20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

4. A IGREJA NA ERA APOSTÓLICA

“Escreve ao anjo da igreja que está em Éfeso: Isto diz aquele que tem na sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de ouro: eu sei as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos e o não são e tu os achaste mentirosos; e sofreste e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome e não te cansaste.”
(Apocalipse 2.1-3)

Chamando de Era apostólica o primeiro século, de 30 ao ano 100, setenta anos de presença dos apóstolos e daquelas pessoas que mais proximamente conviveram com o Senhor Jesus, vejamos o que mais ocorreu na história da Igreja durante esse período e que ainda não foi abordado por não ter sido mencionado em Atos.

A Igreja nasceu num contexto judaico, na cultura dos judeus daqueles tempos do primeiro século, mas teve que sair daquela situação e se espalhar pelo Império Romano, principalmente motivada pela perseguição. Os próprios judeus foram os primeiros a perseguir os cristãos, movidos por inveja, conforme relata Lucas, e os soldados romanos poucas ações empreenderam nesse sentido no início. Na verdade, o Império romano favoreceu a expansão inicial do evangelho, graças às excelentes estradas que permitiam as viagens; à comunicação pela língua grega, que era comum entre os diferentes povos; e também pela “pax romana”, o ambiente de relativa tranquilidade de que gozava grande parte do império.

As perseguições ao longo da história, na verdade, quase nunca foram gerais (em todas as regiões do império) e constantes (com duração permanente) mas sim localizadas e ocasionais, ou seja, aconteceram em alguns lugares definidos e durante algum tempo. Na década de 40 do primeiro século, um historiador romano chamado Tácito relata um tumulto havido em um local de habitação coletiva em Roma motivado por um certo “Chrestus”. Como pode ter havido por parte do historiador algum engano quanto ao nome, pode ser que o fato se refira a “Christos”, ou a seus seguidores, coisa que motivou a expulsão das pessoas de Roma. Há historiadores que afirmam que Áquila e Priscila podem ter sido parte desse episódio, fato que os levou a se encontrarem com o apóstolo Paulo após terem sido expulsos de Roma.

O mesmo historiador romano Tácito menciona o incêndio de Roma no ano 64. Surgido em cortiços, ou habitações coletivas na cidade, o povo começou a atribuir a Nero o início do fogo, já que ele tinha planos para usar aquele terreno para a construção de seus palácios, fato que realmente ocorreu.

Segundo Tácito, “... para se livrar dos rumores, Nero criou bodes expiatórios e realizou as mais refinadas torturas em uma classe odiada por suas abominações: os cristãos (como eles eram popularmente chamados). Cristo, de onde o nome teve origem, sofreu a penalidade máxima durante o reinado de Tiberius, pelas mãos de um dos nossos procuradores, Poncio Pilatos. Pouco após, uma perversa superstição voltou à tona e não somente na Judéia, onde teve origem, como até em Roma, onde as coisas horrendas e vergonhosas de todas as partes do mundo encontram seu centro e se tornam populares. Em seguida, foram presos aqueles que se declararam culpados, então, com as informações deles extraídas, uma imensa multidão foi condenada, não somente pelo incêndio, mas pelo seu ódio contra a humanidade. Ridicularizações de todos os tipos foram adicionadas às suas mortes. Os cristãos eram cobertos com peles de animais, rasgados por cães e deixados a apodrecer, crucificados, condenados às chamas e queimados para que servissem de iluminação noturna quando a luz do dia já tivesse se extinguido.” O autor deste texto não era cristão, fato que torna o relato histórico mais verossímil ainda.

A Igreja Católica Romana tem em suas tradições como fato incontestável a atuação dos dois apóstolos na congregação de Roma, inclusive para justificar o bispado de Pedro e o início do papado com ele. A história, porém, não tem comprovações de que Pedro e Paulo tenham atuado naquela igreja, mas é fato que eles perderam a vida naquela cidade, por volta do ano 68, ainda no final do reinado de Nero. Segundo a tradição, Paulo deve ter sido degolado e Pedro crucificado de cabeça para baixo, atendendo a seu pedido. O Catolicismo Romano mantém igrejas e túmulos com o nome dos dois apóstolos, locais que podem ser visitados em Roma até hoje. Nero deve ter morrido no mesmo ano da execução, mas não sem antes ter participado de outro fato que envolve os judeus e a história da Igreja.

O povo judeu, desde que voltou do cativeiro babilônico, foi um povo inquieto e tendente a provocar revoltas contra os impérios aos quais foram subjugados. Saídos do exílio babilônico nos tempos veterotestamentários, de volta à Terra Santa, os judeus estiveram sob o jugo dos persas, depois dos gregos em duas fases distintas, até que, no século II a.C., tiveram um período de cerca de um século de liberdade no tempo dos macabeus. Dominados finalmente por Roma, já na Era Apostólica, os judeus ainda se rebelavam contra o jugo romano, tendo provocado tumultos em muitas ocasiões.

No ano 66, sob o domínio de Nero, o povo judeu iniciou um tumulto a partir da fortaleza de Maçada, local onde atacou e matou muitos soldados romanos ali aquartelados. O fato deu origem a uma revolta que se espalhou além de Jerusalém, pela Judeia e outras regiões onde os judeus moravam. Roma respondeu enviando tropas chefiadas pelo general Vespasiano, que tentaram conter o tumulto. Em 68, com a morte de Nero, Vespasiano foi aclamado imperador romano e enviou seu filho, o general Tito, para continuar a luta. Após muitas mortes de ambos os lados, os romanos finalmente conseguiram conter a revolta nas demais regiões, cercando Jerusalém, provocando escassez de alimentos e recursos na cidade, até conseguir invadi-la, destruindo muitos edifícios e aproximando-se do Templo, último reduto da resistência judaica. Dominada a revolta, afirma a história que o general Tito não queria a destruição do Templo, mas os soldados romanos estavam tão raivosos contra os judeus pela resistência havida e pelas baixas sofridas pelas tropas romanas que eles mesmos promoveram a destruição do edifício, dando cumprimento às profecias feitas pelo próprio Cristo quanto à destruição definitiva do Templo. Com o fato, os judeus foram espalhados, fugindo para muitos lugares, numa diáspora praticamente definitiva.

O que aconteceu com a Igreja de Jerusalém durante o conflito? ”Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação. Então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes; os que estiverem dentro da cidade, saiam; e os que estiverem nos campos não entrem nela.” Jesus havia alertado seus seguidores para os dias da destruição de Jerusalém e Lucas relatou sua profecia em seu evangelho. A Igreja deve ter lembrado as palavras do Senhor, pois, segundo relata a história, no ano 66, ela fugiu da cidade, indo para uma região além do Jordão chamada Pella. Sendo um território não habitado por judeus, a congregação continuou a existir até o início do século II naquele lugar, mas, sofrendo influências não-cristãs, aos poucos o grupo se desviou pela entrada de heresias, vindo a desaparecer. Pella hoje pertence à Jordânia e dela somente existem ruínas, havendo quem ligue o nome da região à Peniel do Velho Testamento.

O último apóstolo a ser mencionado será João, provavelmente o mais novo em idade entre os apóstolos de Cristo e o último a morrer na Era Apostólica. A história relata que, no final do seu ministério, João fixou residência em Éfeso, juntando-se àquela congregação, com a qual trabalhou até o fim. Talvez estivesse lá quando foi exilado em Patmos, local da visão apocalíptica, no tempo do imperador Domiciano, um perseguidor da Igreja, libertado talvez pelo imperador Nerva no ano 95. Suas obras, compostas do evangelho, cartas e o livro do Apocalipse, devem ter sido escritas principalmente nas duas últimas décadas de sua vida. Segundo se crê, João morreu de morte natural no ano 100, o último ano do primeiro século, encerrando a Era Apostólica da história de Igreja, período abençoado pela presença das testemunhas que viram e ouviram o Senhor da Igreja ministrando em pessoa.

Após o final do primeiro século, a história teve sequência, assunto que será abordado no próximo fascículo.

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