20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

5. PAIS DA IGREJA

"Eu não rogo somente por estes, mas também por aqueles que, pela sua palavra, hão de crer em mim; para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu, em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” (João 17.20-21)

Jesus orou pelos seus seguidores, tanto presentes quanto futuros. Era necessário que se mantivesse a unidade da mensagem da Igreja, pois Cristo sabia quão grande e intenso seria o confronto com o mundo romano. Grande foi a importância da presença física dos apóstolos e também daqueles que muito de perto os acompanharam no início da Igreja no primeiro século, pois foram aqueles homens os que ouviram dos próprios lábios de Cristo os seus ensinos, para que os transmitissem aos outros. Tendo o ensino do Mestre sido feito apenas de forma oral, e já que o Novo Testamento estava sendo escrito durante a Era Apostólica, foi importante a atuação das testemunhas visuais e auriculares para a manutenção da autenticidade da fé cristã. 


Com o encerramento da Era apostólica, porém, as gerações foram se sucedendo e os cristãos se distanciando cada vez mais daquele início mais apostólico e puro da mensagem do evangelho. Por isso, foi importante a presença de pessoas que, seguindo as melhores origens, procurassem orientar, com suas vidas, palavras e escritos, as diferentes congregações que foram surgindo em todo o Império Romano. São eles que chamamos de uma maneira geral de Pais da Igreja, ou Pais Apostólicos. Alguns foram discípulos dos próprios apóstolos, outros firmaram suas convicções de outras formas, mas todos foram importantes para a tentativa de manutenção de uma unidade na Igreja cristã. Nem todos acertaram em tudo o que fizeram, disseram ou escreveram, mas buscaram ser úteis na obra do Senhor enquanto viveram. Alguns perderam a própria vida por causa do evangelho, tornando-se mártires, mas todos buscaram atuar em defesa da fé, quer internamente, nas congregações, quer externamente, no diálogo com o povo e com as autoridades do Império Romano.

Alguns historiadores dividem os Pais Apostólicos em grupos distintos, dependendo da natureza e do local de sua atuação. Earl Cairns, por exemplo, chama de apologistas aqueles que “procuraram convencer os líderes do Estado de que os cristãos nada tinham feito para merecer a perseguição que estavam sofrendo” e de polemistas os que “procuraram enfrentar os desafios dos movimentos heréticos”. Houve quem atuasse no Ocidente, houve os atuantes do Oriente. Houve quem vivesse antes do Concílio de Niceia, no ano 325; houve também os pós-nicênicos. Visando a uma simplificação do assunto, vamos abordar a vida e obra de alguns, já que o estudo se estenderia muito se fôssemos além disto.

Nascido em Roma, vindo de uma família hebraica, Clemente de Roma foi batizado pelo apóstolo Pedro, segundo a tradição. Ainda segundo a tradição, foi ele o iniciador do uso da palavra “Amém” nas cerimônias religiosas. Clemente é mais conhecido pela carta que escreveu para atender a uma necessidade da comunidade de Corinto, na qual fez uma censura à decadência daquela igreja, principamente pelas lutas e invejas internas entre os fiéis. Na carta, Clemente estabeleceu normas referentes à ordem eclesiástica hierárquica (bispos, presbíteros, diáconos), entre outras coisas. Segundo a hierarquia católica, Clemente foi o quarto papa da Igreja Católica, entre 88 e 97, sucedendo a Anacleto, que sucedeu a Lino, que ocupou o lugar de Pedro.

Esmirna foi uma das sete cidades a quem João escreveu carta registrada no Apocalipse. No século II, existiu um pastor na sua congregação chamado Policarpo. Nascido naquela cidade da Turquia por volta do ano 69 d.C., não se tem muita informação sobre a vida de Policarpo de Esmirna, mas afirma a tradição que ele foi ordenado Bispo pelo próprio João, o Evangelista, de quem havia sido discípulo, conforme deixou registrado Ireneu de Lyon. Homem de caráter reto, de elevado saber, amor à Igreja e fiel à ortodoxia da fé, era respeitado por todos no Oriente. Sua morte em defesa de sua fé em 155 d.C. aconteceu na própria cidade. Antes da execução na fogueira, o procônsul romano que dirigia as tropas insistiu para que ele negasse sua fé em Cristo, prestando culto ao imperador e aos deuses romanos. Policarpo, porém, respondeu referindo-se a Jesus Cristo: "Sirvo-o há oitenta e seis anos e não me fez algum mal: como posso blasfemar o meu rei, aquele que me salvou?". Nos escritos da época, de Eusébio de Cesareia, e mesmo em textos posteriores a ele, constam muitas vezes milagres com relação à sua execução, como o fato de o sangue que saía de seu corpo ter apagado as chamas e outros relatos mitológicos, os quais, insuflando a crendice popular, aos poucos fizeram com que surgissem veneração e culto a Policarpo e a outros mártires, tornando-se eles santos consagrados pela Igreja Católica.

Inácio de Antioquia, discípulo do apóstolo João, foi bispo daquela cidade da Síria entre 68 e o início do segundo século. Após vida de enfrentamento às perseguições por causa da sua fé em Cristo, Inácio é lembrado por ter sido trucidado pela feras durante perseguição promovida pelo imperador Trajano, no início do século II, em Roma. Durante sua viagem da Ásia até a capital do império, Inácio escreveu seis cartas para igrejas da região, a saber, Éfeso, Esmirna, Filadélfia, Magnésia, Roma e Trália e uma para Policarpo. Entre muitas coisas que escreveu, ficou muito conhecida a frase: “Eu sou o trigo de Deus: é preciso que ele seja triturado pelos dentes das feras a fim de ser considerado puro pão de Cristo” 

Ken Curtis inicia seu texto sobre Justino Mártir, em seu livro “Os cem acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo” afirmando: “O jovem filósofo caminhava junto à costa, sua mente estava agitada, sempre ativa, buscando novas verdades. Ele estudara os ensinamentos dos estoicos, de Aristóteles e de Pitágoras; e, naquele momento, era adepto do platonismo, que prometia uma visão de Deus aos que sondassem a verdade com profundidade suficiente.” Quem foi Justino? Filósofo cristão e partindo de uma linha de pensamento judia com influências filosóficas gregas, Justino procurava juntar filosofia e cristianismo. Para Justino, Deus era toda a verdade, e os grandes filósofos gregos haviam sido inspirados por Deus até certo ponto, embora permanecessem cegos com relação à plenitude da verdade de Cristo. Durante cerca de trinta nos de sua vida, ele viajou, evangelizou e escreveu, tendo desempenhado um papel muito importante no desenvolvimento da teologia. A Apologia, sua maior obra, foi endereçada ao imperador Antonino Pio, na qual ele tentava explicar e defender sua fé, perante o imperador romano. Quando Justino retornou a Roma, por volta do ano 165, ele foi denunciado às autoridades romanas, tendo sido preso, torturado e decapitado. Ele havia escrito certa vez: "Vocês podem nos matar, mas não podem nos causar dano verdadeiro". Justino sabia que a verdadeira vida é na eternidade com Deus 

Na segunda metade do século II, o gnosticismo se tornou um dos maiores obstáculos para a pregação do evangelho. Foi nessa época que viveu Irineu de Lyon, uma figura histórica da Igreja da qual pouco se sabe. Ireneu nasceu, provavelmente, na Asia Menor, por volta do ano 125. Durante uma perseguição religiosa em Lyon, o bispo foi martirizado. Ireneu o sucedeu como líder religioso na cidade, enfrentando o gnosticismo que se propalava naquela região. Contra as heresias foi o nome de sua principal obra, na qual, usando principalmente o Antigo Testamento, Ireneu mostrou que um Deus amoroso havia criado o mundo, corrompido pelo pecado humano. Adão, o primeiro homem, tornou-se pecador ao ceder à tentação, mas sua queda foi anulada pela obra do segundo homem, Cristo, o novo Adão. Ele destacou que os apóstolos haviam ensinado abertamente, não guardando segredo sobre nenhum dos ensinamentos que receberam do Mestre, opondo-se à “gnose” dos gnósticos. Ao declarar que os bispos, os sucessores dos apóstolos, eram os guardiães da fé, Ireneu aumentou o respeito dispensado ao bispado, ajudando a solidificar a ideia da sucessão apostólica, que levaria ao papado a partir de Pedro.

Muitos são os nomes que poderiam ser aqui lembrados como Pais da Igreja, pessoas que viveram numa época em que foi importante a presença de uma liderança cristã forte que se levantasse contra heresias e perseguições que a Igreja enfrentava. A perseguição sofrida pela Igreja foi triste, sofrida, marcante e precisa ser conhecida. É o assunto do próximo fascículo.
 
 

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