20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

terça-feira, 14 de outubro de 2014

6. A IGREJA E A PERSEGUIÇÃO

“Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem, e perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós.” (Mateus 5.11-12)

De acordo com Alister McGrath, em seu livro “Heresia”, existiram três ameaças principais ao Cristianismo nos primeiros séculos:  a) ameaça física: constante possibilidade de perseguição; b) perigo de assimilação intelectual ou religiosa; c) fragmentação do cristianismo por meio da incoerência intelectual. As duas últimas se referem à defesa da fé, tanto interna quanto externamente nas igrejas locais. A primeira foi realmente uma ameaça que combateu a própria existência e sobrevivência da Igreja: a perseguição.

Perseguir é, segundo o dicionário, a ação de “seguir de perto”; como decorrência, é também “fazer punir, castigar, vexar com violência, atormentar, torturar, flagelar”. A perseguição começou em Jerusalém por causa dos judeus, ocasionando a expulsão dos “Seguidores do Caminho” da cidade. O governo romano perseguiu pouco o cristianismo no início, considerado como mera seita do judaísmo. Os próprios judeus, no entanto, repeliram o movimento cristão e “por inveja” o perseguiram, segundo informa Lucas em Atos. Foi essa perseguição inicial a partir da morte de Estêvão que iniciou a pregação do evangelho entre os gentios, já que antes a fé se restringia aos judeus de Jerusalém.

Quanto à perseguição do Império Romano, há historiadores que apontam dez períodos de perseguição mais intensa à Igreja, sob o domínio de dez imperadores diferentes, a começar por Nero, seguido de Domiciano (que deve ter enviado João para o exílio em Patmos no ano 81) ainda no primeiro século, conforme já mencionado anteriormente.

No início do segundo século, a perseguição aconteceu sob o imperador Trajano, a partir de 108, período no qual Inácio foi morto. Plínio, Governador da Bitínia, assim inicia uma carta enviada a Trajano, imperador romano, no início do século II: “Tenho por praxe, Senhor, consultar Vossa Majestade nas questões duvidosas. Quem melhor dirigirá minha incerteza e instruirá minha ignorância?” Plínio desconhecia as investigações e penalidades costumeiras para julgamento dos cristãos, já que era jovem e iniciante em suas funções. Ele não sabia, por exemplo, se havia distinções de acordo com a idade, ou com relação a “enfermos e robustos”, ou se haveria perdão para aqueles que se retratassem. Até então ele havia adotado o seguinte critério: “Aos incriminados pergunto se são cristãos”. Repetia três vezes a pergunta e, havendo persistência, condenava-os à morte. Se fossem cidadãos romanos, eles eram separados e enviados a Roma. Como estava havendo um aumento considerável no número de pessoas acusadas de seguirem o cristianismo, Plínio quis ser orientado pelo próprio imperador, pois queria acertar em suas ações de governante. Ele informou a Trajano: “Todos veneraram vossa imagem e as estátuas dos deuses, amaldiçoando a Cristo.” Trajano respondeu a Plínio, afirmando estar ele correto em suas ações e que, havendo mesmo certeza e negativa por parte do cristão de deixar sua fé e venerar o imperador e os deuses romanos, eles deveriam ser executados. Plínio não deveria, porém, promover investigações para descobrir quem era e quem não era cristão, apenas julgar os que fossem a ele encaminhados. Este é um episódio de perseguição da Igreja ocorrido na Bitínia, nome de uma antiga região do noroeste da Ásia Menor, na costa do Mar Negro, correspondente hoje à Anatólia, na moderna Turquia.

Outras perseguições aconteceram, sob outros imperadores. Marco Aurélio, na segunda metade do século II, lembrado por seus estudos de filosofia, perseguiu severamente a igreja, sendo do seu período os martírios de Policarpo de Esmirna, e de Justino, o célebre filósofo cristão.

No final do século II, o imperador Severo, recuperado de uma grave doença pelos cuidados de um cristão (segundo a tradição) chegou a favorecer o cristianismo no início, mas circunstâncias políticas o levaram a perseguir a Igreja. Entre os anos 200 e 202, Sétimo Severo estabeleceu proibição total de conversões ao judaísmo e ao cristianismo, sob pena grave. Tertuliano, que viveu nesta época, informa que o número de cristãos era tão grande que, se eles tivessem fugido em multidão dos territórios romanos, o Império teria ficado grandemente despovoado. Leônidas, pai de Orígenes, e Irineu, bispo de Lyon, foram decapitados naquela época.

Em meados do século III, a perseguição sob Décio teve como uma das causas o assombroso avanço do cristianismo, que levava os templos pagãos a serem abandonados, abarrotando as igrejas cristãs. Com Décio no ano 250, todos os moradores do Império que possuíssem cidadania romana eram obrigados a manifestar sua adesão à religião imperial. Certificados seriam entregues aos que cumprissem a determinação, enquanto os contraventores correriam o risco de perder a própria vida. Houve muitos mártires em Roma, na Ásia, no Egito e na África Orígenes, presbítero de Alexandria, foi preso quando tinha sessenta e quatro anos e lançado numa masmorra, com intenso sofrimento. Com a troca de imperadores, no governo de Gálio, ele obteve a liberdade, mudando-se para Tiro, onde morreu aos sessenta e nove anos de idade. Na época, na África, a perseguição também ocorreu, ocasião na qual milhares de cristãos foram mortos, entre eles Cipriano, bispo de Cartago. Depois disso, a Igreja teve que lidar com os que se arrependeram da negação ao cristianismo e buscaram o mencionado certificado, quando eles resolveram voltar para a congregação local.

O clímax da perseguição se deu sob Diocleciano, que assumiu o trono imperial em 284 d.C. O croata Diocleciano foi o último imperador importante a tentar pôr em ordem o governo do Império Romano. Com o império já em longo declínio, mostrando uma tendência natural para a divisão entre Oriente e Ocidente, Diocleciano, ao assumir, implantou a tetrarquia, ou seja, o governo de quatro dirigentes, usando a palavra latina “augusti”, no plural, para os dois imperadores máximos, um em cada região, e “cesares” para os príncipes regentes que eram aspirantes ao cargo de “augustus”. Em 286, Diocleciano assumiu como “augustus” do Oriente e Maximiano como “augustus” do Ocidente. Em 293 foram instituídos como “cesares” Galério para o Oriente e Constâncio Cloro para o Ocidente.

Com a divisão, Diocleciano perseguiu os cristãos na parte oriental do Império, mas no lado ocidental, os cristãos da Gália, da Espanha e da Bretanha não foram inicialmente muito molestados. Considerada como a maior de todas as perseguições, sob Diocleciano o movimento se iniciou com editos proibindo certas práticas cristãs e uma ordem de prisão do clero da Igreja. A perseguição se intensificou, com a ordem a todos no Império que sacrificassem aos deuses imperiais, sob pena de execução caso se recusassem. Diocleciano e Galério queimaram livros e edifícios cristãos. Em dez anos de perseguição, Edward Gibbon (em seu livro Declínio e Queda do Império Romano) estima que o número de mortos tenha chegado a mil e quinhentos, "num sacrifício anual de 150 mártires".

Tertuliano, um dos Pais da Igreja, afirmou: “O sangue dos mártires é semente de cristãos". Isso demonstra que, apesar da perseguição (e até, talvez, por causa dela) a Igreja Cristã cresceu muito no período. No final de quase três séculos de sofrimento, o cristianismo já não era uma seita de miseráveis, que podiam ser jogados para as feras do circo para diversão do povo: era uma força real, que não podia ser ignorada, presente em todas as camadas sociais do domínio romano, desde os mais pobres e desprezados na sociedade até a corte imperial.

O imperador Diocleciano abdicou à coroa imperial no início do século IV e foi sucedido por Galério no Oriente, enquanto Constâncio Cloro assumia o Ocidente. Constâncio Cloro, o sucessor de Diocleciano no Ocidente do Império, tinha um filho com o nome de Constantino. Com Constantino, iria começar uma nova era na história da Igreja. Este será o assunto da próxima aula.

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