20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

15. A IGREJA E A VIDA MONÁSTICA

“Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo, como eu do mundo não sou.” (João 17.15-16)

 Qual é a vida que agrada a Deus? Jesus reconheceu que não seria fácil ser seu discípulo e viver neste mundo, pois ele mesmo afirmou que, no mundo, teríamos aflições. No entanto, ele não incentivou ninguém a viver isolado da sociedade, mas afirmou que deveríamos ser “sal da terra” e “luz do mundo”. Como estar no mundo e não ser do mundo tem sido um conflito na vida dos seguidores de Cristo. Houve, porém, um momento na história no qual pessoas começaram a se afastar da sociedade, a qual se achava cada vez mais corrompida (mesmo dentro da Igreja), e a viver isoladamente. Achavam que o cristão verdadeiro se afasta do mundo, abstendo-se do casamento, da família e dos prazeres mundanos. Com isso, esse movimento lançou um novo estilo de se viver o Cristianismo, a vida monástica.
Eremita, ou ermitão, é um indivíduo que vive em um lugar deserto, isolado, geralmente por motivo de penitência ou religiosidade. O termo provém de uma palavra latina que significa "solitário". Os eremitas buscavam refúgio em locais remotos e desabitados, como montanhas e florestas, sua aparência era descuidada, vestiam-se muito pobremente, usavam barba comprida e andavam de pés descalços. Alguns ficavam em pé por horas enquanto oravam e chegavam até mesmo a viver no topo de pilares. O objetivo dos eremitas era o de levar uma vida que imitasse a de Cristo e a dos Apóstolos. O eremita praticava essencialmente a humildade, a paciência, o silêncio, a contemplação, mas tudo levado ao extremo, numa existência que se baseava numa penitência austera e num testemunho da sua fé através da ascese, por vezes radical.
Com a conversão do imperador Constantino em 312, a situação da igreja mudou drasticamente. Os cristãos deixaram de ser minoria perseguida e tornaram-se membros de uma religião que desfrutava de apoio oficial. Grandes multidões começaram a entrar na igreja, a fé se transformou em uma coisa fácil e a sinceridade foi prejudicada. Com isso, muitos optaram por afastar-se do mundo, vivendo isolados da sociedade. Vamos começar conhecendo o primeiro eremita.
Antão, forma familiar de Antônio, nasceu no Egito, provavelmente por volta do ano 250, em uma família próspera, cujos pais morreram quando ele tinha cerca de vinte anos, deixando-lhe toda a herança. Baseado no conselho dado por Jesus ao jovem rico na Bíblia, Antão doou terras, vendeu propriedades e repartiu o dinheiro entre os pobres. Começou a comer uma única refeição por dia e passou a dormir no chão. Antão foi viver em uma caverna, local no qual se sentia assediado por demônios de várias formas. A tentação de voltar ao mundo dos prazeres sensuais era constante, mas Antão persistia em sua luta. Mudando-se para um forte abandonado, onde viveu vinte anos sem ver ninguém, ele recebia comida jogada por cima do muro. Começou, então, a ter seguidores, pessoas que buscavam a sua orientação, tornando-se conselheiro espiritual. Antão morreu com cerca de 105 anos, com aparente vigor físico e mental. Embora insistisse para ser enterrado secretamente, logo um culto surgiu ao redor de sua sepultura. Atanásio escreveu uma obra chamada Vida de Antão, na qual ele é retratado como “o monge ideal, que podia realizar milagres e discernir entre espíritos bons e maus”. Tornou-se um santo do catolicismo.
Monge é uma pessoa devotada à vida monástica e clausural. Existentes em várias religiões do mundo, o monge e a vida monástica estão presentes no Cristianismo desde os primeiros séculos. Os monges católicos, que podem ser clérigos ou leigos, seguem as regras de uma determinada ordem religiosa monástica e residem em mosteiros. Os monges seguem uma vida de desapego aos bens materiais e de contemplação e serviço a Deus. A prática das comunidades de monges que viviam juntos começou com Pacômio, um jovem companheiro de Antão. Como Antão, a maioria de seus seguidores também foi eremita. Por volta do ano 320, Pacômio deu origem ao monasticismo comunal. 
A verdadeira força por trás do monasticismo europeu foi Bento de Núrsia. Nascido no século VI em uma família italiana de classe alta, ainda jovem foi estudar em Roma, cidade que ele considerava como imoral e frívola. Aborrecido com isso, Bento partiu e se tornou eremita, tendo adquirido grande reputação por sua espiritualidade: famílias traziam seus filhos para que fossem treinados por ele na vida cristã. Tornou-se abade, mas enfrentou problemas, tendo que fugir. Por volta do ano 529, Bento se mudou para Monte Cassino, onde mandou demolir um templo pagão para construir um mosteiro em seu lugar. Bento é lembrado não somente pelo mosteiro, mas por causa de “a Regra”, conjunto de normas que deixou para governar aquele lugar. O mosteiro para Bento era uma comunidade autocontrolada e autossustentada, com seus campos e oficinas. Era uma "fortaleza espiritual", para assegurar que os monges não precisassem ir a qualquer outro lugar para satisfazer as necessidades da vida. Roupas, comida e mobília eram manufaturadas dentro do confinamento da comunidade. Após um noviciado de um ano, os que persistissem fariam os três votos que o desligariam completamente do mundo: pobreza, castidade e obediência. Bento criou algo que serviu para orientar comunidades monásticas há vários séculos e sua criação ainda está em vigência atualmente.

Outro mosteiro surgiu quando a igreja enfrentava grandes dificuldades. Numa época de lutas políticas, quando líderes da igreja buscavam poder e terras, William, o Pio, duque de Aquitânia, fundou um mosteiro em Cluny, cidade localizada na Borgonha, século X, local que exerceu profunda influência na cristandade. Era uma sociedade independente, livre das lutas de poder do império e sob a proteção do papa. O mosteiro seguiria a Regra estabelecida por Bento de Núrsia no século VI: pobreza, castidade e obediência. Uma liderança capacitada fez com que Cluny funcionasse adequadamente, multiplicando a ideia em outros lugares, como na França, Itália e Alemanha. Em um movimento de reforma, Cluny foi o lugar que exerceu a maior influência no cristianismo ocidental, liderando cerca de dois mil mosteiros por volta do ano 1110. Cluny teve seu apogeu e seu declínio, sendo mais tarde restaurado pela ordem cisterciense.
A Ordem Cisterciense se origina na Abadia de Cister, em Saint-Nicolas-lès-Cîteaux, na Borgonha, em 1098. Seus fundadores era monges que haviam deixado a congregação monástica já decadente de Cluny para retornar à antiga regra beneditina. A ordem teve um papel importante na história religiosa do século XII, impondo-se em todo o Ocidente com sua organização e autoridade. Restaurando a regra beneditina, a ordem cisterciense teve em Bernardo de Claraval (1090-1153), homem de excepcional carisma, o grande nome do movimento. 
Outros movimentos foram surgindo na história, como os franciscanos, jesuítas e outros grupos, buscando na vida monástica a solução para o problema do pecado do homem. Os eremitas achavam que o mal estava fora da pessoa humana, no entanto, o próprio Antão era assaltado por visões e tentações mesmo no seu isolamento, mostrando que o mal está dentro de cada ser humano, porque “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Jesus não incentivou o isolamento, mas a ação no meio da sociedade, sendo sal e luz para os demais. Com o advento da Reforma Protestante, os evangélicos deixaram de lado as práticas de conventos e abadias em suas denominações. No catolicismo, muitos dos movimentos e das ordens estudadas se mantêm até hoje. No entanto, o imperativo continua: como igreja, espalhar a mensagem do evangelho a toda criatura, e como indivíduos, influenciar a sociedade sendo sal e luz.
Desde que surgiu na cultura judaica, o Cristianismo se defrontou com ideias opostas, principalmente a elaborada filosofia grega que dominava o Império Romano no qual a Judeia se inseria. Pais da Igreja foram importantes para definir e defender a fé cristã nos primórdios, mas o surgimento de “outros evangelhos” foi inevitável. A Igreja e a heresia será o próximo assunto a ser por nós abordado.

14. A IGREJA E O IMPÉRIO

“As nações se embraveceram; os reinos se moveram; ele levantou a sua voz e a terra se derreteu.” (Salmo 46.6)

Jesus disse aos seus discípulos, pouco antes do ano 30 AD: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. O verso bíblico citado se insere num contexto em que perguntaram a Jesus se era lícito pagar impostos a Roma. Na resposta, Cristo deixa claro que há uma nítida diferença entre o reino dos homens e o Reino de Deus, cada um com seu governante máximo, que deve receber o que lhe é devido.
Com a prática da vivência cristã por parte da Igreja, lentamente há um deslocamento de autoridade no Reino Celestial (na terra representado pela Igreja) de Deus para o Papa, líder máximo criado pelos homens a partir de uma interpretação errônea do que Cristo havia dito a seus discípulos numa outra ocasião. Assim, após a perseguição, a Igreja começou lentamente a colocar um “vigário de Cristo”, um substituto do Salvador, presente sobre a terra, na pessoa do Bispo de Roma e de toda a hierarquia eclesiástica criada. O verso citado no início, que opunha César a Deus, passou a opor César ao Papa. Foi aí que surgiu o “cesaropapismo”.
A partir do Édito de Milão, em 313, além de reconhecer o cristianismo como religião legal e com liberdade de culto, Constantino assumiu uma postura magisterial no âmbito social, cultural e religioso do império. Dessa forma, ele se opôs a qualquer discordância teológica no cristianismo, religião que assumira como forma de unificar politicamente o Império. Nessa linha político-religiosa, o imperador convocou o I Concílio de Niceia, em 325, para solucionar a questão do arianismo. Em um processo que se acentuou nas décadas seguintes, o cristianismo se tornou a religião oficial do império em 380, no governo de Teodósio. O fim do Império Romano do Ocidente em 476 deteve um processo de controle da Igreja pelo Estado no Ocidente, o qual vinha se fortalecendo com o tempo. 
Cesaropapismo (substantivo composto formado de dois outros, “César” e “Papa”) foi um sistema de relações entre a Igreja e o Estado em que ao chefe de Estado (César) cabia a competência de regular a doutrina, a disciplina e a organização da sociedade cristã, exercendo poderes tradicionalmente reservados à suprema autoridade religiosa (Papa), unificando as funções imperiais e pontifícias em sua pessoa. Daí decorre o traço característico do cesaropapismo, que é a subordinação da Igreja ao Estado. A ideologia do cesaropapismo assenta-se na ideia de a política imperial querer usurpar a autoridade conciliar e o poder papal de decisão sobre a Igreja. Em sua história milenar, o Império Romano do Oriente acentuou e concretizou o cesaropapismo ao extremo. O imperador fez valer seu poder sobre a Igreja emanando normas, sancionando decretos dos concílios ecumênicos, convocando os tribunais eclesiásticos e determinando sua competência, cuidando da exata aplicação das leis canônicas, controlando a correta administração dos bens da Igreja e nomeando os titulares dos ofícios eclesiásticos. No Ocidente, a Igreja tinha a obrigação de informar ao imperador ou a seu representante na Itália o nome do papa eleito.
Carlos Magno, ao se constituir como líder do Império Carolíngio, no século VIII, assumiu uma relação muito estreita com a Igreja Católica. Primeiro lhe deu o território do centro da Itália, o Patrimônio de São Pedro, em 754, que assegurou ao papa o poder temporal direto sobre a região. O papa Leão III, em 25 de dezembro de 800, conferiu o título de Imperador a Carlos Magno. O Imperador reviveu um sistema de relações entre o Estado e a Igreja, no qual ele assumiu o poder legislativo, jurídico e administrativo sobre o território pontifício; Carlos Magno reivindicou, antes mesmo de ser coroado imperador, o poder dogmático; em carta ao papa Leão III em 796, ele afirmou: "Quero não só defender com as armas a Igreja de seus inimigos externos, mas também fortificá-la em seu interior através do maior conhecimento da doutrina católica". Carlos Magno nomeou, com raras exceções, todos os bispos e abades de seu reino, exigindo inclusive a participação pessoal deles nas guerras.  
Em 962, o rei germânico Oto I foi coroado imperador do Sacro Império Romano-Germânico e novamente teve início no Ocidente um período de intervenção do Estado na Igreja, com o intuito de favorecer o poder do imperador. Os imperadores germânicos então nomeavam bispos e abades, que prestavam juramento de fidelidade na condição de vassalos. Desregramento do clero, que provocou um grande movimento de reforma eclesiástica, foi a consequência. Na época, o imperador nomeou e depôs vários papas na busca de apoio político.
O Sacro Império Romano foi uma tentativa de reviver o Império Romano do Ocidente, cuja estrutura política e legal sucumbiu a partir das invasões do século V, substituída por reinos independentes governados por chefes germânicos. O Sacro Império Romano-Germânico (em alemão Heiliges Römisches Reich) constituiu-se na união de territórios da Europa Central durante a Idade Média, durante toda a Idade Moderna e no início da Idade Contemporânea, sob a autoridade do Sacro Imperador Romano-Germânico. Embora Carlos Magno seja considerado o primeiro Imperador do Sacro Império, em 800, a linha contínua de imperadores começou apenas com Otto I em 962. O último imperador do I Sacro Império foi Francisco II, que abdicou e dissolveu o império em 1806, durante as Guerras Napoleônicas. Foi principalmente nesse longo período que os poderes de César e do Papa estiveram em litígio, com o predomínio ora de um, ora do outro. 
O predomínio do poder imperial sobre o eclesiástico sofreu uma inversão principalmente nos tempos de Inocêncio III, dado o poder acumulado em suas mãos na sua época. Segundo ele, o papa era superior ao rei em virtude da autoridade recebida de Deus, e por isso tinha o poder de excomungar os reis e de depô-los. Inocêncio dizia que Deus tinha posto o sol e a lua para iluminar o dia e a noite. O sol representava a autoridade pontifícia, enquanto a lua era a autoridade imperial. “Por isso, a lua recebe a sua luz do sol e é, portanto, inferior ao sol, tanto na grandeza como no calor, tanto na sua posição como nos seus efeitos. Do mesmo modo o poder régio deriva a sua dignidade da autoridade pontifícia e quanto menos se submete a ela, tanto menor luz recebe dela. Mas quanto mais lhe se submete, tanto mais aumenta o seu fulgor.” No final do século XII, era o Papa quem nomeava os reis. 
O I Império dissolveu-se em 1806, durante as Guerras Napoleônicas, tendo sido revitalizado como II Império entre 1871 e 1918, com a participação do chanceler Otto von Bismarck, que projetou sob regime monárquico um moderno estado nacional, de governo central com soberania sobre todo o seu território. O espirito bélico de dominação acabou por envolver a Alemanha na Primeira Guerra Mundial, da qual o país saiu derrotado, em meio a uma grave crise econômica, social e institucional, com perda significativa de territórios e de todo o seu império colonial. O III Império (ou III Reich em alemão), talvez o de mais triste memória, levou ao nazismo de Adolf Hitler, eleito Chanceler da Alemanha em 30 de janeiro de 1933. O resultado de tudo isso foi a II Guerra Mundial, de 1939 a 1945, evento que deixou milhões de mortos, muita destruição, massacre de judeus e muita tristeza no mundo todo. Resumindo a história de maneira sarcástica, para o filosofo francês Voltaire, em 1756, o Sacro Império Romano parecia uma "aglomeração", que não era "nem sagrada, nem romana, nem um império". 
Duas Guerras Mundiais no século XX foram consequência de algo iniciado na Idade Média, quando os líderes cristãos resolveram juntar o político ao religioso, o temporal ao eterno, o material ao espiritual, contrariando o que Cristo deixou como orientação quanto ao assunto: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. O mesmo Senhor havia alertado seus discípulos, dizendo “meu Reino não é deste mundo”, mostrando que não era um líder político que tivesse vindo restabelecer o reino a Israel. Ensinava ele que todos aqueles que viessem a lidar no Reino de Deus neste mundo, na Igreja por ele edificada, deveriam saber separar as coisas devidamente. Infelizmente, ao longo da história do Cristianismo, os cristãos não têm sabido discernir entre os absolutos de Deus e os relativos do homem. Por estas e por outras coisas, muitos cristãos fugiram para a vida monástica, assunto a ser abordado no próximo fascículo.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

13. JUDAÍSMO, CRISTIANISMO, ISLAMISMO

“... será que Deus é somente Deus dos judeus? Será que não é também Deus dos não judeus? Claro que é!”  (Romanos 3.29)


Jerusalém tem sido, historicamente, palco de muitos interesses e de muitas batalhas. Nos nossos dias, judeus, cristãos e muçulmanos lutam pela posse daquele território, bem como de toda a região do Oriente Médio onde a cidade se insere, numa guerra que parece não ter fim. Como foi que tudo isto começou? Qual é a origem dessas três religiões?
O Judaísmo tem uma Escritura Sagrada chamada Antigo Testamento, onde lemos que o Senhor Jeová chamou um homem no passado, tirou-o da terra de Ur dos Caldeus, e fez com ele uma aliança: “... far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção” (Genesis 12.2). Esse fato deve ter acontecido por volta do ano 1921 a.C. Passou-se uma década e Abraão e Sara, sua esposa, continuavam sem filhos. Sara, evocando um costume da terra, convenceu Abraão a ter um filho com sua escrava egípcia Agar, e assim nasceu Ismael, por volta do ano 1910 a.C. O plano de Deus, porém, era outro e cerca de doze anos após, a estéril Sara ficou grávida e Isaque, filho legítimo do casal, nasceu por volta do ano 1896 a.C. Através de Isaque vieram Esaú e Jacó, sendo que o último teve o nome mudado para Israel, dando origem aos “israelitas”, ou seja, seus descendentes através de seus doze filhos. O judaísmo surgiu da aliança de Deus com Abraão. 
O povo escolhido por Deus, abençoado e cuidado por ele, foi rebelde e idólatra ao longo da história. Deus então, “na plenitude dos tempos”, quando tudo estava preparado no mundo, enviou seu filho Jesus Cristo, o Messias, para através dele estabelecer com o homem uma nova aliança. Era o surgimento da Igreja, por volta dos anos 30 d.C., que recebeu a incumbência de propagar a mensagem das boas novas de salvação em Cristo a toda a humanidade. Surgiu então o Cristianismo.
Voltando à Era Patriarcal, quando Isaque foi desmamado, Abraão despediu Agar e seu filho Ismael de sua família e comitiva, segundo imposição de Sara e conforme orientação de Deus, tendo sido mãe e filho abandonados pelo homem, mas preservados com vida e abençoados por Deus. Informa o livro de Gênesis que Ismael “habitou no deserto de Parã e sua mãe o casou com uma mulher da terra do Egito”. Com a separação entre Isaque e Ismael, bem como de seus descendentes, começou a saga entre os árabes e os judeus, a qual existe até hoje. O que aconteceu com Ismael e seus doze filhos não é muito conhecido. O fato é que, em tempos mais modernos, os árabes têm a sua história vinculada à Península Arábica, onde inicialmente se fixaram, em uma região formada por desertos, situação que levava seus habitantes a uma vida nômade, em busca dos oásis presentes ao longo do território. Conhecidos como beduínos, essa parte do povo árabe era caracterizada pela sua religião politeísta e pela criação de animais. Nas regiões litorâneas da Península Arábica, existem hoje centros urbanos e a prática de uma economia agrícola mais complexa. Entre as cidades da região, destacava-se Meca, grande centro comercial e religioso dos árabes e um centro de animismo e idolatria desde um passado distante.
Regularmente, desde épocas remotas, os árabes se deslocavam para a cidade de Meca, a fim de prestar homenagens e sacrifícios às várias divindades invocadas naquele local. O vale da Mina, o monte Ararat, o poço sagrado de Zen-Zen e a Caaba (principal templo sagrado onde era abrigada a Pedra Negra) eram os lugares sagrados mais procurados. A Caaba continua sendo objeto de veneração islâmica, uma relíquia muçulmana, sendo o centro espiritual do mundo islâmico e de todos os atos piedosos, sobretudo as orações, que se dirigem para ela. Uma vez ao ano, milhões de árabes vão em peregrinação a Meca. 
O Islamismo surge com um homem na Arábia chamado Maomé. Nascido em Meca, em 570, Muahammad ben Abdullah ben Abdul Mutlib ben Maximera era da tribo dos Coraixitas. Com 6 anos de idade, Maomé ficou órfão, tendo sido criado pelo tio, tendo se dedicado inicialmente a atividades de pastoreio e comércio. Até cerca de 35 anos de idade, Maomé foi um árabe comum. Visitando a Síria e a Palestina, teve alguns contatos com judeus e cristãos, dos quais teria recebido suas concepções monoteístas. Teve contato também com o paganismo politeísta da região, levando-o a criar um ecletismo religioso. Maomé tinha habilidade comercial, política, militar e legislativa, além da religiosa. Ele casou-se com uma rica viúva chamada Cadija, casamento que lhe proporcionaria uma estabilidade financeira que permitiu a ele um bom desenvolvimento intelectual para assim estruturar o seu sistema religioso. Com Cadija, Maomé teve uma filha, Fátima, tendo sido casado também com outras mulheres. Maomé demonstrava inicialmente descontentamento com as condições sociais e morais existentes entre seu povo. 
Entre os 40 e os 52 anos de idade, ele sentiu-se chamado pelo anjo Gabriel (o mesmo anjo que anunciou o nascimento de Jesus para Maria) a pregar a religião de um Deus absoluto, criador, poderoso e juiz do mundo. Sua mensagem de monoteísmo e juízo futuro e sua denúncia da idolatria e do infanticídio tiveram pouca repercussão em Meca, tendo entrado em contradição com as crenças tradicionais de sua tribo. Aos 50 anos, em 620, segundo o Alcorão, Alá confirmou o seu chamado, levando-o à noite para Jerusalém, para o Domo da Rocha, onde Maomé teria conversado com Jesus, Moisés e Abraão. Aos 52 anos, com apenas um companheiro, ele fugiu de Meca para salvar sua vida, indo para Yatrib (atualmente Medina, "a cidade do profeta"), 370 quilômetros ao norte de Meca. Até os 60 anos de idade, Maomé estabeleceu ali o governo de Alá, implantando todo um sistema religioso, político e social com base nos princípios da nova fé. Lutas surgiram, fortalecendo-o como líder, quando adotou novas práticas na sua política e modo de viver: ele instituiu postura na oração, jejum no Ramadã, atitude quanto aos judeus e poligamia. Tendo tomado a cidade de Meca, estendeu a sua soberania política sobre toda a Arábia. Morreu em Medina em 632, após uma rápida febre, nos braços de Aisha, a esposa favorita do seu harém. Maomé não nomeou seu sucessor, porém deixou uma excelente organização político-religiosa, baseada na doutrina islâmica de seu livro, o Alcorão, que foi publicado em 650. Segundo a tradição muçulmana, após falecer em Medina, o Profeta foi transportado para Jerusalém, de onde ascendeu ao Céu. No lugar da ascensão, os muçulmanos construíram uma mesquita no Domo da Rocha, mantida até hoje. Desde aquela época, os árabes foram-se convertendo ao islamismo, que se expandiu bastante entre os séculos VII e VIII, difundindo a crença por várias regiões do norte da África, da Península Ibérica e algumas partes do mundo oriental.
Tal como o Judaísmo e o Cristianismo, o Islamismo é uma religião monoteísta, adorando a um só Deus. Existem semelhanças e diferenças entre o Alcorão e a Bíblia judaica e cristã, pois Maomé certamente se baseou nas Escrituras Sagradas para criar o seu livro. Segundo o Alcorão relata em 114 capítulos, Adão e Eva foram o primeiro casal muçulmano criado por Deus, mencionando o livro personagens bíblicas como Abraão, Isaque, Jacó e seus filhos, muitos deles apresentados como profetas. Jesus é mencionado como profeta muçulmano não compreendido na sua época. Segundo o Islã, Jesus foi enviado por Deus, porém era inferior a Maomé como profeta. Ele nasceu da virgem Maria e realizou muitos milagres, mas foi protegido da morte por crucificação e não ressuscitou dentre os mortos. Era um muçulmano fiel e seguidor de Alá. 
Com a morte de Maomé, surgiram duas divisões no Islamismo, por divergências na liderança do movimento, as quais são mantidas até hoje: os sunitas e os xiitas. Apesar dessas divisões e de outras surgidas posteriormente, o Islamismo tem crescido muito, abrangendo hoje grande parte da população mundial.
Segundo Alister McGrath, em sua obra Heresia, o Alcorão parece representar os cristãos como adoradores de uma trindade de três pessoas distintas: Deus, Jesus e Maria. O Alcorão ainda identifica os cristãos como entendendo e adorando Jesus como uma figura fisicamente divina, o que equivale, segundo eles, a paganismo, idolatria ou politeísmo. Maomé teve contato com heterodoxias tanto do judaísmo como do cristianismo, as quais ele não conseguiu aceitar. Incorporados lentamente ao remanescente do Império Romano no Ocidente, os bárbaros iniciaram sua participação no Império e na Igreja. Como se deu essa assimilação? Assunto para o próximo segmento.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

12. EVANGELIZANDO OS BÁRBAROS NO CONTINENTE EUROPEU

“...pregue a mensagem e insista em anunciá-la, seja no tempo certo ou não. Procure convencer, repreenda, anime e ensine com toda a paciência.” (2 Timóteo 4.2)

 A conversão ao cristianismo era inicialmente uma decisão pessoal, feita de forma puramente espiritual. No entanto, após as perseguições religiosas, com o advento de Constantino, começa a haver um afrouxamento no aspecto de entrada para a Igreja de pessoas que não eram realmente convertidas, mas buscavam o cristianismo por conveniência. Com a evangelização dos povos germânicos, muitas vezes a conversão acabou sendo um fenômeno de massas. Normalmente era o chefe de uma tribo ou o príncipe de um povo que se convertia ao cristianismo de início, e os súditos habitualmente imitavam o exemplo do líder. Como os povos germânicos entendiam que Estado e Religião eram interligados, a conversão entre eles não era só um ato religioso, mas também político. Além disso, no início, os povos germânicos foram alcançados pelo Arianismo, movimento já condenado pela Igreja romana como herético.

O primeiro povo germânico a abraçar o cristianismo em massa foram os visigodos, que habitavam nas margens do Danúbio e ao longo da margem ocidental do Mar Negro. Essa conversão tomou maior impulso quando o godo Úlfilas começou a trabalhar como missionário no meio dos seus conterrâneos, tendo feito isso durante mais de quarenta anos. Úlfilas (311-383) foi consagrado “bispo na terra dos godos” por Eusébio de Nicomédia, um bispo ariano, em meados do século IV. Foi Úlfilas o tradutor da Bíblia na língua dos godos. Ocorrendo uma perseguição, ele fugiu, com grande multidão, para além do Danúbio e buscou proteção em Constantinopla. A adesão à ortodoxia cristã romana do grupo somente aconteceu no final do século VI.

Outro fato marcante na evangelização dos bárbaros foi a conversão e batismo de Clóvis (466-511). “Se me concederes a vitória, crerei em ti e me farei batizar”, havia sido a promessa de Clóvis a Jesus Cristo nos campos de batalha de Toul. De uma forma semelhante ao que havia sucedido antes a Constantino, havia em Clóvis uma certa barganha política com Deus para que ele se tornasse cristão. Como foi vencedor no campo de batalha, Clóvis procurou aprender a doutrina cristã; a tradição relata ainda a realização de um milagre, a cura de um cego durante o percurso do séquito real de Clóvis até a cidade de Reims. Conforme outros povos bárbaros, o rei era admirado e seguido pelos súditos, que aceitaram abandonar seus deuses pagãos e reconhecer por Senhor ao Deus eterno aceito por Clóvis. O rei foi batizado durante a Festa de Natal do ano 496, na catedral de Reims. Gregório de Tours, o primeiro biógrafo de Clóvis, informou sobre o evento: “Chegando ao limiar do batistério, onde os bispos reunidos para a circunstância tinham se postado para se juntar ao cortejo, foi o rei que, tomando por primeiro a palavra, pediu a São Remígio que lhe conferisse o batismo.” Após o batismo real, seguiram-se os batismos dos demais membros da comitiva. Acrescenta a tradição da Igreja que, após essa cerimônia, dar-se-ia a sagração do rei, ocasião na qual teve lugar um outro prodígio: surgiu uma pomba trazendo no bico uma ampola com óleo, com o qual Clóvis foi sagrado. Esse fato marcou o início do Catolicismo Romano entre os francos, os atuais franceses.

Winfrid era um inglês nascido no ano de 680 em Wessex, filho de pais cristãos, que adotou o nome latino Bonifácio com seu envolvimento na obra de evangelização. Com sua grande capacidade de aprendizado e liderança, poderia ter ficado na Inglaterra estudando, ensinando e talvez até mesmo dirigindo um mosteiro, mas tinha seu coração voltado para missões, sentindo que milhares de seus compatriotas saxões, nos Países Baixos e na Alemanha, precisavam ouvir o Evangelho. Após uma primeira experiência fracassada, foi para Roma, recebendo do papa um comissionamento missionário para ir além do rio Reno e estabelecer a igreja romana entre os povos germânicos, onde não havia ainda nenhuma atuação católica romana. Desde o século IV, as tribos germânicas haviam aceitado uma forma de arianismo misturado com suas próprias superstições. Missionários celtas haviam trabalhado na região sem continuidade e existia em Roma o desejo de que o catolicismo se estabelecesse na região. Winfrid trabalhou na Turíngia,  na Frísia e em Hesse. De volta a Roma, foi consagrado bispo, quando recebeu o nome de Bonifácio. Trabalhou junto a Carlos Martelo, rei dos francos, cujo apoio foi importante para o missionário. Confrontou-se com tradições religiosas germânicas, como no episódio da derrubada da “árvore sagrada”, no qual a história e a lenda se misturam. Bonifácio mobilizou vários missionários da Inglaterra, monges e freiras e, com a ajuda deles, estabeleceu uma vigorosa organização eclesiástica por toda a região onde atuou. Bonifácio morreu em 755, em Dackum, perto do rio Borne, em plena atividade missionária. Acusado por alguns críticos de ter feito um "trabalho missionário" basicamente político, fomentando a fidelidade à igreja romana nas áreas onde ela era fraca, Bonifácio ajudou a lançar os fundamentos do Sacro Império Romano-Germânico e as políticas do papado medieval. Devido ao seu trabalho, a Alemanha se tornou uma fortaleza da igreja romana até a época da Reforma. O historiador Kenneth Scott Latourette assim se expressou sobre Bonifácio: "Ele era humilde, a despeito das tentações que vieram com as altas posições eclesiásticas; sempre se colocou muito acima dos rumores do escândalo; foi um homem de oração e que tinha autoconfiança; assim como era corajoso, abnegado e apaixonado pela justiça. Bonifácio foi um dos maiores exemplos de vida cristã".

Na Morávia, região hoje pertencente à República Tcheca, os irmãos Cirilo e Metódio, gregos da cidade de Tessalônica, ambos clérigos dedicados, levaram a fé cristã aos eslavos e, durante o processo, ajudaram a transformar e preservar a cultura daquele povo. Em 860, eles se uniram para evangelizar a tribo cazar, a nordeste do mar Negro, atendendo a um apelo do imperador de Constantinopla, para ajudar a conter a intromissão dos francos e dos germanos sobre o povo eslavo. Dedicando-se ao aprendizado da língua nativa e começando a traduzir as Escrituras e a liturgia da igreja para o idioma eslavônico, Cirilo inventou um novo alfabeto baseado nas letras gregas, o qual se tornou a base para o alfabeto russo. Ainda hoje, o "cirílico" é usado por alguns povos. Tendo lutado pelo uso da língua da região no culto a Deus, em vez do latim imposto por Roma, Cirilo e Metódio estabeleceram uma tradição cristã na Morávia e nos países vizinhos, fato que alimentou e espalhou a fé por todo o povo.

Na Rússia, embora o cristianismo já fosse conhecido desde a primeira parte do século X, a fé não havia sido aceita de maneira geral pelo povo. Segundo lendas russas, o cristianismo chegou ao território dos atuais estados da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia pelas mãos de André, o apóstolo de Jesus. Colônias gregas no Ponto, na Crimeia e na costa da Ucrânia permaneceram centros importantes do cristianismo na Europa Oriental por quase mil anos. Mosteiros e mesmo pretensas relíquias de Clemente, o quarto bispo de Roma, existiram na região, além dos esforços de Cirilo e Metódio, que influenciaram o cristianismo e a cultura do povos habitantes do lugar. Olga, princesa Kiev, pediu ao rei germânico Oto I que enviasse missionários a seu país, onde ainda prevalecia a religião pagã. Entre os pagãos estava Vladimir, seu neto, um homem com muitas concubinas e esposas, além de mostrar em sua vida aspectos de crueldade e falta de civilidade; ele era um amante da guerra, da caça e dos festejos. Quando chegou ao trono, Vladimir queria manter seu povo alegre e governável, pensando em unificá-lo para isso através da religião. Ele estava convencido de que deveria adotar oficialmente uma das religiões existentes. Examinando as principais religiões conhecidas, nem o islã, nem o judaísmo agradaram ao príncipe, tendo ele de escolher entre o cristianismo romano e a igreja ortodoxa oriental. Homens de Vladimir estiveram em Constantinopla, assistindo a um culto católico ortodoxo, de onde voltaram impressionados com o esplendor e a beleza ali encontrada, e afirmando: “Sabemos apenas que Deus habita entre aqueles homens e que seu culto ultrapassa em muito a adoração de todos os outros lugares”. A beleza da missa realizada em Haja Sophia foi decisiva para que Vladimir optasse pela ortodoxia católica oriental. Em 988, Vladimir casou-se com Ana, a irmã do imperador Basílio, de Constantinopla, após ter sido batizado. Depois do batismo de Vladimir, o povo colocou de lado as velhas religiões, aderindo ao catolicismo ortodoxo, que continua forte naquela parte da Europa até hoje. Metódio e Cirilo foram importantes para esse resultado, pois, graças a eles, a Rússia tinha uma liturgia cristã no idioma eslavônico, sua própria língua. As pessoas puderam então participar dos serviços religiosos e entender a liturgia nas belas igrejas construídas por Vladimir e seus sucessores. A conversão de Vladimir claramente influenciou seu estilo de vida, pois afirma a história que, ao se casar com Ana, ele deixou as outras cinco esposas e demais concubinas, destruiu também os ídolos pagãos, protegeu os oprimidos, criou escolas e igrejas e viveu em paz com as nações vizinhas. Em seu leito de morte, doou todas as suas posses aos pobres. Vladimir foi declarado santo pela igreja católica ortodoxa.
 
 
O historiador presbiteriano Alderi Souza de Matos lembra que nem sempre na história da igreja os grupos imigrantes foram agentes da evangelização, mas às vezes foram objeto da mesma. Com os grandes deslocamentos humanos em que consistiram as invasões bárbaras na Europa dos séculos quarto e quinto, o que aconteceu foi a migração desses povos da Ásia e da Europa Oriental para o rico Império Romano em busca de melhores condições de vida. À medida que os bárbaros foram conquistando, também foram sendo conquistados, tendo chegado como pagãos e se tornado cristãos. Além do Arianismo, também os nestorianos na Ásia, durante muitos séculos, levaram a mensagem de Cristo a muitos lugares inóspitos e longínquos que nunca haviam sido atingidos pelo cristianismo majoritário, apesar de serem grupos marginalizados pela igreja oficial e considerados heréticos, fato ocorrido também em outros locais do Império com outros grupos.

Após a queda de Roma e enquanto os bárbaros estavam sendo evangelizados, surgiu na Ásia um movimento religioso em muitos pontos relacionado ao judaísmo e ao cristianismo. Foi o nascimento de Maomé e o aparecimento do Islamismo, assunto a ser estudado no próximo fascículo.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

11. EVANGELIZANDO OS BÁRBAROS NAS ILHAS BRITÂNICAS

“... já vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; onde não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos.” (Colossenses 3.9b-11)

Com relação à pregação do evangelho, Paulo julgava-se devedor a todas as pessoas, sem distinção de espécie alguma, buscando o apóstolo pregar aos gregos, aos judeus, aos da circuncisão e também aos da incircuncisão, aos bárbaros e aos habitantes da Cítia, a servos ou a livres. Foi o que a Igreja começou a fazer, a partir das invasões definitivas e do estabelecimento dos bárbaros germânicos no Império que chegara ao fim na sua parte Ocidental. Para efeito de entendimento, vamos abordar a evangelização dos bárbaros em duas frentes: nas Ilhas Britânicas e na Europa Continental.

Não se sabe exatamente quando o cristianismo foi levado às Ilhas Britânicas, mas ele já existia antes do século III, possivelmente a partir de missionários fugidos das perseguições. Os primeiros registros da presença cristã naquela região foram feitos pelo historiador e escritor Tertuliano, no ano de 208 d.C. Mais tarde, no Concílio de Arles, realizado em 314 d.C., compareceram três bispos de uma Igreja que existia na Inglaterra sem relacionamento com a Igreja Romana. Informa-nos Alderi Souza de Matos que, “nos primeiros séculos da era cristã, o cristianismo se implantou entre vários povos daquela região, notadamente os celtas e os bretões”. Após a invasão de dois povos pagãos do norte da Europa, os anglos e os saxões, “...esses povos eliminaram boa parte do cristianismo celta e foram eventualmente cristianizados pelos esforços de missionários enviados pelo papa Gregório Magno.”

Um dos primeiros missionários nativos que se conhece é Patrício, filho de pais cristãos, que nasceu na Bretanha romana por volta do ano 390. Após uma vida cheia de acontecimentos inusitados, de volta à Irlanda, sua terra natal, no ano 432, foi o missionário responsável pela conversão de muitos irlandeses ao cristianismo, tendo estabelecido durante sua vida cerca de 300 igrejas e batizado cerca de 120 mil pessoas. Patrício enfrentou problemas com chefes de tribos hostis e com os druidas, tendo falecido por volta do ano 460, depois de 30 anos de ministério. Muito tempo depois, missionários da igreja Ocidental encontraram na Irlanda uma igreja forte, fruto do seu trabalho, que evangelizou a nação sem seguir as normas da igreja oficial de Roma. A igreja irlandesa foi organizada ao redor de mosteiros, refletindo o sistema tribal da nação. Sem muita burocracia eclesiástica, os monges irlandeses pregavam, estudavam e ministravam aos pobres. A Irlanda só se tornou “católica romana” por volta do ano 1100, mas Patrício foi canonizado como reconhecimento pelo seu trabalho.

Outro missionário citado é conhecido por Columba, palavra latina que significa “pomba”, um outro irlandês nascido em uma família cristã, em 521. Homem erudito e piedoso, Columba ajudou a estabelecer diversos mosteiros na Irlanda, apesar de possuir um temperamento impaciente que às vezes atrapalhava suas ações. Por isso, saiu da Irlanda, resolvido a nunca mais voltar à sua terra natal, tendo viajado para a Escócia, onde iniciou um trabalho missionário junto à tribo dos pictos. Mesmo tendo a oposição dos druidas, os cristãos tiveram sucesso em evangelizar a Escócia e o norte da Inglaterra. A partir de mosteiro na cidade de lona, os evangelistas se espalharam também para o continente europeu e novos mosteiros foram criados na Europa. A missão de Columba resultou no surgimento de uma expressiva comunidade de cristãos de estilo celta, que evangelizaram de maneira agressiva os anglos e os saxões. Como o primeiro grande evangelista da Escócia, Columba pode ser contado entre as testemunhas que produziram os vários pregadores, missionários e escritores saídos daquela pequena porção de terra e do Mosteiro de Iona em direção a tantos outros povos.

No final do século VI, Agostinho e um grupo de outros monges romanos foram enviados pelo papa Gregório Magno para a Inglaterra, a fim de evangelizar e promover a assimilação da igreja celta ali estabelecida ao catolicismo de Roma. A tradição celta dava grande poder aos abades, tornando-os bastante independentes, discrepando da orientação do papado romano. Oswy, rei da Nortúmbria, e sua esposa eram cristãos de origens diferentes, sendo o rei de orientação celta e a esposa romana, mas, caminhando no processo de assimilação, Oswy anunciou que seguiria a Pedro, uma vez que ele era o guardador das chaves do céu, fazendo prevalecer o ponto de vista romano. Com a junção, o espírito celta, que ainda estava bastante vivo, aproveitou-se da organização romana para se firmar. Após muitas dificuldades, no século seguinte, os estilos romano e celta se complementaram mutuamente, causando uma era de ouro na arte e na erudição cristã na Bretanha. Embora muita coisa tenha sido destruída pelas invasões bárbaras dos anglos e saxões acontecidas posteriormente, diversas cruzes de pedra permanecem em pé, esculpidas tanto no estilo celta quanto no romano, simbolizando a interdependência dessas duas tradições cristãs católicas.

O historiador é sempre importante para a sobrevivência da história, pois é a pessoa que lida com o fato histórico, precisando pesquisá-lo, entendê-lo e interpretá-lo para que ele seja divulgado e chegue ao conhecimento das pessoas no futuro. Nas Ilhas Britânicas, a grande contribuição inicial nesta área foi de Beda, com sua obra A História eclesiástica da Inglaterra, que abrangia os fatos históricos desde os dias de Júlio César, no Império Romano, até seus dias, nas Ilhas Britânicas, relatando inclusive os episódios aqui citados. Beda teve uma vida bastante restrita, tendo nascido no ano de 635 nas vizinhanças de mosteiros no norte da Inglaterra. Desde os sete anos de idade, Beda viveu dentro de um mosteiro. Na clausura, Beda teve oportunidade de pesquisar os fatos, deixando uma obra cujo foco principal era a cristianização da Inglaterra e a maneira pela qual o paganismo gradualmente cedera lugar à nova religião.  Antes de A História Eclesiástica da Inglaterra, as várias tribos inglesas tinham suas histórias, principalmente na forma de poesia pagã, recitadas por bardos. Mas Beda apresenta a história pelas lentes do cristianismo, mostrando como um povo, formado por diversas tribos, se transformou em uma nação com uma única religião.

Iniciado de forma até hoje desconhecida, o Cristianismo na Inglaterra criaria uma igreja forte, com pessoas atuantes e marcantes ao longo da história, como Wyclif, os lolardos, Tyndale, chegando a Henrique VIII e à Igreja Anglicana, assuntos que ainda serão vistos nesta série de fascículos.

A segunda frente de evangelização dos bárbaros atravessa o Mar do Norte e vai para o continente europeu. É o que será abordado no próximo segmento.


 
 
 



 
 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

10. A IGREJA E OS BÁRBAROS

“Eu sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes.”  (Romanos 1.14)

Bárbaro significa pessoa tida como não-civilizada. A palavra é frequentemente utilizada para se referir a um membro de uma determinada nação ou grupo étnico, geralmente uma sociedade tribal, vista por integrantes de uma civilização urbana e organizada como inferiores. Os gregos costumavam dizer: "Quem não é grego é um bárbaro", expressão talvez lembrada por Paulo e utilizada pelos romanos para se referir a todos os povos que não faziam parte do Império. Particularmente foram chamados de bárbaros os povos de origem germânica que, nas migrações dos povos primitivos, invadiram o Império Romano do Ocidente, causando sua queda no século V.

 Os bárbaros, tidos como não-civilizados,  brutos, cruéis, belicosos e insensíveis, começaram a invadir o Império Romano, que se considerava como o que existia na época de mais civilizado e evoluído. Quem eram os bárbaros? O termo era bastante abrangente, referindo-se a diferentes tribos, na parte oriental e na ocidental. De modo geral, os bárbaros se organizavam em clãs, desconheciam uma instituição estatal como a romana, suas leis eram baseadas na tradição, sendo transmitidas oralmente; além disso, dedicavam-se ao pastoreio e à agricultura. Eram povos guerreiros, o que garantiu a eles a fama de violentos e cruéis, apesar de os romanos utilizarem os mesmos expedientes contra os povos que dominavam.

Nas invasões bárbaras do Império Romano, houve dois momentos distintos. Inicialmente os bárbaros penetraram pacificamente nos territórios romanos, recebendo os invasores pequenas áreas de terra nas regiões de fronteira. Com o passar do tempo, os costumes bárbaros foram se mesclando com os costumes romanos. Um segundo momento foi mais lento e definitivo, sem benefícios dos ganhos de terra e envolvendo um contingente de pessoas bem maior, com a invasão de diferentes levas de bárbaros. Foram muitos os povos bárbaros que invadiram a porção ocidental do Império, podendo ser citados Alanos, Anglos, Alamanos ou Suábios, Burgúndios, Cartagineses, Celtas, Francos, Frísios, Germanos, Godos (Ostrogodos, Visigodos), Hérulos, Hunos, Lombardos, Lusitanos, Rúgios, Saxões, Suevos, Tribos Teutônicas, Vândalos, Vikings, além de outros. Vamos considerar três ocasiões especiais de invasão bárbara. O primeiro aconteceu em 410, com o sitio, tomada e pilhagem de Roma por Alarico e seus visigodos. Muitos ficaram estupefatos com a queda da Cidade Eterna. Na distante Palestina, Jerônimo escreveu sobre o evento: "Minha voz está presa na garganta e as lágrimas me interrompem ao ditar estas palavras. A cidade que dominou o universo foi conquistada". Agostinho, teólogo e filósofo cristão, viveu esse período conturbado. Nascido em 354 na cidade de Tagaste, hoje Numídia, região da África, Agostinho, como estudante, viveu libertinamente, mantendo relações com várias mulheres, das quais resultou um filho, Adeodato. Uma obra de Cícero despertou nele o desejo por uma vida menos sensual e mais comprometida com a busca da verdade. Seguiu então o Maniqueísmo, que rejeitava o judaísmo e o Antigo Testamento, porém aceitava Cristo entre seus precursores. Não encontrou, porém, no movimento a verdade definitiva. Ouvindo sermões de Ambrósio e tendo acesso à literatura paulina, especialmente a carta aos Romanos, Agostinho tomaria outros caminhos bem distantes dos quais vivia antes e se tornaria “uma nova criatura”. Agostinho fundou em sua terra natal uma comunidade monástica e foi ordenado sacerdote em Hipona, assumindo posteriormente o cargo de bispo da cidade. Tendo ido posteriormente para Roma, Agostinho conviveu com a cidade “devastada” pelos bárbaros. O visigodo Alarico saqueou Roma, iniciando a desestruturação do Império Romano do Ocidente. Como podia Agostinho entender que a capital do antigo império, soberana do mundo e “cidade eterna”, tivesse sofrido uma destruição tão violenta? O mundo todo parecia tremer em suas bases e os pagãos acusavam o novo Deus cristão do Império como impotente e fracassado.  Agostinho escreveu: “A queda de Roma abalou o Império. Todos os cristãos e não cristãos acusavam o cristianismo: o deus do amor e da caridade não serve para institucionalizar, isto é, organizar e defender uma civilização e uma cultura”.

Em A Cidade de Deus, Agostinho divide a sociedade em dois “partidos” opostos: A Cidade de Deus e a Cidade Terrena. Segundo suas palavras, “... ambas as Cidades enlaçam-se e confundem-se no século até que o juízo final as separe.” O texto pode ser considerado uma obra teológica e filosófica, na qual Agostinho tenta convencer os cristãos e os pagãos que a destruição do Império Romano fazia parte da vontade divina. Durante todo o contexto do livro, é possível prever o desfecho das duas cidades que divergem e se entrelaçam em si mesmas: a Babilônia terrena era o lugar do cativeiro, do presídio e do afastamento de Deus; a Jerusalém celestial era o lugar da vida em abundância, da libertação. Escrita entre 413 a 426, a obra é a interpretação do mundo romano da época à luz da fé cristã.

O segundo momento de invasão envolve, Leão foi sagrado bispo de Roma em 440. Na qualidade de supremo pastor da cidade, Leão foi bastante enérgico para a manutenção da disciplina na sua época, e muitos de seus sermões e decretos tinham esse objetivo. Um perigo iminente surgiu no horizonte: Átila, rei dos hunos, que a si mesmo chamava de “Flagelo de Deus”, destruía tudo nas Gálias e voltava-se para o norte da Itália. O imperador, o senado e o povo só viram uma saída para conjurar a situação: que Leão fosse parlamentar com o invasor. Para Leão, sua missão era clara: salvar o mundo cristão, e também sua pátria e seu povo. Mas a tarefa não era nada fácil, e o sucesso imprevisível. Após o encontro com o líder eclesiástico, Átila prometeu viver em paz com o império, mediante o recebimento de um tributo anual, fez cessar imediatamente as hostilidades e, pouco depois, fiel à sua palavra, retornou aos Alpes. A tradição da igreja católica mantém um relato segundo o qual o que fez o bárbaro recuar foi não somente a presença Leão, mas uma outra figura toda de branco com uma espada na mão ao seu lado, que teria sido vista por Átila; a tradição católica atribui a figura em questão a Pedro, havendo também aqueles que afirmam que Paulo também estava presente.

O Sumo Pontífice ordenou preces públicas para agradecer a Deus tamanho benefício, mas o povo, volúvel, logo se esqueceu do magnífico favor e se entregou às diversões, como jogos no circo, teatros e deboches. Apesar da pregação contra a decadência popular, sua advertência não foi atendida. Por isso, três anos depois, Leão já não foi tão bem sucedido com o vândalo Genserico. O que o Pontífice pôde obter dele foi que não queimasse a cidade e respeitasse a vida de seus cidadãos. E que estaria a salvo tudo o que se pudesse recolher nas três grandes basílicas de Roma. Mas Roma foi saqueada durante 15 dias, após os quais muitos ficaram na miséria. O Pontífice procurou socorrer os necessitados e reconstruir a cidade, declarando outra vez que esses males se deviam à impiedade do povo. Leão faleceu em 461. Bruce Shelley, em sua História da Igreja Cristã, considera Leão I como o primeiro papa católico romano, atuante numa época em que o poder eclesiástico começava a se confundir com o poder imperial.

O terceiro e definitivo momento de invasão aconteceu em 476, com os bárbaros hérulos de Odoacro, tendo havido a deposição do último imperador romano, Rômulo Augusto, que já era de descendência germânica. Odoacro reconheceu como único imperador romano o imperador do Oriente, sediado em Constantinopla. Durante as invasões anteriores, a população já havia abandonado as cidades, instalando-se na zona rural, em busca de proteção, desintegrando assim a conformação urbana que havia no Império Romano. Com a invasão, os bárbaros constituíram-se ainda inúmeros reinos no território antes controlado pelos romanos, iniciando o processo de configuração política que iria caracterizar a sociedade medieval.

Quais foram as causas da decadência do Império Romano, que resultaram nas invasões bárbaras do século V? Muitos foram os elementos que para isso contribuíram, podendo ser lembrados a ruína econômica de Roma, suas guerras civis, além da intensificação das rapinas de uma soldadesca cada vez mais barbarizada; podem ser citadas ainda as pragas de pestes que provocaram despovoação das cidades, as desordens internas, as revoltas sociais, a bandidagem terrestre e marítima, as lutas pelo poder entre exércitos bárbaros e representantes civis romanos, além da destruição das classes privilegiadas e o crescente domínio do campo sobre a cidade. As diversas tentativas de destruição de Roma atestam o enfraquecimento do poder imperial e o fortalecimento do poder político da Igreja, atuando tanto na área da administração política como na área espiritual. Isto se tornaria mais e mais evidente, à medida que os séculos se sucedessem.

E o que aconteceu com o relacionamento “igreja e povos bárbaros” a partir da miscigenação que começou a ocorrer a partir daquele momento? Vindo de culturas e religiões tão diferentes e variadas, qual foi a reação que os bárbaros tiveram diante do Cristianismo? Muitas foram as histórias, mas vamos conhecer algumas delas no próximo fascículo.

 
 
 

sábado, 18 de outubro de 2014

9. CANONIZAÇÃO DA BÍBLIA

“Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti.” (Salmo 119.11)

“Sola Scriptura” é uma expressão que reflete um dos cinco “solas” que passaram para a história da Igreja como contribuição de seu reformador inicial Martinho Lutero. Na busca empreendida por parte do Cristianismo de suas origens apostólicas mais puras, a certeza de que Somente a Escritura pode conduzir a Igreja a se reformar é um dos seus pilares mais sólidos. Como foi que a Bíblia chegou até nós? Como entender o processo de sua canonização? A palavra usada tem a ver com considerar santo, isto é, separado dos demais escritos.    


A Bíblia é um livro escrito e coligido, isto é, reunido em uma coleção, ao longo de quase dois mil anos, sem que cada autor estivesse consciente de como sua contribuição se enquadraria no plano global de Deus. Cada profeta enunciava seu discurso com base no fato de que Deus havia falado ao seu povo por meio dele. Somente nossa consciência cristã, refletindo posteriormente, pode perceber a mão de Deus por trás de cada escritor bíblico, num texto final que só pode ser atribuído a Deus como autor original.

Norman Geisler, em “O desenvolvimento do cânon do Antigo Testamento”, resumiu a canonização da Bíblia da seguinte forma: “Deus inspirou os livros, o povo original de Deus reconheceu-os e coligiu-os, e os crentes de uma época posterior distribuíram-nos por categorias como livros canônicos, de acordo com a unidade global que neles entreviam. Eis o resumo da história da canonização da Bíblia”. O mesmo autor aponta três elementos básicos no processo genérico de canonização bíblica: a inspiração de Deus, o reconhecimento da inspiração pelo povo de Deus e a coleção dos livros inspirados pelo povo de Deus. Se Deus havia autorizado e autenticado um documento, os homens de Deus o reconheciam e esse reconhecimento ocorria de imediato, por parte da comunidade a que o documento fora destinado originariamente. Assim aconteceu com os escritos de Moisés, os de Josué, os de Samuel e os de Jeremias. Mais tarde, a igreja universal edificada por Cristo no mundo viria a aceitar essa Escritura em seu cânon cristão.

Havia outros escritos religiosos dos judeus, como o livro dos justos citado em Josué 11.13, o livro das guerras do Senhor mencionado em Números 21.14, além de outros, como faz ver o verso “...quanto aos mais dos atos de Salomão, e a tudo quanto fez, e à sua sabedoria, porventura, não estão escritos no livro da história de Salomão?” de 1 Reis 11.41. Assim também os livros apócrifos dos judeus, escritos após o encerramento do período do Antigo Testamento, jamais foram considerados canônicos pelo judaísmo oficial. Lembra o citado autor que “nenhum artigo de fé deve basear-se em documento não-canônico, não importando o valor religioso desse texto”.

O Antigo Testamento hebraico nem sempre apresentou as divisões e os nomes dos 39 livros como os temos hoje, mas eram agrupados os textos como “a lei, os profetas e os escritos”, como o próprio Jesus a eles se referiu: “Convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos” (Lucas 24.44). Não importa o nome dado a cada parte, o todo era de inspiração divina e foi essa Escritura que Jesus e os apóstolos tiveram no primeiro século da Igreja, quando o Novo Testamento estava sendo escrito.    

Quanto à canonização do Novo Testamento, vale ainda lembrar os três elementos básicos no processo: a inspiração de Deus, o reconhecimento da inspiração pelo povo de Deus e a coleção dos livros inspirados pelo povo de Deus. Também com os 27 livros do Novo Testamento, a inspiração veio de Deus e foi reconhecida pelo seu povo, que deles fez uma compilação. O processo de canonização foi gradual, regido por necessidades definidas, e teve um encaminhamento contínuo, desde a redação dos livros no século I até a sua canonização no quarto século.


Durante todo o primeiro século e mesmo no início do segundo, o Antigo Testamento foi a Bíblia da Igreja Primitiva. Foi o texto usado nas pregações iniciais, como a de Pedro no Pentecostes, bem como na de Estêvão, por exemplo. Da mesma forma como foi dito quanto ao Antigo Testamento, também na elaboração do Novo não houve nenhum pensamento dos autores de criarem uma literatura sagrada nova, tendo eles apenas diante de si as necessidades do momento que os levaram a escrever. Tentando tornar o assunto mais didático, podemos dividir a canonização do Novo Testamento em três fases distintas:



·                 Do tempo dos apóstolos até meados do século II, tempo de Clemente de Roma, Inácio e Policarpo, quando as igrejas cresceram e se espalharam pelo Império Romano, enfrentando as heresias iniciais;

·                 da segunda metade do século II até o início do III (170-220), tempo de Irineu, Clemente de Alexandria e Tertuliano, época de uma literatura teológica volumosa, ocupando os grandes assuntos do cânon da igreja e do credo;

·                 nos séculos III e IV, tempo de Atanásio, Jerônimo e Agostinho, quando o cânon completo foi aceito, tanto no Oriente como no Ocidente.

O processo não foi tranquilo, pois houve divergências quanto a livros que deveriam figurar no cânon e que não foram aceitos, bem como a livros que figuraram no cânon (como o Apocalipse e as cinco epístolas gerais) que tiveram certa rejeição inicial. Ressalte-se a importância de Atanásio, bispo de Alexandria, influente e altamente ortodoxo, que, em 367, escreveu sua famosa carta à Igreja Oriental, documento que enumerava os 27 livros que hoje fazem parte do nosso Novo Testamento. Na esperança de impedir que seu rebanho caminhasse rumo ao erro, Atanásio afirmou que nenhum outro livro poderia ser considerado escritura cristã, embora admitisse que alguns pudessem ser úteis para devoções particulares. A lista de Atanásio, porém, não encerrou o assunto. Em 397, o Concilio de Cartago confirmou sua lista, decretando que os livros que não estavam inseridos na Bíblia não deveriam ser lidos nas igrejas nem considerados como Escrituras Divinas. As igrejas ocidentais demoraram mais tempo para aceitar o cânon. A contenda continuou com relação aos livros questionáveis, embora todos terminassem aceitando o Apocalipse e os demais.

Muitos outros detalhes existiram na canonização das Escrituras, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, mas cremos que estes são suficientes para mostrar que temos razões para confiar na Bíblia. Desde o Gênesis ao Apocalipse, o livro é Cristocêntrico, isto é, prenuncia a vinda do Senhor no Antigo e revela a sua concretização no Novo Testamento. Cremos num Deus que é o Senhor da história e que quer revelar-se e tornar a história conhecida de todas as suas criaturas humanas, para que venham a reconhecer sua necessidade de salvação em Cristo e se tornem filhos e herdeiros. A nós, como Igreja, cabe dar sequência ao ministério iniciado pelo próprio Senhor Jesus, que teve sua continuidade no ministério apostólico, em seus seguidores, e que precisa chegar até o final, quando o Senhor vier resgatar sua Noiva. Enquanto esperamos, embora levantemos o nosso “Maranata” cada vez que o mundo dá sinais de estar chegando ao fim, precisamos fazer a nossa parte, vivendo, pregando e orando, para que o Reino de Deus se estabeleça definitivamente entre os homens. Que assim seja!

Os eventos históricos envolvendo a Igreja nos quatro primeiros séculos até aqui estudados foram de grande importância, pois deram uma base para que pudéssemos entender como uma congregação inicial de cerca de 120 pessoas em Jerusalém no primeiro século da Era Cristã pudesse passar por três séculos de perseguição e, após mais um século, chegasse ao final do quarto como a religião obrigatória de todo o Império Romano, com uma grande porcentagem de habitantes do Império como cristãos, espalhados pelas mais diferentes regiões e camadas sociais.

O século V também mostra eventos históricos importantes, com ênfase na atuação dos bárbaros germânicos e com reflexos na Igreja, que serão abordados no próximo fascículo.

 

 
  

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

8. O LEGADO DE CONSTANTINO

“Dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus.” (Mateus 22.21)
Constantino é considerado por muitos como o primeiro imperador romano cristão, já que, antes dele, todos os demais cesares e augusti eram pagãos e adoradores das divindades do Império. No entanto, Constantino não oficializou o Cristianismo como religião em todo o Império Romano, embora sua atuação tivesse começado a criar as condições para isto. Aliviando a situação da Igreja perseguida com sua intervenção, Constantino permitiu que a igreja se expandisse e conquistasse espaço no império. Além disso, Constantino foi um imperador que tentou pôr em ordem a vida política, militar e social do império, já em decadência quando assumiu o poder. Ele teve muitos confrontos e lutas com diversos líderes e pretendentes ao trono, numa época na qual ainda prevalecia a tetrarquia iniciada por Diocleciano. Após os confrontos, Constantino assumiu como único imperador em 324, permanecendo no poder até sua morte em 337. Três dos seus filhos o sucederam no poder, a saber, Constantino II, Constâncio e Constante, os quais, após sua morte, dividiram o império em três partes, governando inicialmente cada um de uma divisão. Depois de muitos conflitos com os irmãos, Constâncio II tornou-se o único “augustus”.

Ainda como imperador, Constantino construiu uma nova residência imperial, num lugar conhecido no passado como Reino de Bizâncio, chamando a cidade de Nova Roma. Em homenagem a Constantino, a cidade foi renomeada como Constantinopla após a sua morte,  a qual viria a ser a capital do Império Romano do Oriente por mais de mil anos. Constantino reconstruiu a antiga cidade grega de Bizâncio em 330, dotando-a de um Senado e instituições cívicas semelhantes à estrutura existente na antiga Roma, como um fórum, prefeitura e distribuições de trigo para a população. A mudança da capital imperial enfraqueceu a influência do bispo de Roma e fortaleceu o bispo de Constantinopla sobre o Oriente, um dos eventos notáveis que provocariam futuramente o Grande Cisma dentro do Catolicismo.
Após os governos de Constantino e de seus três filhos, todos alinhados com o Cristianismo, as condições da Igreja sofreriam uma mudança, embora por pouco tempo, quando um sobrinho-neto de Constantino chamado Juliano assumiu o poder. Juliano, que passou para a história como “o Apóstata”, tentou anular toda a influência conquistada pelo Cristianismo até então, voltando-se para o paganismo, num curto reinado que gerou alguma perseguição aos cristãos.

Nascido em Constantinopla em 331, Juliano cresceu na sombra do imperador Constâncio II, tendo sido vítima de suas suspeitas. Tendo recebido severa educação cristã, ele logo cedo demonstrou preferências por autores clássicos pagãos e filósofos neoplatônicos. Estudando em Atenas, Juliano desenvolveu uma forma mística de paganismo associada à magia, tendo se declarado pagão ao iniciar o mandato como imperador. Ele atacou duramente o cristianismo, tendo escrito várias obras, entre elas uma chamada “Contra os Galileus”. Seguindo suas tendências, Juliano restaurou o paganismo, ordenando a reabertura e restauração dos templos pagãos. Homem inteligente de formação erudita, deixou vários escritos de teologia pagã, além de um Hino ao Rei Sol. Ferido de morte numa batalha, segundo a tradição, teria dito antes de morrer: “Venceste, ó Galileu!”

Embora Constantino tenha sido considerado o primeiro imperador romano cristão, ele não oficializou o cristianismo como religião em todo o império, ainda que tenha aliviado bastante a situação da Igreja, perseguida até a sua chegada. O fato é que, com sua intervenção (controvertida e envolta em névoas criadas pela tradição), a igreja teve oportunidade de expansão e de conquista de espaço no cenário imperial, ao ponto de um outro imperador, no final do século IV, ter decretado sua oficialização em todo o império.
No final do século IV, assumiu o poder imperial Flavius Theodosius, ou Teodósio (347-395), em cujo reinado muita coisa importante aconteceu. Após uma vida repleta de batalhas contra tribos germânicas e conflitos pela posse do poder, em 380, Teodósio tomou posse de Constantinopla, que seria sua capital e residência por oito anos. No mesmo ano assinou, juntamente com mais três autoridades imperiais romanas, o Edito de Constantinopla, o qual se iniciava com as seguintes palavras: "Queremos que todos os povos governados pela administração da nossa clemência professem a religião que o divino apóstolo Pedro deu aos romanos...” Era o início da oficialização do Cristianismo como religião oficial do Império. Numa época em que movimentos como o Arianismo, heréticos na visão do catolicismo que se implantava, aconteciam no Império, a lei promulgada terminava de forma ameaçadora: “Ordenamos que tenham o nome de cristãos católicos quem siga esta norma, enquanto os demais os julgamos dementes e loucos, sobre os quais pesará a infâmia da heresia. Os seus locais de reunião não receberão o nome de igrejas e serão objeto, primeiro da vingança divina, e depois serão castigados pela nossa própria iniciativa que adotaremos seguindo a vontade celestial."

Teodósio foi o último líder de um Império Romano unido; após sua morte, o império se dividiu e nunca mais foi governado por um só imperador. O Império Romano, que existira por tantos séculos, demonstrando tanta força e pujança em muitos momentos, dividia-se em duas partes: Império Romano do Ocidente, com a capital em Roma, e Império Romano do Oriente, com a capital em Constantinopla. Destinos diferentes teriam as duas partes de um antigo Império Romano unido e agora dividido.

O século V também teve sua importância para a Igreja e para o império Ocidental, pois, enquanto a Igreja se consolidava cada vez mais como Catolicismo Romano, o império se enfraquecia a passos largos, rumo à queda. Com a divisão, cada vez mais a parte ocidental sofria com a ameaça dos bárbaros. Na parte Oriental, Teodósio fez acordo com povos bárbaros germânicos, reconhecendo que eles, especialmente os teutônicos e germânicos, podiam ajudar o exército, bastante minado pelas lutas internas. Teodósio os admitiu como soldados e oficiais, de modo que em suas legiões, tanto romanos como teutônicos se encontravam entre seus generais.
Momento importante para a Igreja e para a Cristandade no final do século IV, a canonização da Bíblia, em especial do Novo Testamento, será o assunto a ser abordado no próximo fascículo.

7. CONSTANTINO, UM DIVISOR DE ÁGUAS

“Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Mateus 11.27)

O imperador Galério, uma das figuras de destaque nas perseguições finais à Igreja, admitiu que a política de tentar erradicar o Cristianismo falhara. Em 311, no Édito de Tolerância, e em 313, num novo edito, Roma concedeu liberdade de culto em todo o império:

“Nós, Constantino e Licínio, Imperadores, encontrando-nos em Milão para conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, decidimos que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que todos, os cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de sua preferência. Assim qualquer divindade que no céu mora ser-nos-á propícia a nós e a todos os nossos súditos.”

Entre 311 e 313, mais precisamente em 312, ocorreu um fato marcante na vida do imperador Constantino com influência para a Igreja: a batalha da Ponte Mílvia.

Quem foi Constantino? Flavius Valerius Aurelius Constantinus, nascido em 27 de fevereiro de 272, era filho de Constâncio Cloro. general e imperador romano, e de Helena, filha de um casal que possuía e administrava um albergue na Bitínia. Constantino, importante e controverso na história, teve sua vida relatada por Eusébio de Cesareia, no livro Constantini Vita, escrito provavelmente entre 335 e 339, uma obra que trata o imperador como santo, sendo biografado e biógrafo contemporâneos.

Constantino deve ter tido uma boa educação, tendo começado no reinado de Diocleciano seu serviço a Roma, depois que seu pai foi nomeado como “cesar”. Em sua atuação junto à Igreja, história e tradição começam a se misturar a partir do Batalha da Ponte Mílvia, de 312, episódio no qual Constantino acabou por entrar para a história como o primeiro imperador romano a professar o Cristianismo, na sequência da sua vitória sobre Magêncio, triunfo que ele mais tarde atribuiu ao Deus cristão. Segundo a tradição, na noite anterior à batalha, Constantino havia sonhado com uma cruz, e nela estava escrito em latim In hoc signo vinces, que significa “Sob este símbolo vencerás”.

Constantino foi um divisor de águas, o responsável pelo fim de uma era e pelo início de outra na história do Cristianismo, ocasião na qual a Igreja passou da situação de perseguida a tolerada e posteriormente a livre para cultuar. Em menos de um século, a Igreja Cristã perseguida se tornaria praticante da religião oficial do Império Romano e começaria a perseguir quem não fosse cristão.
A vida e a atuação de Constantino no Cristianismo trouxeram consequências, já que o assim chamado primeiro “Imperador Cristão” passou a interferir nas decisões internas da Igreja como Pontifex Maximus, com ênfase na sua hierarquização e ortodoxia. Foi ele mesmo quem convocou o Primeiro Concílio de Niceia em 325.

O principal assunto resolvido no Concílio de Niceia foi a decisão da questão cristológica entre Jesus, o Filho, e Deus, o Pai. O arianismo foi uma visão cristã sustentada pelos seguidores de Ário, presbítero de Alexandria na primeira metade do século IV, que negava que Jesus e Deus tivessem a mesma substância, fazendo de Cristo uma criatura pré-existente (embora a primeira e mais excelsa de todas), que encarnara em Jesus de Nazaré. O Filho seria uma criação do Pai, tendo havido um tempo no qual Cristo ainda não existia. O historiador Gwatkin, na obra "A Controvérsia Ariana", afirmou: "O Deus de Ário é um deus desconhecido, cujo ser se acha oculto em eterno mistério". O “eterno mistério” aludido fazia parte do gnosticismo, teoria filosófica grega presente no Cristianismo desde o primeiro século.

Após discussão de todos os bispos presentes ao Concílio, a decisão foi favorável à ortodoxia praticada pela Igreja durante três séculos, na qual Jesus Cristo e Deus Pai eram considerados como pessoas com a mesma substância (homoousios, no grego), tendo sido elaborado um novo credo, que recebeu o nome de nicênico, o qual iniciava afirmando: “Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, da mesma substância do Pai.” Na época, a igreja já recitava um texto mais antigo, atribuído pela tradição aos apóstolos, mais simples e curto, o qual foi substituído por outro de conteúdo ais elaborado para combater o Arianismo, o novo credo nicênico. O nome “credo” dado aos dois textos e a outros semelhantes a eles, é a palavra que representa em latim a primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “credere”, significando “eu creio”. Os credos representaram para a igreja uma grande ajuda teológica para garantir e justificar a fé individual, numa época em que textos escritos eram raros e caros. A história afirma que Constantino exigiu que a palavra “homoousios” figurasse na decisão de Niceia, embora alguns historiadores afirmem que sua inclinação era pelo Arianismo, bem como a de seu filho e sucessor na condição de Augusto Único, Constâncio II.  A explicação é que, na medida em que ambos tentaram apresentar a figura do imperador como um análogo do Cristo ariano na forma de uma emanação divina, fato que favoreceria o culto ao imperador, vendo-o como um reflexo terreno do “Logos”, o Verbo Eterno.

A história mostra que a atuação de Constantino junto à Igreja, apesar de tê-la feito  prosperar, trouxe consequências futuras, pois as ações do imperador tinham a finalidade de unificar a Igreja cristã, já que, com as divergências existentes dentro dela, o seu trono poderia estar ameaçado pela falta de unidade entre os romanos. Constantino somente pediu batismo no final da sua vida, ato ministrado pelo bispo ariano Eusébio de Nicomédia, o que reforça sua mencionada inclinação. Além disso, pouco antes de sua morte em 335, ele mandou exilar o patriarca ortodoxo de Alexandria que tivera atuação destacada no Concílio.

Muitos creem que Constantino nunca se tornou cristão. Ele era adorador de Mitra, o Deus-Sol, tendo oficializado o domingo como Dia do Senhor num edito de 321, mas partindo do fato inicial de ser aquele o “Dia do Sol”, prova mantida na palavra “domingo” em algumas línguas modernas, como o alemão e o inglês, por exemplo. O culto ao Deus Sol Invicto – divindade protetora das tropas romanas, parece que foi mantido até quase o final da vida de Constantino. Moedas cunhadas no seu governo mostram a figura de Mitra.

Com sua atuação, Constantino deu novos rumos à Igreja, educou seus filhos no cristianismo, deu à Igreja um início de presença institucional no Estado romano, numa época em que o paganismo ainda mantinha grande força política entre as elites educadas do Ocidente do império, levando a uma convivência nem sempre pacífica entre as duas tendências religiosas. A Igreja prosperou sob seu governo, mas sofreu graves consequências no futuro.

É importante destacar-se a grande influência de Helena sobre Constantino. Flávia Júlia Helena (Bítínia, 250 - Constantinopla, 330), primeira mulher de Constâncio Cloro, mãe de Constantino, converteu-se ao cristianismo, tendo  participado da construção de Constantinopla. Helena demonstrou grande apego à Igreja e, no fim da sua vida, perto dos oitenta anos, realizou uma peregrinação à Terra Santa, tendo localizado em Jerusalém uma cruz que acreditou ser a Vera Cruz, a cruz verdadeira de Cristo. Helena ordenou a construção da Igreja do Santo Sepulcro (suposto lugar de  sepultamento de Cristo em Jerusalém) no lugar do templo a Afrodite que ali existia, além da Igreja da Natividade em Belém. Tendo falecido pouco tempo depois da volta da peregrinação, Helena foi sepultada em Roma.

Com a atuação política de Constantino em Roma e na Nova Roma por ele construída no Oriente, além da presença de seus três filhos e do seu sobrinho-neto no governo, a Igreja Cristã teve sua situação mudada diante do Império Romano. O legado histórico de Constantino será o assunto do próximo fascículo.