20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

12. EVANGELIZANDO OS BÁRBAROS NO CONTINENTE EUROPEU

“...pregue a mensagem e insista em anunciá-la, seja no tempo certo ou não. Procure convencer, repreenda, anime e ensine com toda a paciência.” (2 Timóteo 4.2)

 A conversão ao cristianismo era inicialmente uma decisão pessoal, feita de forma puramente espiritual. No entanto, após as perseguições religiosas, com o advento de Constantino, começa a haver um afrouxamento no aspecto de entrada para a Igreja de pessoas que não eram realmente convertidas, mas buscavam o cristianismo por conveniência. Com a evangelização dos povos germânicos, muitas vezes a conversão acabou sendo um fenômeno de massas. Normalmente era o chefe de uma tribo ou o príncipe de um povo que se convertia ao cristianismo de início, e os súditos habitualmente imitavam o exemplo do líder. Como os povos germânicos entendiam que Estado e Religião eram interligados, a conversão entre eles não era só um ato religioso, mas também político. Além disso, no início, os povos germânicos foram alcançados pelo Arianismo, movimento já condenado pela Igreja romana como herético.

O primeiro povo germânico a abraçar o cristianismo em massa foram os visigodos, que habitavam nas margens do Danúbio e ao longo da margem ocidental do Mar Negro. Essa conversão tomou maior impulso quando o godo Úlfilas começou a trabalhar como missionário no meio dos seus conterrâneos, tendo feito isso durante mais de quarenta anos. Úlfilas (311-383) foi consagrado “bispo na terra dos godos” por Eusébio de Nicomédia, um bispo ariano, em meados do século IV. Foi Úlfilas o tradutor da Bíblia na língua dos godos. Ocorrendo uma perseguição, ele fugiu, com grande multidão, para além do Danúbio e buscou proteção em Constantinopla. A adesão à ortodoxia cristã romana do grupo somente aconteceu no final do século VI.

Outro fato marcante na evangelização dos bárbaros foi a conversão e batismo de Clóvis (466-511). “Se me concederes a vitória, crerei em ti e me farei batizar”, havia sido a promessa de Clóvis a Jesus Cristo nos campos de batalha de Toul. De uma forma semelhante ao que havia sucedido antes a Constantino, havia em Clóvis uma certa barganha política com Deus para que ele se tornasse cristão. Como foi vencedor no campo de batalha, Clóvis procurou aprender a doutrina cristã; a tradição relata ainda a realização de um milagre, a cura de um cego durante o percurso do séquito real de Clóvis até a cidade de Reims. Conforme outros povos bárbaros, o rei era admirado e seguido pelos súditos, que aceitaram abandonar seus deuses pagãos e reconhecer por Senhor ao Deus eterno aceito por Clóvis. O rei foi batizado durante a Festa de Natal do ano 496, na catedral de Reims. Gregório de Tours, o primeiro biógrafo de Clóvis, informou sobre o evento: “Chegando ao limiar do batistério, onde os bispos reunidos para a circunstância tinham se postado para se juntar ao cortejo, foi o rei que, tomando por primeiro a palavra, pediu a São Remígio que lhe conferisse o batismo.” Após o batismo real, seguiram-se os batismos dos demais membros da comitiva. Acrescenta a tradição da Igreja que, após essa cerimônia, dar-se-ia a sagração do rei, ocasião na qual teve lugar um outro prodígio: surgiu uma pomba trazendo no bico uma ampola com óleo, com o qual Clóvis foi sagrado. Esse fato marcou o início do Catolicismo Romano entre os francos, os atuais franceses.

Winfrid era um inglês nascido no ano de 680 em Wessex, filho de pais cristãos, que adotou o nome latino Bonifácio com seu envolvimento na obra de evangelização. Com sua grande capacidade de aprendizado e liderança, poderia ter ficado na Inglaterra estudando, ensinando e talvez até mesmo dirigindo um mosteiro, mas tinha seu coração voltado para missões, sentindo que milhares de seus compatriotas saxões, nos Países Baixos e na Alemanha, precisavam ouvir o Evangelho. Após uma primeira experiência fracassada, foi para Roma, recebendo do papa um comissionamento missionário para ir além do rio Reno e estabelecer a igreja romana entre os povos germânicos, onde não havia ainda nenhuma atuação católica romana. Desde o século IV, as tribos germânicas haviam aceitado uma forma de arianismo misturado com suas próprias superstições. Missionários celtas haviam trabalhado na região sem continuidade e existia em Roma o desejo de que o catolicismo se estabelecesse na região. Winfrid trabalhou na Turíngia,  na Frísia e em Hesse. De volta a Roma, foi consagrado bispo, quando recebeu o nome de Bonifácio. Trabalhou junto a Carlos Martelo, rei dos francos, cujo apoio foi importante para o missionário. Confrontou-se com tradições religiosas germânicas, como no episódio da derrubada da “árvore sagrada”, no qual a história e a lenda se misturam. Bonifácio mobilizou vários missionários da Inglaterra, monges e freiras e, com a ajuda deles, estabeleceu uma vigorosa organização eclesiástica por toda a região onde atuou. Bonifácio morreu em 755, em Dackum, perto do rio Borne, em plena atividade missionária. Acusado por alguns críticos de ter feito um "trabalho missionário" basicamente político, fomentando a fidelidade à igreja romana nas áreas onde ela era fraca, Bonifácio ajudou a lançar os fundamentos do Sacro Império Romano-Germânico e as políticas do papado medieval. Devido ao seu trabalho, a Alemanha se tornou uma fortaleza da igreja romana até a época da Reforma. O historiador Kenneth Scott Latourette assim se expressou sobre Bonifácio: "Ele era humilde, a despeito das tentações que vieram com as altas posições eclesiásticas; sempre se colocou muito acima dos rumores do escândalo; foi um homem de oração e que tinha autoconfiança; assim como era corajoso, abnegado e apaixonado pela justiça. Bonifácio foi um dos maiores exemplos de vida cristã".

Na Morávia, região hoje pertencente à República Tcheca, os irmãos Cirilo e Metódio, gregos da cidade de Tessalônica, ambos clérigos dedicados, levaram a fé cristã aos eslavos e, durante o processo, ajudaram a transformar e preservar a cultura daquele povo. Em 860, eles se uniram para evangelizar a tribo cazar, a nordeste do mar Negro, atendendo a um apelo do imperador de Constantinopla, para ajudar a conter a intromissão dos francos e dos germanos sobre o povo eslavo. Dedicando-se ao aprendizado da língua nativa e começando a traduzir as Escrituras e a liturgia da igreja para o idioma eslavônico, Cirilo inventou um novo alfabeto baseado nas letras gregas, o qual se tornou a base para o alfabeto russo. Ainda hoje, o "cirílico" é usado por alguns povos. Tendo lutado pelo uso da língua da região no culto a Deus, em vez do latim imposto por Roma, Cirilo e Metódio estabeleceram uma tradição cristã na Morávia e nos países vizinhos, fato que alimentou e espalhou a fé por todo o povo.

Na Rússia, embora o cristianismo já fosse conhecido desde a primeira parte do século X, a fé não havia sido aceita de maneira geral pelo povo. Segundo lendas russas, o cristianismo chegou ao território dos atuais estados da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia pelas mãos de André, o apóstolo de Jesus. Colônias gregas no Ponto, na Crimeia e na costa da Ucrânia permaneceram centros importantes do cristianismo na Europa Oriental por quase mil anos. Mosteiros e mesmo pretensas relíquias de Clemente, o quarto bispo de Roma, existiram na região, além dos esforços de Cirilo e Metódio, que influenciaram o cristianismo e a cultura do povos habitantes do lugar. Olga, princesa Kiev, pediu ao rei germânico Oto I que enviasse missionários a seu país, onde ainda prevalecia a religião pagã. Entre os pagãos estava Vladimir, seu neto, um homem com muitas concubinas e esposas, além de mostrar em sua vida aspectos de crueldade e falta de civilidade; ele era um amante da guerra, da caça e dos festejos. Quando chegou ao trono, Vladimir queria manter seu povo alegre e governável, pensando em unificá-lo para isso através da religião. Ele estava convencido de que deveria adotar oficialmente uma das religiões existentes. Examinando as principais religiões conhecidas, nem o islã, nem o judaísmo agradaram ao príncipe, tendo ele de escolher entre o cristianismo romano e a igreja ortodoxa oriental. Homens de Vladimir estiveram em Constantinopla, assistindo a um culto católico ortodoxo, de onde voltaram impressionados com o esplendor e a beleza ali encontrada, e afirmando: “Sabemos apenas que Deus habita entre aqueles homens e que seu culto ultrapassa em muito a adoração de todos os outros lugares”. A beleza da missa realizada em Haja Sophia foi decisiva para que Vladimir optasse pela ortodoxia católica oriental. Em 988, Vladimir casou-se com Ana, a irmã do imperador Basílio, de Constantinopla, após ter sido batizado. Depois do batismo de Vladimir, o povo colocou de lado as velhas religiões, aderindo ao catolicismo ortodoxo, que continua forte naquela parte da Europa até hoje. Metódio e Cirilo foram importantes para esse resultado, pois, graças a eles, a Rússia tinha uma liturgia cristã no idioma eslavônico, sua própria língua. As pessoas puderam então participar dos serviços religiosos e entender a liturgia nas belas igrejas construídas por Vladimir e seus sucessores. A conversão de Vladimir claramente influenciou seu estilo de vida, pois afirma a história que, ao se casar com Ana, ele deixou as outras cinco esposas e demais concubinas, destruiu também os ídolos pagãos, protegeu os oprimidos, criou escolas e igrejas e viveu em paz com as nações vizinhas. Em seu leito de morte, doou todas as suas posses aos pobres. Vladimir foi declarado santo pela igreja católica ortodoxa.
 
 
O historiador presbiteriano Alderi Souza de Matos lembra que nem sempre na história da igreja os grupos imigrantes foram agentes da evangelização, mas às vezes foram objeto da mesma. Com os grandes deslocamentos humanos em que consistiram as invasões bárbaras na Europa dos séculos quarto e quinto, o que aconteceu foi a migração desses povos da Ásia e da Europa Oriental para o rico Império Romano em busca de melhores condições de vida. À medida que os bárbaros foram conquistando, também foram sendo conquistados, tendo chegado como pagãos e se tornado cristãos. Além do Arianismo, também os nestorianos na Ásia, durante muitos séculos, levaram a mensagem de Cristo a muitos lugares inóspitos e longínquos que nunca haviam sido atingidos pelo cristianismo majoritário, apesar de serem grupos marginalizados pela igreja oficial e considerados heréticos, fato ocorrido também em outros locais do Império com outros grupos.

Após a queda de Roma e enquanto os bárbaros estavam sendo evangelizados, surgiu na Ásia um movimento religioso em muitos pontos relacionado ao judaísmo e ao cristianismo. Foi o nascimento de Maomé e o aparecimento do Islamismo, assunto a ser estudado no próximo fascículo.

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