“Não peço que os tires
do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo, como eu do mundo não sou.” (João
17.15-16)
Eremita,
ou ermitão, é um indivíduo que vive em um lugar deserto, isolado, geralmente
por motivo de penitência ou religiosidade. O termo provém de uma palavra latina
que significa "solitário". Os eremitas buscavam refúgio em locais
remotos e desabitados, como montanhas e florestas, sua aparência era
descuidada, vestiam-se muito pobremente, usavam barba comprida e andavam
de pés descalços. Alguns ficavam em pé por horas enquanto oravam e chegavam
até mesmo a viver no topo de pilares. O objetivo dos eremitas era o de levar
uma vida que imitasse a de Cristo e a dos Apóstolos. O eremita praticava
essencialmente a humildade, a paciência, o silêncio, a contemplação, mas tudo
levado ao extremo, numa existência que se baseava numa penitência austera e num
testemunho da sua fé através da ascese, por vezes radical.
Com
a conversão do imperador Constantino em 312, a situação da igreja mudou
drasticamente. Os cristãos deixaram de ser minoria perseguida e tornaram-se
membros de uma religião que desfrutava de apoio oficial. Grandes multidões
começaram a entrar na igreja, a fé se transformou em uma coisa fácil e a
sinceridade foi prejudicada. Com isso, muitos optaram por afastar-se do mundo,
vivendo isolados da sociedade. Vamos começar conhecendo o primeiro eremita.
Antão,
forma familiar de Antônio, nasceu no Egito, provavelmente por volta do ano 250,
em uma família próspera, cujos pais morreram quando ele tinha cerca de vinte
anos, deixando-lhe toda a herança. Baseado no conselho dado por Jesus ao jovem
rico na Bíblia, Antão doou terras, vendeu propriedades e repartiu o dinheiro
entre os pobres. Começou a comer uma única refeição por dia e passou a dormir
no chão. Antão foi viver em uma caverna, local no qual se sentia assediado por
demônios de várias formas. A tentação de voltar ao mundo dos prazeres sensuais
era constante, mas Antão persistia em sua luta. Mudando-se para um forte
abandonado, onde viveu vinte anos sem ver ninguém, ele recebia comida jogada
por cima do muro. Começou, então, a ter seguidores, pessoas que buscavam a sua
orientação, tornando-se conselheiro espiritual. Antão morreu com cerca de 105
anos, com aparente vigor físico e mental. Embora insistisse para ser enterrado
secretamente, logo um culto surgiu ao redor de sua sepultura. Atanásio escreveu
uma obra chamada Vida de Antão, na qual ele é retratado como “o monge ideal, que podia realizar milagres
e discernir entre espíritos bons e maus”. Tornou-se um santo do
catolicismo.
A
verdadeira força por trás do monasticismo europeu foi Bento de Núrsia. Nascido
no século VI em uma família italiana de classe alta, ainda jovem foi estudar em
Roma, cidade que ele considerava como imoral e frívola. Aborrecido com isso,
Bento partiu e se tornou eremita, tendo adquirido grande reputação por sua
espiritualidade: famílias traziam seus filhos para que fossem treinados por ele
na vida cristã. Tornou-se abade, mas enfrentou problemas, tendo que fugir. Por
volta do ano 529, Bento se mudou para Monte Cassino, onde mandou demolir um
templo pagão para construir um mosteiro em seu lugar. Bento é lembrado não
somente pelo mosteiro, mas por causa de “a Regra”, conjunto de normas que deixou para
governar aquele lugar. O mosteiro para Bento era uma comunidade autocontrolada
e autossustentada, com seus campos e oficinas. Era uma "fortaleza
espiritual", para assegurar que os monges não precisassem ir a qualquer
outro lugar para satisfazer as necessidades da vida. Roupas, comida e mobília
eram manufaturadas dentro do confinamento da comunidade. Após um noviciado de
um ano, os que persistissem fariam os três votos que o desligariam completamente
do mundo: pobreza, castidade e obediência. Bento criou algo que serviu para
orientar comunidades monásticas há vários séculos e sua criação ainda está em
vigência atualmente.
Outro mosteiro surgiu quando a
igreja enfrentava grandes dificuldades. Numa época de lutas políticas, quando
líderes da igreja buscavam poder e terras, William, o Pio, duque de Aquitânia,
fundou um mosteiro em Cluny, cidade localizada na Borgonha, século X, local que
exerceu profunda influência na cristandade. Era uma sociedade independente,
livre das lutas de poder do império e sob a proteção do papa. O mosteiro
seguiria a Regra estabelecida por Bento de Núrsia no século VI: pobreza,
castidade e obediência. Uma liderança capacitada fez com que Cluny funcionasse
adequadamente, multiplicando a ideia em outros lugares, como na França, Itália
e Alemanha. Em um movimento de reforma, Cluny foi o lugar que exerceu a maior
influência no cristianismo ocidental, liderando cerca de dois mil mosteiros por
volta do ano 1110. Cluny teve seu apogeu e seu declínio, sendo mais tarde
restaurado pela ordem cisterciense.
Outros
movimentos foram surgindo na história, como os franciscanos, jesuítas e outros
grupos, buscando na vida monástica a solução para o problema do pecado do
homem. Os eremitas achavam que o mal estava fora da pessoa humana, no entanto,
o próprio Antão era assaltado por visões e tentações mesmo no seu isolamento,
mostrando que o mal está dentro de cada ser humano, porque “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Jesus não
incentivou o isolamento, mas a ação no meio da sociedade, sendo sal e luz para
os demais. Com o advento da Reforma Protestante, os evangélicos deixaram de
lado as práticas de conventos e abadias em suas denominações. No catolicismo,
muitos dos movimentos e das ordens estudadas se mantêm até hoje. No entanto, o
imperativo continua: como igreja, espalhar a mensagem do evangelho a toda
criatura, e como indivíduos, influenciar a sociedade sendo sal e luz.
Desde
que surgiu na cultura judaica, o Cristianismo se defrontou com ideias opostas,
principalmente a elaborada filosofia grega que dominava o Império Romano no
qual a Judeia se inseria. Pais da Igreja foram importantes para definir e
defender a fé cristã nos primórdios, mas o surgimento de “outros evangelhos”
foi inevitável. A Igreja e a heresia será o próximo assunto a ser por nós
abordado.