20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

7. CONSTANTINO, UM DIVISOR DE ÁGUAS

“Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Mateus 11.27)

O imperador Galério, uma das figuras de destaque nas perseguições finais à Igreja, admitiu que a política de tentar erradicar o Cristianismo falhara. Em 311, no Édito de Tolerância, e em 313, num novo edito, Roma concedeu liberdade de culto em todo o império:

“Nós, Constantino e Licínio, Imperadores, encontrando-nos em Milão para conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, decidimos que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que todos, os cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de sua preferência. Assim qualquer divindade que no céu mora ser-nos-á propícia a nós e a todos os nossos súditos.”

Entre 311 e 313, mais precisamente em 312, ocorreu um fato marcante na vida do imperador Constantino com influência para a Igreja: a batalha da Ponte Mílvia.

Quem foi Constantino? Flavius Valerius Aurelius Constantinus, nascido em 27 de fevereiro de 272, era filho de Constâncio Cloro. general e imperador romano, e de Helena, filha de um casal que possuía e administrava um albergue na Bitínia. Constantino, importante e controverso na história, teve sua vida relatada por Eusébio de Cesareia, no livro Constantini Vita, escrito provavelmente entre 335 e 339, uma obra que trata o imperador como santo, sendo biografado e biógrafo contemporâneos.

Constantino deve ter tido uma boa educação, tendo começado no reinado de Diocleciano seu serviço a Roma, depois que seu pai foi nomeado como “cesar”. Em sua atuação junto à Igreja, história e tradição começam a se misturar a partir do Batalha da Ponte Mílvia, de 312, episódio no qual Constantino acabou por entrar para a história como o primeiro imperador romano a professar o Cristianismo, na sequência da sua vitória sobre Magêncio, triunfo que ele mais tarde atribuiu ao Deus cristão. Segundo a tradição, na noite anterior à batalha, Constantino havia sonhado com uma cruz, e nela estava escrito em latim In hoc signo vinces, que significa “Sob este símbolo vencerás”.

Constantino foi um divisor de águas, o responsável pelo fim de uma era e pelo início de outra na história do Cristianismo, ocasião na qual a Igreja passou da situação de perseguida a tolerada e posteriormente a livre para cultuar. Em menos de um século, a Igreja Cristã perseguida se tornaria praticante da religião oficial do Império Romano e começaria a perseguir quem não fosse cristão.
A vida e a atuação de Constantino no Cristianismo trouxeram consequências, já que o assim chamado primeiro “Imperador Cristão” passou a interferir nas decisões internas da Igreja como Pontifex Maximus, com ênfase na sua hierarquização e ortodoxia. Foi ele mesmo quem convocou o Primeiro Concílio de Niceia em 325.

O principal assunto resolvido no Concílio de Niceia foi a decisão da questão cristológica entre Jesus, o Filho, e Deus, o Pai. O arianismo foi uma visão cristã sustentada pelos seguidores de Ário, presbítero de Alexandria na primeira metade do século IV, que negava que Jesus e Deus tivessem a mesma substância, fazendo de Cristo uma criatura pré-existente (embora a primeira e mais excelsa de todas), que encarnara em Jesus de Nazaré. O Filho seria uma criação do Pai, tendo havido um tempo no qual Cristo ainda não existia. O historiador Gwatkin, na obra "A Controvérsia Ariana", afirmou: "O Deus de Ário é um deus desconhecido, cujo ser se acha oculto em eterno mistério". O “eterno mistério” aludido fazia parte do gnosticismo, teoria filosófica grega presente no Cristianismo desde o primeiro século.

Após discussão de todos os bispos presentes ao Concílio, a decisão foi favorável à ortodoxia praticada pela Igreja durante três séculos, na qual Jesus Cristo e Deus Pai eram considerados como pessoas com a mesma substância (homoousios, no grego), tendo sido elaborado um novo credo, que recebeu o nome de nicênico, o qual iniciava afirmando: “Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, da mesma substância do Pai.” Na época, a igreja já recitava um texto mais antigo, atribuído pela tradição aos apóstolos, mais simples e curto, o qual foi substituído por outro de conteúdo ais elaborado para combater o Arianismo, o novo credo nicênico. O nome “credo” dado aos dois textos e a outros semelhantes a eles, é a palavra que representa em latim a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “credere”, significando “eu creio”. Os credos representaram para a igreja uma grande ajuda teológica para garantir e justificar a fé individual, numa época em que textos escritos eram raros e caros. A história afirma que Constantino exigiu que a palavra “homoousios” figurasse na decisão de Niceia, embora alguns historiadores afirmem que sua inclinação era pelo Arianismo, bem como a de seu filho e sucessor na condição de Augusto Único, Constâncio II.  A explicação é que, na medida em que ambos tentaram apresentar a figura do imperador como um análogo do Cristo ariano na forma de uma emanação divina, fato que favoreceria o culto ao imperador, vendo-o como um reflexo terreno do “Logos”, o Verbo Eterno.

A história mostra que a atuação de Constantino junto à Igreja, apesar de tê-la feito  prosperar, trouxe consequências futuras, pois as ações do imperador tinham a finalidade de unificar a Igreja cristã, já que, com as divergências existentes dentro dela, o seu trono poderia estar ameaçado pela falta de unidade entre os romanos. Constantino somente pediu batismo no final da sua vida, ato ministrado pelo bispo ariano Eusébio de Nicomédia, o que reforça sua mencionada inclinação. Além disso, pouco antes de sua morte em 335, ele mandou exilar o patriarca ortodoxo de Alexandria que tivera atuação destacada no Concílio.

Muitos creem que Constantino nunca se tornou cristão. Ele era adorador de Mitra, o Deus-Sol, tendo oficializado o domingo como Dia do Senhor num edito de 321, mas partindo do fato inicial de ser aquele o “Dia do Sol”, prova mantida na palavra “domingo” em algumas línguas modernas, como o alemão e o inglês, por exemplo. O culto ao Deus Sol Invicto – divindade protetora das tropas romanas, parece que foi mantido até quase o final da vida de Constantino. Moedas cunhadas no seu governo mostram a figura de Mitra.

Com sua atuação, Constantino deu novos rumos à Igreja, educou seus filhos no cristianismo, deu à Igreja um início de presença institucional no Estado romano, numa época em que o paganismo ainda mantinha grande força política entre as elites educadas do Ocidente do império, levando a uma convivência nem sempre pacífica entre as duas tendências religiosas. A Igreja prosperou sob seu governo, mas sofreu graves consequências no futuro.

É importante destacar-se a grande influência de Helena sobre Constantino. Flávia Júlia Helena (Bítínia, 250 - Constantinopla, 330), primeira mulher de Constâncio Cloro, mãe de Constantino, converteu-se ao cristianismo, tendo  participado da construção de Constantinopla. Helena demonstrou grande apego à Igreja e, no fim da sua vida, perto dos oitenta anos, realizou uma peregrinação à Terra Santa, tendo localizado em Jerusalém uma cruz que acreditou ser a Vera Cruz, a cruz verdadeira de Cristo. Helena ordenou a construção da Igreja do Santo Sepulcro (suposto lugar de  sepultamento de Cristo em Jerusalém) no lugar do templo a Afrodite que ali existia, além da Igreja da Natividade em Belém. Tendo falecido pouco tempo depois da volta da peregrinação, Helena foi sepultada em Roma.

Com a atuação política de Constantino em Roma e na Nova Roma por ele construída no Oriente, além da presença de seus três filhos e do seu sobrinho-neto no governo, a Igreja Cristã teve sua situação mudada diante do Império Romano. O legado histórico de Constantino será o assunto do próximo fascículo.


 
 

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