“As nações
se embraveceram; os reinos se moveram; ele levantou a sua voz e a terra se
derreteu.” (Salmo 46.6)
Jesus disse aos seus discípulos, pouco antes do ano 30 AD: “Dai
a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. O verso bíblico
citado se insere num contexto em que perguntaram a Jesus se era lícito pagar
impostos a Roma. Na resposta, Cristo deixa claro que há uma nítida diferença
entre o reino dos homens e o Reino de Deus, cada um com seu governante máximo,
que deve receber o que lhe é devido.
Com a prática da vivência cristã por parte da Igreja, lentamente há um
deslocamento de autoridade no Reino Celestial (na terra representado pela
Igreja) de Deus para o Papa, líder máximo criado pelos homens a partir de uma
interpretação errônea do que Cristo havia dito a seus discípulos numa outra
ocasião. Assim, após a perseguição, a Igreja começou lentamente a colocar um
“vigário de Cristo”, um substituto do Salvador, presente sobre a terra, na
pessoa do Bispo de Roma e de toda a hierarquia eclesiástica criada. O verso
citado no início, que opunha César a Deus, passou a opor César ao Papa. Foi aí
que surgiu o “cesaropapismo”.
A partir do Édito de Milão, em 313, além de reconhecer o
cristianismo como religião legal e com liberdade de culto, Constantino assumiu
uma postura magisterial no âmbito social, cultural e religioso do império.
Dessa forma, ele se opôs a qualquer discordância teológica no cristianismo,
religião que assumira como forma de unificar politicamente o Império. Nessa
linha político-religiosa, o imperador convocou o I Concílio de Niceia, em
325, para solucionar a questão do arianismo. Em um processo que se
acentuou nas décadas seguintes, o cristianismo se tornou a religião oficial do
império em 380, no governo de Teodósio. O fim do Império Romano do
Ocidente em 476 deteve um processo de controle da Igreja pelo Estado no
Ocidente, o qual vinha se fortalecendo com o tempo.
Cesaropapismo (substantivo composto formado de dois outros, “César”
e “Papa”) foi um sistema de relações entre a Igreja e
o Estado em que ao chefe de Estado (César) cabia a competência de
regular a doutrina, a disciplina e a organização da sociedade cristã, exercendo
poderes tradicionalmente reservados à suprema autoridade religiosa (Papa),
unificando as funções imperiais e pontifícias em sua
pessoa. Daí decorre o traço característico do cesaropapismo, que é a
subordinação da Igreja ao Estado. A ideologia do cesaropapismo assenta-se na
ideia de a política imperial querer usurpar a autoridade conciliar e
o poder papal de decisão sobre a Igreja. Em sua história milenar,
o Império Romano do Oriente acentuou e concretizou o cesaropapismo ao
extremo. O imperador fez valer seu poder sobre a Igreja emanando normas,
sancionando decretos dos concílios ecumênicos, convocando os tribunais
eclesiásticos e determinando sua competência, cuidando da exata aplicação das
leis canônicas, controlando a correta administração dos bens da Igreja e
nomeando os titulares dos ofícios eclesiásticos. No Ocidente, a Igreja tinha a
obrigação de informar ao imperador ou a seu representante na Itália o nome do
papa eleito.
Carlos Magno, ao se constituir como líder do Império Carolíngio,
no século VIII, assumiu uma relação muito estreita com a Igreja
Católica. Primeiro lhe deu o território do centro da Itália,
o Patrimônio de São Pedro, em 754, que assegurou ao papa o poder
temporal direto sobre a região. O papa Leão III, em 25 de dezembro de 800,
conferiu o título de Imperador a Carlos Magno. O Imperador reviveu um
sistema de relações entre o Estado e a Igreja, no qual ele assumiu o poder
legislativo, jurídico e administrativo sobre o território pontifício; Carlos
Magno reivindicou, antes mesmo de ser coroado imperador, o poder dogmático;
em carta ao papa Leão III em 796, ele afirmou: "Quero não só
defender com as armas a Igreja de seus inimigos externos, mas também
fortificá-la em seu interior através do maior conhecimento da doutrina católica". Carlos
Magno nomeou, com raras exceções, todos os bispos e abades de seu reino,
exigindo inclusive a participação pessoal deles nas guerras.
Em 962, o rei germânico Oto I foi coroado imperador
do Sacro Império Romano-Germânico e novamente teve início no Ocidente
um período de intervenção do Estado na Igreja, com o
intuito de favorecer o poder do imperador. Os imperadores germânicos então
nomeavam bispos e abades, que prestavam juramento de fidelidade na
condição de vassalos. Desregramento do clero, que provocou um grande
movimento de reforma eclesiástica, foi a consequência. Na época, o imperador
nomeou e depôs vários papas na busca de apoio político.
O Sacro Império Romano foi uma tentativa de reviver o Império Romano do
Ocidente, cuja estrutura política e legal sucumbiu a partir das invasões do
século V, substituída por reinos independentes governados por chefes
germânicos. O Sacro Império Romano-Germânico (em alemão Heiliges
Römisches Reich) constituiu-se na união de territórios da Europa Central
durante a Idade Média, durante toda a Idade Moderna e no início da Idade
Contemporânea, sob a autoridade do Sacro Imperador Romano-Germânico. Embora
Carlos Magno seja considerado o primeiro Imperador do Sacro Império, em 800, a
linha contínua de imperadores começou apenas com Otto I em 962. O último
imperador do I Sacro Império foi Francisco II, que abdicou e dissolveu o
império em 1806, durante as Guerras Napoleônicas. Foi principalmente nesse
longo período que os poderes de César e do Papa estiveram em litígio, com o
predomínio ora de um, ora do outro.
O predomínio do poder imperial
sobre o eclesiástico sofreu uma inversão principalmente nos tempos de Inocêncio
III, dado o poder acumulado em suas mãos na sua época. Segundo ele, o papa
era superior ao rei em virtude da autoridade recebida de Deus, e por isso tinha
o poder de excomungar os reis e de depô-los. Inocêncio dizia que Deus tinha
posto o sol e a lua para iluminar o dia e a noite. O sol representava a
autoridade pontifícia, enquanto a lua era a autoridade imperial. “Por
isso, a lua recebe a sua luz do sol e é, portanto, inferior ao sol, tanto na
grandeza como no calor, tanto na sua posição como nos seus efeitos. Do mesmo
modo o poder régio deriva a sua dignidade da autoridade pontifícia e quanto
menos se submete a ela, tanto menor luz recebe dela. Mas quanto mais lhe se
submete, tanto mais aumenta o seu fulgor.” No final do século XII, era
o Papa quem nomeava os reis.
O I Império dissolveu-se em 1806, durante as Guerras Napoleônicas, tendo
sido revitalizado como II Império entre 1871 e 1918, com a participação do
chanceler Otto von Bismarck, que projetou sob regime monárquico um moderno
estado nacional, de governo central com soberania sobre todo o seu território.
O espirito bélico de dominação acabou por envolver a Alemanha na Primeira
Guerra Mundial, da qual o país saiu derrotado, em meio a uma grave crise
econômica, social e institucional, com perda significativa de territórios e de
todo o seu império colonial. O III Império (ou III Reich em
alemão), talvez o de mais triste memória, levou ao nazismo de Adolf Hitler,
eleito Chanceler da Alemanha em 30 de janeiro de 1933. O resultado de tudo isso
foi a II Guerra Mundial, de 1939 a 1945, evento que deixou milhões de mortos,
muita destruição, massacre de judeus e muita tristeza no mundo todo. Resumindo
a história de maneira sarcástica, para o filosofo francês Voltaire, em 1756, o
Sacro Império Romano parecia uma "aglomeração", que não
era "nem sagrada, nem romana, nem um império".
Duas Guerras Mundiais no século XX foram consequência de algo iniciado
na Idade Média, quando os líderes cristãos resolveram juntar o político ao
religioso, o temporal ao eterno, o material ao espiritual, contrariando o que
Cristo deixou como orientação quanto ao assunto: “Dai a César o que é
de César, e a Deus o que é de Deus”. O mesmo Senhor havia alertado
seus discípulos, dizendo “meu Reino não é deste mundo”, mostrando
que não era um líder político que tivesse vindo restabelecer o reino a Israel.
Ensinava ele que todos aqueles que viessem a lidar no Reino de Deus neste
mundo, na Igreja por ele edificada, deveriam saber separar as coisas
devidamente. Infelizmente, ao longo da história do Cristianismo, os cristãos
não têm sabido discernir entre os absolutos de Deus e os relativos do homem.
Por estas e por outras coisas, muitos cristãos fugiram para a vida monástica,
assunto a ser abordado no próximo fascículo.
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