20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

terça-feira, 21 de outubro de 2014

11. EVANGELIZANDO OS BÁRBAROS NAS ILHAS BRITÂNICAS

“... já vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; onde não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos.” (Colossenses 3.9b-11)

Com relação à pregação do evangelho, Paulo julgava-se devedor a todas as pessoas, sem distinção de espécie alguma, buscando o apóstolo pregar aos gregos, aos judeus, aos da circuncisão e também aos da incircuncisão, aos bárbaros e aos habitantes da Cítia, a servos ou a livres. Foi o que a Igreja começou a fazer, a partir das invasões definitivas e do estabelecimento dos bárbaros germânicos no Império que chegara ao fim na sua parte Ocidental. Para efeito de entendimento, vamos abordar a evangelização dos bárbaros em duas frentes: nas Ilhas Britânicas e na Europa Continental.

Não se sabe exatamente quando o cristianismo foi levado às Ilhas Britânicas, mas ele já existia antes do século III, possivelmente a partir de missionários fugidos das perseguições. Os primeiros registros da presença cristã naquela região foram feitos pelo historiador e escritor Tertuliano, no ano de 208 d.C. Mais tarde, no Concílio de Arles, realizado em 314 d.C., compareceram três bispos de uma Igreja que existia na Inglaterra sem relacionamento com a Igreja Romana. Informa-nos Alderi Souza de Matos que, “nos primeiros séculos da era cristã, o cristianismo se implantou entre vários povos daquela região, notadamente os celtas e os bretões”. Após a invasão de dois povos pagãos do norte da Europa, os anglos e os saxões, “...esses povos eliminaram boa parte do cristianismo celta e foram eventualmente cristianizados pelos esforços de missionários enviados pelo papa Gregório Magno.”

Um dos primeiros missionários nativos que se conhece é Patrício, filho de pais cristãos, que nasceu na Bretanha romana por volta do ano 390. Após uma vida cheia de acontecimentos inusitados, de volta à Irlanda, sua terra natal, no ano 432, foi o missionário responsável pela conversão de muitos irlandeses ao cristianismo, tendo estabelecido durante sua vida cerca de 300 igrejas e batizado cerca de 120 mil pessoas. Patrício enfrentou problemas com chefes de tribos hostis e com os druidas, tendo falecido por volta do ano 460, depois de 30 anos de ministério. Muito tempo depois, missionários da igreja Ocidental encontraram na Irlanda uma igreja forte, fruto do seu trabalho, que evangelizou a nação sem seguir as normas da igreja oficial de Roma. A igreja irlandesa foi organizada ao redor de mosteiros, refletindo o sistema tribal da nação. Sem muita burocracia eclesiástica, os monges irlandeses pregavam, estudavam e ministravam aos pobres. A Irlanda só se tornou “católica romana” por volta do ano 1100, mas Patrício foi canonizado como reconhecimento pelo seu trabalho.

Outro missionário citado é conhecido por Columba, palavra latina que significa “pomba”, um outro irlandês nascido em uma família cristã, em 521. Homem erudito e piedoso, Columba ajudou a estabelecer diversos mosteiros na Irlanda, apesar de possuir um temperamento impaciente que às vezes atrapalhava suas ações. Por isso, saiu da Irlanda, resolvido a nunca mais voltar à sua terra natal, tendo viajado para a Escócia, onde iniciou um trabalho missionário junto à tribo dos pictos. Mesmo tendo a oposição dos druidas, os cristãos tiveram sucesso em evangelizar a Escócia e o norte da Inglaterra. A partir de mosteiro na cidade de lona, os evangelistas se espalharam também para o continente europeu e novos mosteiros foram criados na Europa. A missão de Columba resultou no surgimento de uma expressiva comunidade de cristãos de estilo celta, que evangelizaram de maneira agressiva os anglos e os saxões. Como o primeiro grande evangelista da Escócia, Columba pode ser contado entre as testemunhas que produziram os vários pregadores, missionários e escritores saídos daquela pequena porção de terra e do Mosteiro de Iona em direção a tantos outros povos.

No final do século VI, Agostinho e um grupo de outros monges romanos foram enviados pelo papa Gregório Magno para a Inglaterra, a fim de evangelizar e promover a assimilação da igreja celta ali estabelecida ao catolicismo de Roma. A tradição celta dava grande poder aos abades, tornando-os bastante independentes, discrepando da orientação do papado romano. Oswy, rei da Nortúmbria, e sua esposa eram cristãos de origens diferentes, sendo o rei de orientação celta e a esposa romana, mas, caminhando no processo de assimilação, Oswy anunciou que seguiria a Pedro, uma vez que ele era o guardador das chaves do céu, fazendo prevalecer o ponto de vista romano. Com a junção, o espírito celta, que ainda estava bastante vivo, aproveitou-se da organização romana para se firmar. Após muitas dificuldades, no século seguinte, os estilos romano e celta se complementaram mutuamente, causando uma era de ouro na arte e na erudição cristã na Bretanha. Embora muita coisa tenha sido destruída pelas invasões bárbaras dos anglos e saxões acontecidas posteriormente, diversas cruzes de pedra permanecem em pé, esculpidas tanto no estilo celta quanto no romano, simbolizando a interdependência dessas duas tradições cristãs católicas.

O historiador é sempre importante para a sobrevivência da história, pois é a pessoa que lida com o fato histórico, precisando pesquisá-lo, entendê-lo e interpretá-lo para que ele seja divulgado e chegue ao conhecimento das pessoas no futuro. Nas Ilhas Britânicas, a grande contribuição inicial nesta área foi de Beda, com sua obra A História eclesiástica da Inglaterra, que abrangia os fatos históricos desde os dias de Júlio César, no Império Romano, até seus dias, nas Ilhas Britânicas, relatando inclusive os episódios aqui citados. Beda teve uma vida bastante restrita, tendo nascido no ano de 635 nas vizinhanças de mosteiros no norte da Inglaterra. Desde os sete anos de idade, Beda viveu dentro de um mosteiro. Na clausura, Beda teve oportunidade de pesquisar os fatos, deixando uma obra cujo foco principal era a cristianização da Inglaterra e a maneira pela qual o paganismo gradualmente cedera lugar à nova religião.  Antes de A História Eclesiástica da Inglaterra, as várias tribos inglesas tinham suas histórias, principalmente na forma de poesia pagã, recitadas por bardos. Mas Beda apresenta a história pelas lentes do cristianismo, mostrando como um povo, formado por diversas tribos, se transformou em uma nação com uma única religião.

Iniciado de forma até hoje desconhecida, o Cristianismo na Inglaterra criaria uma igreja forte, com pessoas atuantes e marcantes ao longo da história, como Wyclif, os lolardos, Tyndale, chegando a Henrique VIII e à Igreja Anglicana, assuntos que ainda serão vistos nesta série de fascículos.

A segunda frente de evangelização dos bárbaros atravessa o Mar do Norte e vai para o continente europeu. É o que será abordado no próximo segmento.


 
 
 



 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário