(Apocalipse 2.1-3)
Chamando de Era apostólica
o primeiro século, de 30 ao ano 100, setenta anos de presença dos apóstolos e
daquelas pessoas que mais proximamente conviveram com o Senhor Jesus, vejamos o
que mais ocorreu na história da Igreja durante esse período e que ainda não foi
abordado por não ter sido mencionado em Atos.
A Igreja nasceu num
contexto judaico, na cultura dos judeus daqueles tempos do primeiro século, mas
teve que sair daquela situação e se espalhar pelo Império Romano, principalmente
motivada pela perseguição. Os próprios judeus foram os primeiros a perseguir os
cristãos, movidos por inveja, conforme relata Lucas, e os soldados romanos
poucas ações empreenderam nesse sentido no início. Na verdade, o Império romano
favoreceu a expansão inicial do evangelho, graças às excelentes estradas que
permitiam as viagens; à comunicação pela língua grega, que era comum entre os
diferentes povos; e também pela “pax romana”, o ambiente de relativa
tranquilidade de que gozava grande parte do império.
As perseguições ao longo
da história, na verdade, quase nunca foram gerais (em todas as regiões do
império) e constantes (com duração permanente) mas sim localizadas e
ocasionais, ou seja, aconteceram em alguns lugares definidos e durante algum
tempo. Na década de 40 do primeiro século, um historiador romano chamado Tácito
relata um tumulto havido em um local de habitação coletiva em Roma motivado por
um certo “Chrestus”. Como pode ter havido por parte do historiador algum engano
quanto ao nome, pode ser que o fato se refira a “Christos”, ou a seus
seguidores, coisa que motivou a expulsão das pessoas de Roma. Há historiadores
que afirmam que Áquila e Priscila podem ter sido parte desse episódio, fato que
os levou a se encontrarem com o apóstolo Paulo após terem sido expulsos de
Roma.
O mesmo historiador romano
Tácito menciona o incêndio de Roma no ano 64. Surgido em cortiços, ou
habitações coletivas na cidade, o povo começou a atribuir a Nero o início do
fogo, já que ele tinha planos para usar aquele terreno para a construção de
seus palácios, fato que realmente ocorreu.
Segundo Tácito, “... para se livrar dos
rumores, Nero criou bodes expiatórios e realizou as mais refinadas torturas em
uma classe odiada por suas abominações: os cristãos (como eles eram popularmente
chamados). Cristo, de onde o nome teve origem, sofreu a penalidade máxima
durante o reinado de Tiberius, pelas mãos de um dos nossos procuradores, Poncio
Pilatos. Pouco após, uma perversa superstição voltou à tona e não somente na
Judéia, onde teve origem, como até em Roma, onde as coisas horrendas e
vergonhosas de todas as partes do mundo encontram seu centro e se tornam
populares. Em seguida, foram presos aqueles que se declararam culpados, então,
com as informações deles extraídas, uma imensa multidão foi condenada, não
somente pelo incêndio, mas pelo seu ódio contra a humanidade. Ridicularizações
de todos os tipos foram adicionadas às suas mortes. Os cristãos eram cobertos
com peles de animais, rasgados por cães e deixados a apodrecer, crucificados,
condenados às chamas e queimados para que servissem de iluminação noturna
quando a luz do dia já tivesse se extinguido.” O autor deste texto não era
cristão, fato que torna o relato histórico mais verossímil ainda.
A Igreja Católica Romana
tem em suas tradições como fato incontestável a atuação dos dois apóstolos na
congregação de Roma, inclusive para justificar o bispado de Pedro e o início do
papado com ele. A história, porém, não tem comprovações de que Pedro e Paulo
tenham atuado naquela igreja, mas é fato que eles perderam a vida naquela
cidade, por volta do ano 68, ainda no final do reinado de Nero. Segundo a
tradição, Paulo deve ter sido degolado e Pedro crucificado de cabeça para
baixo, atendendo a seu pedido. O Catolicismo Romano mantém igrejas e túmulos
com o nome dos dois apóstolos, locais que podem ser visitados em Roma até hoje.
Nero deve ter morrido no mesmo ano da execução, mas não sem antes ter
participado de outro fato que envolve os judeus e a história da Igreja.
O povo judeu, desde que
voltou do cativeiro babilônico, foi um povo inquieto e tendente a provocar
revoltas contra os impérios aos quais foram subjugados. Saídos do exílio
babilônico nos tempos veterotestamentários, de volta à Terra Santa, os judeus estiveram
sob o jugo dos persas, depois dos gregos em duas fases distintas, até que, no
século II a.C., tiveram um período de cerca de um século de liberdade no tempo
dos macabeus. Dominados finalmente por Roma, já na Era Apostólica, os judeus
ainda se rebelavam contra o jugo romano, tendo provocado tumultos em muitas
ocasiões.
No ano 66, sob o domínio
de Nero, o povo judeu iniciou um tumulto a partir da fortaleza de Maçada, local
onde atacou e matou muitos soldados romanos ali aquartelados. O fato deu origem
a uma revolta que se espalhou além de Jerusalém, pela Judeia e outras regiões
onde os judeus moravam. Roma respondeu enviando tropas chefiadas pelo general
Vespasiano, que tentaram conter o tumulto. Em 68, com a morte de Nero,
Vespasiano foi aclamado imperador romano e enviou seu filho, o general Tito,
para continuar a luta. Após muitas mortes de ambos os lados, os romanos
finalmente conseguiram conter a revolta nas demais regiões, cercando Jerusalém,
provocando escassez de alimentos e recursos na cidade, até conseguir invadi-la,
destruindo muitos edifícios e aproximando-se do Templo, último reduto da
resistência judaica. Dominada a revolta, afirma a história que o general Tito
não queria a destruição do Templo, mas os soldados romanos estavam tão raivosos
contra os judeus pela resistência havida e pelas baixas sofridas pelas tropas
romanas que eles mesmos promoveram a destruição do edifício, dando cumprimento
às profecias feitas pelo próprio Cristo quanto à destruição definitiva do
Templo. Com o fato, os judeus foram espalhados, fugindo para muitos lugares,
numa diáspora praticamente definitiva.
O que aconteceu com a
Igreja de Jerusalém durante o conflito? ”Mas,
quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua
desolação. Então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes; os que
estiverem dentro da cidade, saiam; e os que estiverem nos campos não entrem
nela.” Jesus havia alertado seus seguidores para os dias da destruição de
Jerusalém e Lucas relatou sua profecia em seu evangelho. A Igreja deve ter
lembrado as palavras do Senhor, pois, segundo relata a história, no ano 66, ela
fugiu da cidade, indo para uma região além do Jordão chamada Pella. Sendo um
território não habitado por judeus, a congregação continuou a existir até o
início do século II naquele lugar, mas, sofrendo influências não-cristãs, aos
poucos o grupo se desviou pela entrada de heresias, vindo a desaparecer. Pella
hoje pertence à Jordânia e dela somente existem ruínas, havendo quem ligue o
nome da região à Peniel do Velho Testamento.
O último apóstolo a ser mencionado
será João, provavelmente o mais novo em idade entre os apóstolos de Cristo e o
último a morrer na Era Apostólica. A história relata que, no final do seu
ministério, João fixou residência em Éfeso, juntando-se àquela congregação, com
a qual trabalhou até o fim. Talvez estivesse lá quando foi exilado em Patmos,
local da visão apocalíptica, no tempo do imperador Domiciano, um perseguidor da
Igreja, libertado talvez pelo imperador Nerva no ano 95. Suas obras, compostas
do evangelho, cartas e o livro do Apocalipse, devem ter sido escritas
principalmente nas duas últimas décadas de sua vida. Segundo se crê, João
morreu de morte natural no ano 100, o último ano do primeiro século, encerrando
a Era Apostólica da história de Igreja, período abençoado pela presença das
testemunhas que viram e ouviram o Senhor da Igreja ministrando em pessoa.
Após o final do primeiro
século, a história teve sequência, assunto que será abordado no próximo
fascículo.
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