TEXTOS QUE A HISTÓRIA INSPIROU
7. CONSTANTINO, UM DIVISOR DE ÁGUAS
“Todas as coisas me foram
entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém
conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Mateus 11.27)
O imperador Galério, uma das figuras de destaque nas perseguições finais à
Igreja, admitiu que a política de tentar erradicar o Cristianismo falhara. Em
311, no Édito de Tolerância, e em 313, num novo edito, Roma concedeu liberdade
de culto em todo o império:
“Nós, Constantino e Licínio, Imperadores, encontrando-nos em
Milão para conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, decidimos
que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a
nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que todos, os
cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de sua
preferência. Assim qualquer divindade que no céu mora ser-nos-á propícia a nós
e a todos os nossos súditos.”
Entre 311 e 313, mais precisamente em 312, ocorreu um fato
marcante na vida do imperador Constantino com influência para a Igreja: a
batalha da Ponte Mílvia.
Quem foi Constantino? Flavius Valerius Aurelius Constantinus,
nascido em 27 de fevereiro de 272, era filho de Constâncio Cloro. general e
imperador romano, e de Helena, filha de um casal que possuía e administrava um
albergue na Bitínia. Constantino, importante e controverso na história, teve
sua vida relatada por Eusébio de Cesareia, no livro Constantini Vita,
escrito provavelmente entre 335 e 339, uma obra que trata o imperador como
santo, sendo biografado e biógrafo contemporâneos.
Constantino deve ter tido uma boa educação, tendo começado no
reinado de Diocleciano seu serviço a Roma, depois que seu pai foi nomeado como
“cesar”. Em sua atuação junto à Igreja, história e tradição começam a se
misturar a partir do Batalha da Ponte Mílvia, de 312, episódio no qual
Constantino acabou por entrar para a história como o primeiro imperador romano
a professar o Cristianismo, na sequência da sua vitória sobre Magêncio, triunfo
que ele mais tarde atribuiu ao Deus cristão. Segundo a tradição, na noite
anterior à batalha, Constantino havia sonhado com uma cruz, e nela estava
escrito em latim In
hoc signo vinces, que significa “Sob este símbolo vencerás”.
Constantino foi um divisor de águas, o responsável pelo fim de uma
era e pelo início de outra na história do Cristianismo, ocasião na qual a
Igreja passou da situação de perseguida a tolerada e posteriormente a livre
para cultuar. Em menos de um século, a Igreja Cristã perseguida se tornaria
praticante da religião oficial do Império Romano e começaria a perseguir quem
não fosse cristão.
A vida e a atuação de Constantino no Cristianismo trouxeram
consequências, já que o assim chamado primeiro “Imperador Cristão” passou a
interferir nas decisões internas da Igreja como Pontifex Maximus,
com ênfase na sua hierarquização e ortodoxia. Foi ele mesmo quem convocou o
Primeiro Concílio de Niceia em 325.
O principal assunto resolvido no Concílio de Niceia foi a decisão
da questão cristológica entre Jesus, o Filho, e Deus, o Pai. O arianismo foi
uma visão cristã sustentada pelos seguidores de Ário, presbítero de Alexandria
na primeira metade do século IV, que negava que Jesus e Deus tivessem a mesma
substância, fazendo de Cristo uma criatura pré-existente (embora a primeira e
mais excelsa de todas), que encarnara em Jesus de Nazaré. O Filho seria uma
criação do Pai, tendo havido um tempo no qual Cristo ainda não existia. O
historiador Gwatkin, na obra "A Controvérsia Ariana", afirmou: "O Deus de Ário
é um deus desconhecido, cujo ser se acha oculto em eterno mistério". O
“eterno mistério” aludido fazia parte do gnosticismo, teoria filosófica grega
presente no Cristianismo desde o primeiro século.
Após discussão de todos os bispos presentes ao Concílio, a decisão
foi favorável à ortodoxia praticada pela Igreja durante três séculos, na qual
Jesus Cristo e Deus Pai eram considerados como pessoas com a mesma substância (homoousios, no
grego), tendo sido elaborado um novo credo, que recebeu o nome de nicênico, o
qual iniciava afirmando: “Creio em um só Deus,
Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e
invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus,
gerado do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da luz, verdadeiro
Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, da mesma substância do Pai.” Na
época, a igreja já recitava um texto mais antigo, atribuído pela tradição aos
apóstolos, mais simples e curto, o qual foi substituído por outro de conteúdo
ais elaborado para combater o Arianismo, o novo credo nicênico. O nome “credo”
dado aos dois textos e a outros semelhantes a eles, é a palavra que representa
em latim a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo
“credere”, significando “eu creio”. Os credos representaram para a igreja uma
grande ajuda teológica para garantir e justificar a fé individual, numa época
em que textos escritos eram raros e caros. A história afirma que Constantino exigiu
que a palavra “homoousios” figurasse na decisão de Niceia, embora alguns
historiadores afirmem que sua inclinação era pelo Arianismo, bem como a de seu
filho e sucessor na condição de Augusto Único, Constâncio II. A
explicação é que, na medida em que ambos tentaram apresentar a figura do
imperador como um análogo do Cristo ariano na forma de uma emanação divina,
fato que favoreceria o culto ao imperador, vendo-o como um reflexo terreno do
“Logos”, o Verbo Eterno.
A história mostra que a atuação de Constantino junto à Igreja,
apesar de tê-la feito prosperar, trouxe consequências futuras, pois as
ações do imperador tinham a finalidade de unificar a Igreja cristã, já que, com
as divergências existentes dentro dela, o seu trono poderia estar ameaçado pela
falta de unidade entre os romanos. Constantino somente pediu batismo no final
da sua vida, ato ministrado pelo bispo ariano Eusébio de Nicomédia, o que
reforça sua mencionada inclinação. Além disso, pouco antes de sua morte em 335,
ele mandou exilar o patriarca ortodoxo de Alexandria que tivera atuação
destacada no Concílio.
Muitos creem que Constantino nunca se tornou cristão. Ele era
adorador de Mitra, o Deus-Sol, tendo oficializado o domingo como Dia do Senhor
num edito de 321, mas partindo do fato inicial de ser aquele o “Dia do Sol”,
prova mantida na palavra “domingo” em algumas línguas modernas, como o alemão e
o inglês, por exemplo. O culto ao Deus Sol Invicto – divindade protetora das
tropas romanas, parece que foi mantido até quase o final da vida de
Constantino. Moedas cunhadas no seu governo mostram a figura de Mitra.
Com sua atuação, Constantino deu novos rumos à Igreja, educou seus
filhos no cristianismo, deu à Igreja um início de presença institucional no
Estado romano, numa época em que o paganismo ainda mantinha grande força
política entre as elites educadas do Ocidente do império, levando a uma
convivência nem sempre pacífica entre as duas tendências religiosas. A Igreja
prosperou sob seu governo, mas sofreu graves consequências no futuro.
É importante destacar-se a grande influência de Helena sobre Constantino.
Flávia Júlia Helena (Bítínia, 250 - Constantinopla, 330), primeira mulher de
Constâncio Cloro, mãe de Constantino, converteu-se ao cristianismo, tendo
participado da construção de Constantinopla. Helena demonstrou grande
apego à Igreja e, no fim da sua vida, perto dos oitenta anos, realizou uma
peregrinação à Terra Santa, tendo localizado em Jerusalém uma cruz que
acreditou ser a Vera
Cruz, a cruz verdadeira de Cristo. Helena ordenou a construção da Igreja do
Santo Sepulcro (suposto lugar de sepultamento de Cristo em Jerusalém) no
lugar do templo a Afrodite que ali existia, além da Igreja da Natividade em
Belém. Tendo falecido pouco tempo depois da volta da peregrinação, Helena foi
sepultada em Roma.
Com a atuação política de Constantino em Roma e na Nova Roma por
ele construída no Oriente, além da presença de seus três filhos e do seu
sobrinho-neto no governo, a Igreja Cristã teve sua situação mudada diante do
Império Romano. O legado histórico de Constantino será o assunto do próximo
fascículo.
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