Tendo surgido no norte da Europa, acima dos Alpes, a Reforma Protestante pouco influenciou inicialmente os países abaixo da cordilheira, principalmente aqueles de cultura e língua oriundas do latim. Por causa de acontecimentos e circunstâncias próprias, vamos dedicar uma atenção especial à Reforma Protestante na França.
No século do movimento, prevalecia ainda na Europa Ocidental o domínio do Sacro Império Romano-Germânico, tentando unir muitos países de formação tão diferenciada sob o mesmo governo. Na época da Reforma, na França, Jacques Lefevre (1455-1536) foi o humanista bíblico francês que polarizou a atenção de um grupo para reformar a igreja católica romana de dentro para fora no país, a fim de que ela mais se aproximasse do modelo das Escrituras. O grupo foi contido e expulso pela realeza francesa.
Na época de Calvino, esse movimento, bem como os ensinos de Lutero, chamaram a atenção dos franceses, em busca de um caminho pelo qual poderia vir a Reforma. O calvinismo chegou à França católica em meados do século XVI. Segundo Earl Cairns, faltou inicialmente ao movimento huguenote na França uma liderança eficaz, chegando mesmo a ser o grupo perseguido pelo governo no seu início. Calvino tentou liderar tanto os protestantes franceses como os de Genebra, tendo enviando para a França pastores por ele orientados. Missionários de Estrasburgo e outras cidades calvinistas foram para a França e com isso o movimento cresceu, tornando-se tão poderoso e bem organizado que acabou se constituindo em “um reino dentro de um reino”. Estabelecida oficialmente em 1559, a igreja protestante francesa contou num momento inicial com 72 congregações em Paris. Posteriormente chegaram a existir na França cerca de duas mil igrejas e 400 mil huguenotes, nome dado aos protestantes franceses.
No século XVI, quem comandava de fato a França não era a coroa, mas sim a Igreja Católica, totalmente comprometida com a realeza e a nobreza. A França tinha um jovem rei, Carlos IX, mas quem de fato dava as ordens era sua mãe, Catarina de Médici. Para amenizar os conflitos religiosos na época, a casa real francesa fez um pacto de não agressão com os huguenotes, que eram da linha calvinista. Foi nomeado um conselheiro huguenote, o almirante Coligny; Margot, irmã de Carlos IX, foi oferecida em um casamento arranjado ao nobre huguenote Henrique de Navarra, realizado esse realizado na Catedral de Notre Dame.
Um atentado contra Coligny, impetrado por ordem da rainha, embora fracassado de início, abalou a frágil trégua estabelecida. Os católicos espalharam boatos de que os huguenotes estariam se preparando para se vingarem do atentado, e o rei, por pressão de sua mãe, ordenou a execução de Coligny. Depois dessa execução, ao amanhecer do dia 24 de agosto de 1572, dia consagrado pelo catolicismo a São Bartolomeu, começou o massacre dos huguenotes, estendendo-se até o final do mês. Cerca de 3 mil protestantes foram brutalmente assassinados pelos católicos numa só noite em Paris, continuando a perseguição por meses, o que resultou na morte de dezenas de milhares de pessoas no total. Completando o triste episódio, após os acontecimentos, o Papa Gregório XIII mandou rezar uma missa, bem como cunhar uma moeda comemorativa (onde anjos de espada na mão eliminam os opositores) e pintar um mural celebrando o massacre.
Henrique de Navarra, que optara pelo catolicismo, ficou quatro anos preso no Louvre, tendo conseguido fugir para a Espanha. Anos mais tarde, ele se tornou rei da França e, com o Edito de Nantes, concedeu razoável liberdade religiosa aos huguenotes, e com isso os protestantes tiveram um breve período de paz. O cardeal Richelieu rescindiu alguns de seus privilégios políticos em 1629, e Luís XIV oficialmente revogou o Edito de Nantes em 1685. O controle católico sobre a França foi novamente desafiado somente um século mais tarde, com o advento da Revolução Francesa.
Na Revolução Francesa, muitos dos revolucionários eram deístas, acreditando na natureza ou na comunicação direta com Deus, sem intermediários. Os revolucionários substituíram o credo religioso pelo Patriotismo e pelo culto da Fraternidade. Algumas igrejas foram depredadas e a separação formal entre igreja e estado foi decretada em 1795; o país tornou-se uma república em 1798 e o Papa Pio VI foi declarado prisioneiro francês, sendo retirado de Roma e acabando por morrer em Valência, em 1799; seu falecimento foi registrado como o de "Jean-Ange Braschi, exercendo a profissão de pontífice". Foi realizado um Festival da Razão na Catedral de Notre-Dame, tendo sido a própria igreja declarada Templo da Razão, com uma montanha cenográfica e um Templo da Filosofia construído em seu interior. Tentou-se a substituição da Bíblia por textos que misturavam as doutrinas de Moisés, Cristo, Confúcio e Maomé. Finalmente, anos depois, o imperador Napoleão Bonaparte reconheceu oficialmente que o catolicismo era "a religião da grande maioria do povo francês", reabrindo as igrejas em 1802. Atualmente, o protestantismo reformado não tem exercido grande influência na França e os protestantes são uma pequena minoria da população.
Despertamentos ou avivamentos foram movimentos constantes na trajetória da Igreja nos últimos séculos, assunto a ser abordado no fascículo seguinte.
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