TEXTOS QUE A HISTÓRIA INSPIROU
11. EVANGELIZANDO OS BÁRBAROS NAS ILHAS BRITÂNICAS
“... já vos despistes do
velho homem com os seus feitos e vos vestistes do novo, que se renova para o
conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; onde não há grego nem judeu, circuncisão
nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos.” (Colossenses 3.9b-11)
Com relação à
pregação do evangelho, Paulo julgava-se devedor a todas as pessoas, sem
distinção de espécie alguma, buscando o apóstolo pregar aos gregos, aos judeus,
aos da circuncisão e também aos da incircuncisão, aos bárbaros e aos habitantes
da Cítia, a servos ou a livres. Foi o que a Igreja começou a fazer, a partir
das invasões definitivas e do estabelecimento dos bárbaros germânicos no
Império que chegara ao fim na sua parte Ocidental. Para efeito de entendimento,
vamos abordar a evangelização dos bárbaros em duas frentes: nas Ilhas
Britânicas e na Europa Continental.
Não se sabe
exatamente quando o cristianismo foi levado às Ilhas Britânicas, mas ele já
existia antes do século III, possivelmente a partir de missionários fugidos das
perseguições. Os primeiros registros da presença cristã naquela região foram
feitos pelo historiador e escritor Tertuliano, no ano de 208 d.C. Mais tarde,
no Concílio de Arles, realizado em 314 d.C., compareceram três bispos de uma
Igreja que existia na Inglaterra sem relacionamento com a Igreja Romana.
Informa-nos Alderi Souza de Matos que, “nos primeiros séculos da era cristã, o
cristianismo se implantou entre vários povos daquela região, notadamente os
celtas e os bretões”. Após a invasão de dois povos pagãos do norte da Europa,
os anglos e os saxões, “...esses povos
eliminaram boa parte do cristianismo celta e foram eventualmente cristianizados
pelos esforços de missionários enviados pelo papa Gregório Magno.”
Um
dos primeiros missionários nativos que se conhece é Patrício, filho de pais
cristãos, que nasceu na Bretanha romana por volta do ano 390. Após uma vida
cheia de acontecimentos inusitados, de volta à Irlanda, sua terra natal, no ano
432, foi o missionário responsável pela conversão de muitos irlandeses ao
cristianismo, tendo estabelecido durante sua vida cerca de 300 igrejas e
batizado cerca de 120 mil pessoas. Patrício enfrentou problemas com chefes de
tribos hostis e com os druidas, tendo falecido por volta do ano 460, depois de
30 anos de ministério. Muito tempo depois, missionários da igreja Ocidental
encontraram na Irlanda uma igreja forte, fruto do seu trabalho, que evangelizou
a nação sem seguir as normas da igreja oficial de Roma. A igreja irlandesa foi
organizada ao redor de mosteiros, refletindo o sistema tribal da nação. Sem
muita burocracia eclesiástica, os monges irlandeses pregavam, estudavam e
ministravam aos pobres. A Irlanda só se tornou “católica romana” por volta do
ano 1100, mas Patrício foi canonizado como reconhecimento pelo seu trabalho.
Outro
missionário citado é conhecido por Columba, palavra latina que significa
“pomba”, um outro irlandês nascido em uma família cristã, em 521. Homem erudito
e piedoso, Columba ajudou a estabelecer diversos mosteiros na Irlanda, apesar
de possuir um temperamento impaciente que às vezes atrapalhava suas ações. Por
isso, saiu da Irlanda, resolvido a nunca mais voltar à sua terra natal, tendo
viajado para a Escócia, onde iniciou um trabalho missionário junto à tribo dos
pictos. Mesmo tendo a oposição dos druidas, os cristãos tiveram sucesso em
evangelizar a Escócia e o norte da Inglaterra. A partir de mosteiro na cidade
de lona, os evangelistas se espalharam também para o continente europeu e novos
mosteiros foram criados na Europa. A missão de Columba resultou no surgimento
de uma expressiva comunidade de cristãos de estilo celta, que evangelizaram de
maneira agressiva os anglos e os saxões. Como o primeiro grande evangelista da
Escócia, Columba pode ser contado entre as testemunhas que produziram os vários
pregadores, missionários e escritores saídos daquela pequena porção de terra e
do Mosteiro de Iona em direção a tantos outros povos.
No final do
século VI, Agostinho e um grupo de outros monges romanos foram enviados pelo
papa Gregório Magno para a Inglaterra, a fim de evangelizar e promover a
assimilação da igreja celta ali estabelecida ao catolicismo de Roma. A tradição
celta dava grande poder aos abades, tornando-os bastante independentes,
discrepando da orientação do papado romano. Oswy, rei da Nortúmbria, e sua
esposa eram cristãos de origens diferentes, sendo o rei de orientação celta e a
esposa romana, mas, caminhando no processo de assimilação, Oswy anunciou que
seguiria a Pedro, uma vez que ele era o guardador das chaves do céu, fazendo
prevalecer o ponto de vista romano. Com a junção, o espírito celta, que ainda
estava bastante vivo, aproveitou-se da organização romana para se firmar. Após
muitas dificuldades, no século seguinte, os estilos romano e celta se
complementaram mutuamente, causando uma era de ouro na arte e na erudição
cristã na Bretanha. Embora muita coisa tenha sido destruída pelas invasões
bárbaras dos anglos e saxões acontecidas posteriormente, diversas cruzes de
pedra permanecem em pé, esculpidas tanto no estilo celta quanto no romano,
simbolizando a interdependência dessas duas tradições cristãs católicas.
O historiador
é sempre importante para a sobrevivência da história, pois é a pessoa que lida
com o fato histórico, precisando pesquisá-lo, entendê-lo e interpretá-lo para
que ele seja divulgado e chegue ao conhecimento das pessoas no futuro. Nas
Ilhas Britânicas, a grande contribuição inicial nesta área foi de Beda, com sua
obra A História eclesiástica da Inglaterra, que abrangia os fatos históricos
desde os dias de Júlio César, no Império Romano, até seus dias, nas Ilhas
Britânicas, relatando inclusive os episódios aqui citados. Beda teve uma vida
bastante restrita, tendo nascido no ano de 635 nas vizinhanças de mosteiros no
norte da Inglaterra. Desde os sete anos de idade, Beda viveu dentro de um
mosteiro. Na clausura, Beda teve oportunidade de pesquisar os fatos, deixando
uma obra cujo foco principal era a cristianização da Inglaterra e a maneira
pela qual o paganismo gradualmente cedera lugar à nova religião. Antes de
A História Eclesiástica da Inglaterra, as várias tribos inglesas tinham suas
histórias, principalmente na forma de poesia pagã, recitadas por bardos. Mas
Beda apresenta a história pelas lentes do cristianismo, mostrando como um povo,
formado por diversas tribos, se transformou em uma nação com uma única religião.
Iniciado de
forma até hoje desconhecida, o Cristianismo na Inglaterra criaria uma igreja
forte, com pessoas atuantes e marcantes ao longo da história, como Wyclif, os
lolardos, Tyndale, chegando a Henrique VIII e à Igreja Anglicana, assuntos que
ainda serão vistos nesta série de fascículos.
A segunda
frente de evangelização dos bárbaros atravessa o Mar do Norte e vai para o
continente europeu. É o que será abordado no próximo segmento.
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