20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

1. A IGREJA EM ATOS

"Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder. Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra.” (Atos 1.7-8)
Na sequência bíblica dos livros do Novo Testamento, Atos é o responsável pelo segundo assunto de que trata a Bíblia, ou seja, a história da Igreja Cristã. O primeiro assunto, em quatro livros diferentes, se refere à vida do Senhor Jesus Cristo, aquele que, entre muitas outras coisas, disse: “Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” A pedra sobre a qual a Igreja foi edificada talvez tenha sido um dos primeiros assuntos a provocar polêmica no meio cristão: quem ou o que é a pedra? Cristo? Pedro? A declaração de Pedro? A Igreja Cristã tem enfrentado esta e outras polêmicas ao longo de sua história, a qual começa a ser contada agora.

Jesus foi um ser humano sem igual: Ele nasceu de forma inusitada, viveu de forma incomum, falou como nenhum homem até então tinha falado, foi perseguido, preso, julgado, condenado, morto na cruz, mas a morte não o reteve; ao contrário, ressuscitou no terceiro dia, apareceu aos seus discípulos por diversas vezes, até que, ao voltar para seu Pai no céu, prometeu estar com seus seguidores até que retornasse para levar a todos os seus, vivos ou mortos, para com ele morarem eternamente. Nenhum homem jamais teve ou terá uma história semelhante. Como Mestre, Jesus foi perfeito, sua didática foi sem igual. No entanto, os grandes mestres e professores daquele tempo eram geralmente assessorados por secretários ou escribas, pessoas que os acompanhavam fazendo anotações de seus ensinos. Jesus, no entanto, não se preocupou com o grau de instrução ou a habilidade de escrever de seus seguidores. Mesmo quando nomeou os doze apóstolos, ele usou pessoas como pescadores (Pedro, André, Tiago, João, Tomé e possivelmente também Filipe), um cobrador de impostos como Mateus, outros de profissões desconhecidas, mas não consta que houvesse alguém de boa formação acadêmica entre eles. No entanto, seus seguidores o acompanharam por cerca de três anos, aprendendo diariamente as lições diretamente de seus lábios. Jesus deveria saber ler e escrever, já que é mencionado escrevendo com o dedo no chão diante da mulher apanhada em adultério, mas a oralidade do seu ensino é algo que precisa ser realçado neste estudo. A história da Igreja por ele edificada dependeu, em seu começo, e mesmo depende ainda hoje, da transmissão oral e escrita feita por seus seguidores, principalmente pelos mais próximos, os doze apóstolos. Por isso, é dada ênfase pela Igreja ao evangelho apostólico, pois a presença física dos doze no primeiro século foi fundamental para a preservação da pureza da mensagem. 

Não é conveniente que nós, em tão curto espaço de texto, repitamos muita coisa daquilo que a Igreja já sabe sobre sua história. Talvez o relato de Lucas em Atos seja a parte mais conhecida dos acontecimentos iniciais do Cristianismo, razão pela qual vamos apenas lembrar alguns detalhes importantes e comentar algumas coisas que, talvez, não sejam tão conhecidas ainda sobre o assunto.

Igreja Cristã é o nome que foi dado àqueles que, após o Pentecostes, se juntaram aos 120 membros iniciais, iniciando a primeira congregação cristã em Jerusalém. É verdade que os membros daquela congregação eram chamados de “os seguidores do Caminho”, mas, após o evangelho atingir os gentios, os discípulos de Cristo passaram a ser chamados de “Cristãos”, a partir da congregação de Antioquia da Síria.

Atos dos Apóstolos começa com a ascensão de Cristo aos céus e a pergunta feita por dois varões que ali apareceram, questionando os presentes sobre o fato de estarem “olhando para cima”, quando, na verdade, deveriam olhar para a frente, pois era aquela a direção na qual a igreja deveria caminhar. De fato, partindo dos 120 presentes à primeira assembleia realizada para eleição do décimo segundo apóstolo, no Pentecostes o número de seguidores que foram batizados chegou a “quase três mil pessoas” e, pouco tempo após, subiu para “quase cinco mil homens”. Houve perseguição dos judeus, principalmente dos saduceus, com prisão temporária de Pedro e João, mas ainda assim a Igreja crescia.

Crescimento numérico é salutar, mas com ele normalmente aparecem problemas. Um dos primeiros problemas foi gerado pelo casal Ananias e Safira, outro foi o que surgiu da reclamação dos “helenistas contra os hebreus” por causa do esquecimento da assistência social às viúvas. Os judeus helenistas constituíam uma ala de pessoas que haviam vindo de regiões de forte influência grega, sendo a maioria prosélitos, isto é, judeus que não mais residiam na Judeia e na Palestina. Para solucionar, então, o problema criado, elegeu a comunidade um grupo de sete pessoas, talvez lideradas por Estêvão, que são considerados hoje como os diáconos iniciais da Igreja; segundo historiadores, os sete pertenciam ao grupo dos helenistas.

Estêvão, possivelmente o líder do grupo diaconal, era homem cheio do Espírito Santo e, ao que tudo indica, possuidor de boa oratória. Após brilhante discurso, no qual fez um levantamento da história dos israelitas desde Abraão, passando por vários episódios e chegando aos tempos proféticos, Estêvão mencionou que os pais haviam matado os profetas que anunciaram a vinda do Messias e acusou os seus contemporâneos de haverem matado o próprio Messias, fato que enfureceu seus acusadores. Por causa de sua pregação, um grupo que resolveu levá-lo perante o Sinédrio, levantando contra ele falsidades, sendo ele condenado e apedrejado. Sua morte desencadeou uma perseguição à Igreja, atingindo principalmente a ala helenista, que fugiu da cidade, dando início à expansão do evangelho segundo o plano traçado por Jesus: Jerusalém, Judeia, Samaria, até os confins da terra.

Judeia e Samaria ainda eram regiões ligadas aos judeus, mas Filipe foi o primeiro pregador a um gentio, alguém que acabou convertido e levando o evangelho para a Etiópia, na África: o oficial de Candace, a rainha. Pedro também atuou junto aos gentios, atendendo a um apelo divino após uma visão, mas havia na cena do apedrejamento de Estêvão um jovem que a tudo assistiu e que consentiu com aquele martírio, cuja vida foi modificada pelo evangelho de Cristo e cuja conversão o transformou de perseguidor em perseguido: Saulo de Tarso, ou seja, Paulo, o Apóstolo, após se tornar cristão. Foi Paulo o grande evangelista dos gentios no início da Igreja, tendo empreendido pelo menos três viagens missionárias antes de ser preso e levado a Roma. Antioquia foi atingida pelo evangelho por causa da perseguição após a morte de Estêvão, e foi de lá que Paulo partiu em suas viagens missionárias. A congregação cristã de Antioquia foi-se fortalecendo com o passar do tempo, ao ponto de sobrepujar em importância a congregação de Jerusalém. Ali o nome “cristão” foi usado pela primeira vez.

Quando se converteu ao evangelho de Cristo, o perseguidor da Igreja talvez não tivesse ideia do tipo de problemas que iria enfrentar em sua vida a partir daquele momento. Paulo enfrentou perseguições, fugas, naufrágio, prisões, julgamentos, tendo encontrado a morte de maneira trágica por amor ao seu Senhor, àquele ao qual ele havia perseguido. No final do relato histórico de Atos dos Apóstolos, vamos encontra-lo em prisão domiciliar em Roma, guardado por um soldado romano, aguardando julgamento por ter apelado para César como cidadão romano que era, fato que lhe preservou a vida na época. Na casa onde morava, Paulo podia receber seus visitantes, e o capítulo final do livro relata a visita de um grupo de judeus, que foram ouvir de Paulo a pregação de sua fé no evangelho de Cristo. Naquela ocasião, Paulo deve ter tido a mesma experiência de João, quando relata em seu evangelho que Jesus “veio para o que era seu, e os seus não o receberam”, pois, também ali houve quem ficasse persuadido pelas palavras de Paulo, mas houve também aqueles que continuaram incrédulos.

A história bíblica, confiável, inspirada, canônica da Igreja Cristã termina com Atos 28 e Paulo em sua prisão domiciliar. No entanto, os acontecimentos continuaram a ocorrer depois que Lucas descansou seus instrumentos de escrita. Será que Paulo foi decapitado após o final de Atos? Que terá acontecido com os outros discípulos de Cristo? Estes e outros assuntos figurarão nos próximos fascículos desta série.

 
 

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