os crentes de uma época posterior distribuíram-nos por categorias como livros canônicos, de acordo com a unidade global que neles entreviam. Eis o resumo da história da canonização da Bíblia”. O mesmo autor aponta três elementos básicos no processo genérico de canonização bíblica: a inspiração de Deus, o reconhecimento da inspiração pelo povo de Deus e a coleção dos livros inspirados pelo povo de Deus. Se Deus havia autorizado e autenticado um documento, os homens de Deus o reconheciam e esse reconhecimento ocorria de imediato, por parte da comunidade a que o documento fora destinado originariamente. Assim aconteceu com os escritos de Moisés, os de Josué, os de Samuel e os de Jeremias. Mais tarde, a igreja universal edificada por Cristo no mundo viria a aceitar essa Escritura em seu cânon cristão.
Havia outros escritos religiosos dos judeus, como o livro dos justos citado em Josué 11.13, o livro das guerras do Senhor mencionado em Números 21.14, além de outros, como faz ver o verso “...quanto aos mais dos atos de Salomão, e a tudo quanto fez, e à sua sabedoria, porventura, não estão escritos no livro da história de Salomão?” de 1 Reis 11.41. Assim também os livros apócrifos dos judeus, escritos após o encerramento do período do Antigo Testamento, jamais foram considerados canônicos pelo judaísmo oficial. Lembra o citado autor que “nenhum artigo de fé deve basear-se em documento não-canônico, não importando o valor religioso desse texto”.
O Antigo Testamento hebraico nem sempre apresentou as divisões e os nomes dos 39 livros como os temos hoje, mas eram agrupados os textos como “a lei, os profetas e os escritos”, como o próprio Jesus a eles se referiu: “Convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos” (Lucas 24.44). Não importa o nome dado a cada parte, o todo era de inspiração divina e foi essa Escritura que Jesus e os apóstolos tiveram no primeiro século da Igreja, quando o Novo Testamento estava sendo escrito.
Quanto à canonização do Novo Testamento, vale ainda lembrar os três elementos básicos no processo: a inspiração de Deus, o reconhecimento da inspiração pelo povo de Deus e a coleção dos livros inspirados pelo povo de Deus. Também com os 27 livros do Novo Testamento, a inspiração veio de Deus e foi reconhecida pelo seu povo, que deles fez uma compilação. O processo de canonização foi gradual, regido por necessidades definidas, e teve um encaminhamento contínuo, desde a redação dos livros no século I até a sua canonização no quarto século.
Durante todo o primeiro século e mesmo no início do segundo, o Antigo Testamento foi a Bíblia da Igreja Primitiva. Foi o texto usado nas pregações iniciais, como a de Pedro no Pentecostes, bem como na de Estêvão, por exemplo. Da mesma forma como foi dito quanto ao Antigo Testamento, também na elaboração do Novo não houve nenhum pensamento dos autores de criarem uma literatura sagrada nova, tendo eles apenas diante de si as necessidades do momento que os levaram a escrever. Tentando tornar o assunto mais didático, podemos dividir a canonização do Novo Testamento em três fases distintas:
·
Do
tempo dos apóstolos até meados do século II, tempo de Clemente de Roma, Inácio
e Policarpo, quando as igrejas cresceram e se espalharam pelo Império Romano,
enfrentando as heresias iniciais;
·
da
segunda metade do século II até o início do III (170-220), tempo de Irineu,
Clemente de Alexandria e Tertuliano, época de uma literatura teológica
volumosa, ocupando os grandes assuntos do cânon da igreja e do credo;
·
nos
séculos III e IV, tempo de Atanásio, Jerônimo e Agostinho, quando o cânon
completo foi aceito, tanto no Oriente como no Ocidente.
O processo não foi tranquilo, pois houve divergências quanto a livros que deveriam figurar no cânon e que não foram aceitos, bem como a livros que figuraram no cânon (como o Apocalipse e as cinco epístolas gerais) que tiveram certa rejeição inicial. Ressalte-se a importância de Atanásio, bispo de Alexandria, influente e altamente ortodoxo, que, em 367, escreveu sua famosa carta à Igreja Oriental, documento que enumerava os 27 livros que hoje fazem parte do nosso Novo Testamento. Na esperança de impedir que seu rebanho caminhasse rumo ao erro, Atanásio afirmou que nenhum outro livro poderia ser considerado escritura cristã, embora admitisse que alguns pudessem ser úteis para devoções particulares. A lista de Atanásio, porém, não encerrou o assunto. Em 397, o Concilio de Cartago confirmou sua lista, decretando que os livros que não estavam inseridos na Bíblia não deveriam ser lidos nas igrejas nem considerados como Escrituras Divinas. As igrejas ocidentais demoraram mais tempo para aceitar o cânon. A contenda continuou com relação aos livros questionáveis, embora todos terminassem aceitando o Apocalipse e os demais.
Muitos outros detalhes existiram na canonização das Escrituras, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, mas cremos que estes são suficientes para mostrar que temos razões para confiar na Bíblia. Desde o Gênesis ao Apocalipse, o livro é Cristocêntrico, isto é, prenuncia a vinda do Senhor no Antigo e revela a sua concretização no Novo Testamento. Cremos num Deus que é o Senhor da história e que quer revelar-se e tornar a história conhecida de todas as suas criaturas humanas, para que venham a reconhecer sua necessidade de salvação em Cristo e se tornem filhos e herdeiros. A nós, como Igreja, cabe dar sequência ao ministério iniciado pelo próprio Senhor Jesus, que teve sua continuidade no ministério apostólico, em seus seguidores, e que precisa chegar até o final, quando o Senhor vier resgatar sua Noiva. Enquanto esperamos, embora levantemos o nosso “Maranata” cada vez que o mundo dá sinais de estar chegando ao fim, precisamos fazer a nossa parte, vivendo, pregando e orando, para que o Reino de Deus se estabeleça definitivamente entre os homens. Que assim seja!
Os eventos históricos envolvendo a Igreja nos quatro primeiros séculos até aqui estudados foram de grande importância, pois deram uma base para que pudéssemos entender como uma congregação inicial de cerca de 120 pessoas em Jerusalém no primeiro século da Era Cristã pudesse passar por três séculos de perseguição e, após mais um século, chegasse ao final do quarto como a religião obrigatória de todo o Império Romano, com uma grande porcentagem de habitantes do Império como cristãos, espalhados pelas mais diferentes regiões e camadas sociais.
O século V também mostra eventos históricos importantes, com ênfase na atuação dos bárbaros germânicos e com reflexos na Igreja, que serão abordados no próximo fascículo.
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