20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

terça-feira, 26 de abril de 2016

45. O PENTECOSTALISMO EM ONDAS

“Que faremos, varões irmãos? E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo”. (Atos 2.37b-38)

“Uma das forças de expansão do pentecostalismo está na sua habilidade em se adaptar e tomar emprestado”, diz A.H. Anderson, um estudioso do movimento. A partir dos acontecimentos da Rua Azusa narrados anteriormente, o movimento pentecostal espalhou-se pelos Estados Unidos e por todos os países cristãos do mundo, chegando também ao Brasil. Como o desenvolvimento tem sido multifacetado nos diferentes países, com surgimento de lideranças, tendências e igrejas muitas vezes com características locais, vamos nos ater aos acontecimentos no Brasil, abordando o que aconteceu e como chegamos à situação atual.
Segundo P. Frestron, outro estudioso do assunto, existem três períodos ou ondas distintas do pentecostalismo do Brasil. A Primeira Onda, o Período Clássico, entre 1910 e 1950, enfatizou principalmente o segundo batismo no Espírito Santo após a conversão, o falar em línguas e a restrição aos usos e costumes entre os membros das igrejas. A Assembleia de Deus e a Congregação Cristã no Brasil são as maiores denominações que surgiram nesse período e atualmente estão entre as maiores denominações evangélicas do país. Louis Francescon (fundador da Congregação Cristã no Brasil) e Daniel Berg e Gunnar Vingren (iniciadores da Assembleia de Deus) para cá vieram dos Estados Unidos, todos tendo sofrido influência da mesma igreja da Avenida Norte, de Chicago, dirigida por William H. Durham. Segundo pesquisadores do pentecostalismo, já estava presente na primeira onda a estratégia de crescimento pentecostal de fazer proselitismo entre os crentes das igrejas evangélicas em missões já existentes. Francescon iniciou sua atividade missionária pentecostal no bairro do Brás, em São Paulo, numa igreja presbiteriana, enquanto os suecos Berg e Vingren se filiaram à 1ª Igreja Batista de Belém, no Pará, fundada e dirigida por um pastor também sueco, Erik (Eurico) Nelson; em ambos os casos, a pregação carismática provocou saída de um grupo de membros das citadas igrejas para início de uma congregação pentecostal. Esse procedimento intensificou-se com a Segunda Onda.
A Segunda Onda, a partir da segunda metade do século XX, diferiu da primeira por fixar-se na cura divina, mostrando um forte interesse em demônios e exorcismos e continuando a restringir os usos e costumes dos membros das igrejas, na maioria dos casos. A Igreja do Evangelho Quadrangular (que iniciou como Cruzada Nacional de Evangelização, lançada no Brasil por Reymond Boatwright e Harold Williams, dois ex-atores de Hollywood), o Brasil para Cristo (de Manuel de Melo) e a Igreja Pentecostal Deus é Amor (de Davi Miranda) são os grupos mais relevantes nesse período, sendo a "Deus é Amor" um grupo legalista e faccioso. Sobre a Igreja do Evangelho Quadrangular, cabe ressaltar que, tendo como ênfase a cura divina e o exorcismo, milhares de evangélicos e curiosos foram atraídos aos seus cultos, por causa das canções de louvor com ritmos populares e mensagens de batismo no Espírito Santo, o que provocou divisões em quase todas as denominações pentecostais. O lema que serve de base à denominação, inclusive tendo inspirado o nome da Igreja voltado para os quatro lados de um quadrado (Jesus salva, batiza no Espírito Santo, cura e voltará) é chamado de “reducionismo doutrinário”, com sérias consequências teológicas, e mais tarde utilizado e aperfeiçoado pelo neo-pentecostalismo no Brasil.
A Terceira Onda, o atual neo-pentecostalismo , começou em 1977 com o início da Igreja Universal do Reino de Deus. A predecessora “Igreja de Nova Vida”, de Walter Robert Mcalister, lançou os fundamentos para a Universal e outros grupos neo-pentecostais ao introduzir alguns ensinamentos e métodos inovadores. Embora as igrejas neo-pentecostais mantenham algumas características em comum com seus antecessores das ondas anteriores, suas definições incluem a ênfase na teologia da prosperidade e na batalha espiritual, além do favorecimento da restrição dos usos e costumes dos crentes. O uso extensivo de canais de mídia, um modelo mais corporativo de organização denominacional e, em alguns grupos, agressividade para com religiões afro-brasileiras são outros traços das igrejas. A Universal (de Edir Macedo) e o “Show da Fé” (de Romildo Ribeiro Soares, cunhado de Macedo) são as duas maiores denominações deste período, embora outros grupos também tenham crescido expressivamente, como a Igreja Mundial do Poder de Deus, do missionário Valdemiro Santiago (dissidente da Universal), a Comunidade “Sara Nossa Terra” (criada por Robson Rodovalho em Goiânia), a Igreja Apostólica “Renascer em Cristo” (do casal Estevam e Sônia Hernandes). Além dos grupos citados, nomes como Rinaldo L. S. Pereira (da Bola de Neve), Valnice Milhomens Coelho (ex-missionária batista na África), Renê Terra Nova e outros atuam em grupos de terceira onda no Brasil, muitos ligados a lideranças equivalentes dos Estados Unidos, como Kenneth Hagin, Benny Hinn. C. Peter Wagner, Oral Roberts e outros, alguns dos líderes polêmicos e contestados.
O movimento neo-pentecostal brasileiro mostra semelhanças e interdependências com o pentecostalismo global e norte-americano, mas com características próprias, as quais têm promovido sua diversificação no cenário evangélico geral no Brasil. Falsos mestres, líderes que, juntamente com suas organizações, ensinamentos e práticas alteram o evangelho de maneira radical, têm dificultado às pessoas a compreensão da necessidade de salvação, não encontrando a mensagem do evangelho que realmente pode libertá-los. C. Butler afirma que a expansão do Reino de Deus está ligada atualmente tanto a um encontro com a verdade quanto a um encontro com o poder.
A igreja global precisa pensar de maneira crítica sobre a realidade cristã que resulta de movimentos transnacionais, como o neo-pentecostalismo. Verifica-se atualmente que a maioria cristã está mudando para o que é chamado de Global Sul (ou seja, nações da África, América Central, América Latina e parte da Ásia); antes considerados campos missionários, agora são pontos de referência para o cristianismo e estão enviando os seus próprios missionários transculturais. E preciso, no entanto, observar e analisar que tipo de missionário cristão está sendo enviado ao mundo e com que mensagem.
Segundo Isaltino Gomes Coelho Filho, já é possível se falar em baixo pentecostalismo, um tipo de neo-pentecostalismo onde as linhas entre o baixo espiritismo e neo-pentecostalismo foram apagadas. Práticas com o uso do sal grosso, sessões de descarrego e oferecimento de sabonete de arruda para espantar demônios estão muito mais para o baixo espiritismo do que para o evangelho. Quando o cristão, estando em um templo para onde foi buscar comunhão com Deus através de Jesus e com seus irmãos de fé, começa a questionar sobre o espírito que está presente dirigindo a reunião e fica com as dúvidas acima colocadas, é sinal de que algo precisa ser revisto na cristologia, na soterologia, na teologia, enfim, da igreja cristã do século XXI, assunto a ser abordado proximamente.

44. O PENTECOSTALISMO E A RUA AZUSA

“E em Jerusalém estavam habitando judeus, varões religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. E, correndo aquela voz, ajuntou-se uma multidão e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua”. (Atos 2.5-6)

O reavivamento da Rua Azusa foi um movimento de despertamento que ocorreu em Los Angeles, Califórnia. Liderado por William Seymour, um pregador afro-americano, o movimento começou com uma reunião em 1906. O reavivamento se caracterizava por experiências espirituais extáticas, acompanhadas por milagres, cultos de adoração dramáticos, falar em línguas e participação de grupos inter-raciais. Os participantes eram criticados pela mídia secular e por líderes cristãos pelo comportamento considerado ultrajante e não-ortodoxo. Hoje, o reavivamento da Azusa é considerado por historiadores como sendo o primeiro catalizador para a divulgação do pentecostalismo no século XX.
No início do século XX, surgiu William Joseph Seymour (1870-1922), um filho de escravos de pouco mais de 30 anos de idade; acometido de varíola, Seymour ficou cego de um olho e com o rosto marcado,  passando a usar barba para esconder as marcas. Consta que Seymour frequentou uma escola de homens livres, onde aprendeu a ler e escrever. Em 1905, Seymour ouviu a mensagem pentecostal pela primeira vez em Houston, Texas.  Buscou então a escola de Charles Parham (1873-1929) naquela cidade, passando a ser ali um aluno. Por causa das leis de segregação racial da época, ele foi forçado a assistir às aulas no corredor, numa cadeira do lado de fora da sala de aula. Seymour chegou a Los Angeles, na Califórnia, no início de 1906 e pregou na igreja de Julia Hutchins. Tendo pregado no seu primeiro sermão que o falar em línguas era a primeira evidência bíblica do recebimento do Espírito Santo, Seymour foi barrado na igreja pelos anciãos no domingo seguinte, porque ele pregava o que não havia ainda experimentado. Um grupo de pessoas o seguiu e ele passou a promover reuniões de estudo bíblico em uma residência. Após algumas reuniões, um dos integrantes falou em línguas pela primeira vez, seguido por meia dúzia de outros em reuniões seguintes, inclusive Jennie Moore, que mais tarde seria esposa de Seymour. Poucos dias depois, o próprio Seymour falou em línguas pela primeira vez.
As notícias dos acontecimentos circularam rapidamente entre os residentes da cidade de origem afro-americana, latina e branca. Logo as reuniões abrigavam multidões de pessoas falando em línguas, gritando, cantando e pulando. O local das reuniões tornou-se pequeno, forçando o grupo a procurar outro endereço. Alguém que residia na vizinhança descreveu uma reunião da seguinte forma: “Eles gritaram três dias e três noites na época da páscoa. (...) À medida em que as pessoas entravam, elas caíam sob o poder de Deus. (...) Eles gritaram até que os alicerces da casa cederam, mas ninguém se machucou”.
Um prédio na rua Azusa 312, no centro de Los Angeles (originalmente usado por uma Igreja Metodista Africana Episcopal) passou a ser usado. A construção era pequena, retangular, com teto chato, medindo cerca de 220 metros quadrados. Somente uma janela de estilo gótico sobre a entrada principal mostrava que a construção havia sido anteriormente um templo. Sem aparência externa, internamente providências foram tomadas, improvisando-se púlpito e assentos para as pessoas.
As ruidosas reuniões ocasionaram reações por parte da imprensa da época, bem como de outras igrejas evangélicas tradicionais. A publicidade negativa realmente ajudou a trazer mais pessoas: alguma coisa sobrenatural deveria estar acontecendo naquele prédio antigo. No segundo andar da “Missão Apostólica da Fé” havia um escritório e residência de Seymour e Jennie, bem como uma sala de oração. Em maio de 1906, de 300 a 1500 pessoas costumavam se reunir no edifício. Moscas eram constantes nas reuniões, já que o local havia servido como estábulo para cavalos. Homens, mulheres, crianças, pretos, brancos, hispânicos, asiáticos, ricos, pobre, cultos e incultos, pessoas de todas as idades iam para Los Angeles com ceticismo ou desejo de participar. Miscigenação de raças e oportunidade para lideranças femininas no grupo foram apontadas como características positivas do movimento.
O louvor na rua Azusa 312 era frequente e espontâneo, com cultos praticamente em qualquer horário. Entre as pessoas atraídas para o reavivamento, havia também batistas, menonitas, quacres, presbiterianos e membros de outras igrejas. O canto era esporádico e a cappella, e ocasionalmente em línguas. Um observador em um dos cultos escreveu as seguintes palavras: “Não eram usados instrumentos de música. Nenhum coro – os anjos devem ter sido ouvidos por alguns em espírito. (...). Não havia organização eclesiástica por trás das reuniões. Todos os que estão em contato com Deus percebem logo que entram nas reuniões que o Espírito Santo é o dirigente”. O jornal Los Angeles Times não foi tão gentil em sua descrição: “As reuniões são realizadas num casebre decadente na rua Azusa e os devotos de uma doutrina estranha praticam os ritos mais fanáticos, pregam as teorias mais selvagens e se comportam em um estado de louca excitação em seu zelo peculiar. (...) ... a noite se torna horrível na vizinhança pelo alarido dos adoradores, que gastam horas gingando para frente e para trás em uma atitude nervosa de oração e súplica”.
"Fé Apostólica", um jornal mantido pelo grupo, foi publicado no período de 1906 a 1908. Distribuída gratuitamente, a publicação alcançava ministros e leigos ao redor do mundo. Entre os relatos, havia notícias de cegos tendo suas vistas restauradas, doenças curadas e estrangeiros falando outra língua  e sendo entendidos por membros negros sem cultura, que traduziam suas falas para o inglês com “habilidade sobrenatural”.
Às vezes, a pregação consistia da leitura da Bíblia por Seymour e adoradores indo à frente para pregar ou testemunhar, dirigidos pelo Espírito Santo. Não se fazia recolhimento de ofertas, ficando uma caixa de contribuições ao lado da porta para a manutenção financeira da missão. Em geral, 50 a 60 membros frequentavam os cultos regularmente, enquanto centenas e milhares a visitassem constantemente.
O procedimento estranho dos frequentadores da igreja era constantemente criticado por jornais da época e por igrejas tradicionais, por causa do aspecto emocional, uso indevido das Escrituras e perda do foco em Jesus Cristo e centralização no Espirito Santo. Houve mesmo quem quisesse fechar os trabalhos da missão. Por volta de 1913, o reavivamento na rua Azusa havia passado do seu momento de apogeu e em 1915 a maioria da mídia e da atenção das multidões havia diminuído. Houve muitos missionários enviados ao exterior e, em 1908, o movimento já havia se espalhado por mais de 50 nações, incluindo a Grã-Bretanha, Escandinávia, Alemanha, Holanda, Egito, Síria, Palestina, África do Sul, Hong Kong, China, Ceilão, Índia e Brasil.
Mais de 500 milhões são membros dos grupos carismáticos hoje, sendo o reavivamento da Azusa comumente considerado como o início do moderno movimento pentecostal.

43. O PENTECOSTALISMO E SUAS ORIGENS

“Cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar... e todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”. (Atos 2.1 e 4)

Para os judeus, o Pentecostes (também chamado Festa das Semanas, Festa da Colheita e Festa dos Primeiros Frutos) era o quinquagésimo dia após o sábado da semana da Páscoa, no primeiro dia da semana. O Pentecostes durava sete dias. Judeus viviam fora de Israel pelo menos desde os exílios da Assíria e da Babilônia. Aos poucos, os judeus da diáspora foram dispersos por todo o Império Romano e para fora dele. A lista de quinze lugares mencionados no capítulo 2 de Atos registra a vasta distribuição geográfica dos judeus na época. Quem eram os que estavam presentes no Dia de Pentecostes? Havia “judeus”, tanto judaizantes quanto helenistas; havia também “judeus da diáspora”; “prosélitos” (ou “judeus honorários”, no dizer do teólogo Karl Barth) também ali estavam; e talvez também “tementes a Deus”, que adoravam a Jeová, mesmo sendo gentios. O Pentecostes de Atos aconteceu durante uma peregrinação dos judeus da diáspora, de prosélitos e possivelmente de gentios tementes a Deus a Jerusalém.
Desde o Pentecostes referido em Atos até a virada do século XIX para o século XX, muita coisa aconteceu na história do Cristianismo. Os dons espirituais, ou dons carismáticos, mencionados no Novo Testamento, apresentam antecedentes na história da igreja desde Corinto, nos tempos apostólicos, até os dias de hoje. Havia na igreja de Corinto um grupo de pessoas com inclinações místicas, com ênfase em certas experiências e práticas religiosas, como profecias e línguas. Paulo mesmo registra ter tido algumas experiências espirituais incomuns, mas ele não as torna regra para todos os cristãos.
Após o primeiro século, surgiu no Cristianismo da Ásia Menor o Montanismo (cerca de 170 d.C.), contando inclusive com a participação de Tertuliano (c.160-c.225), um dos Pais da Igreja. Tendo surgido na Frigia, Ásia Menor, o movimento foi fundado por Montano, que dizia ser o porta-voz do Espírito Santo, o qual iria anunciar a volta de Cristo e a descida da Nova Jerusalém. Apelando para visões e profecias, ele e duas profetisas, Priscila e Maximila, levaram os cristãos a uma santificação como preparação para o final dos tempos. O movimento denominado “Nova Profecia” foi declarado herético pala igreja.
Outros grupos com tendências carismáticas surgiram ao longo do tempo, como os cátaros, por exemplo, até mesmo na época dos reformadores protestantes, que conviveram com pessoas e grupos, principalmente  anabatistas, chamados de “entusiastas”, “libertinos”, “fanáticos” e “espiritualistas” e condenados por Lutero, Calvino e outros reformadores.
Os quacres no século XVII, com sua ênfase na “luz interior”, além de outros grupos e dos avivamentos dos séculos XVIII e XIX, que primavam pela emoção no relacionamento com Deus, foram precursores do pentecostalismo moderno; esses movimentos revelavam insatisfações legítimas com a superficialidade religiosa da igreja oficial e desejavam uma espiritualidade mais profunda. Os despertamentos produziram um tipo de cristianismo mais emocional, independente de estruturas e tradições e tendente a experiências com o sagrado. Reuniões nas zonas rurais e urbanas provocaram o surgimento de grande número de novos movimentos religiosos, alguns dentro dos limites do protestantismo histórico e outros distanciados do mesmo, como os “Shakers”, os Mórmons e as Testemunhas de Jeová.
No final do século XIX, o cenário religioso das igrejas da América do Norte passou a sofrer influências do movimento metodista. A origem do movimento pentecostal moderno é identificada por muitos no metodismo wesleyano, em especial na doutrina do “perfeccionismo”, ou “santificação completa”, a qual ensinava que o cristão pode atingir, em algum grau, a perfeição em santidade durante sua vida neste mundo. Wesley descreveu-a como "...aquela disposição habitual da alma que, nos escritos sagrados, é chamada de santidade; e que implica diretamente em ser limpo do pecado...” Houve objeções de lideranças cristãs na época, além de Wesley não ter encontrado como resolver o problema enquanto viveu. A Bíblia possui inúmeras passagens que dão apoio ao perfeccionismo wesleyano, bem como outras que apoiam a ideia de que não é possível ao homem atingir a santidade total neste mundo.
Como Wesley não chegou a definir completamente a doutrina durante sua vida, John Fletcher, seu sucessor, começou a descrever a plena santificação como um “batismo do Espírito Santo” em termos do Pentecostes do Novo Testamento. A partir de Fletcher, criou-se a crença de que existem nas igrejas cristãos batizados com o poder pentecostal do Espírito Santo e outros que ainda não têm esse poder, ou seja, crentes mais ou menos espirituais.
Surgiram então, na segunda metade do século XIX, em vários lugares dos Estados Unidos, os grupos de santidade chamados em inglês de “holiness”. Os pregadores “holiness” enfatizavam a salvação como um processo que começa na conversão e prossegue na santificação. Com o passar do tempo, alguns líderes do movimento passaram a falar no “batismo com o Espírito Santo e com fogo” como sendo uma terceira experiência na vida cristã, distinta da conversão e da santificação. Anterior e concomitantemente a isso, ocorreram outros movimentos e líderes que iam na mesma direção, tanto nos Estados Unidos como em outros países, como no País de Gales, por exemplo.
Em 1900, Charles Fox Parham (1873-1929), um pregador metodista da linha “holiness” do Kansas, fundou uma escola na qual os alunos pudessem buscar maior conhecimento sobre os dons do Espírito Santo. Em dezembro daquele ano, Parham pediu a seus alunos que procurassem nas Escrituras algum texto que indicasse a existência do batismo no Espírito Santo, tendo os alunos concluído que a experiência seria seguida pelo dom de línguas. Uma aluna chamada Agnes Ozman orou para receber o Espírito Santo e "a glória caiu sobre ela", conforme disse Parham. Afirmou ele ainda: "Um halo parecia cercar sua cabeça e seu rosto, e ela começou a falar o idioma chinês. Ela não foi capaz de falar inglês por três dias." A maioria dos alunos relatou experiência similar. Os eventos se sucederam em Kansas City e em outros lugares, mesmo em outros estados por onde Parham passou, até que outra escola bíblica fosse fundada por ele em Houston, no Texas, onde William Seymour se apresentou como aluno.
A partir de William Seymour, o pentecostalismo começou a tomar forma, a chamar a atenção nacionalmente e a se propagar por todo o mundo. A Rua Azusa 312 em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos, tornou-se um marco na história dos movimentos de reavivamento a partir do século XX, assunto que será objeto do próximo segmento.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

42. OS DESPERTAMENTOS DO SÉCULO XX

“Em Deus está a minha salvação e a minha glória; a rocha da minha fortaleza e o meu refúgio estão em Deus”. (Salmos 62:7)

O século XX foi marcado por grandes eventos mundiais, que tendiam para a globalização e que tiveram seus reflexos na atuação da Igreja. Duas guerras mundiais, o comunismo (refletido principalmente nas revoluções russa e chinesa), a expansão da economia mundial na geração do atual consumismo, o crescimento da mídia (com o aparecimento do rádio, do cinema, da TV, do computador e da internet), a emergência feminina para uma maior visibilidade pública foram alguns fatores que fizeram os movimentos de reavivamento mudar sua forma de efetivação.
O reavivamento acontecido no País de Gales, em 1904, deu início ao despertamento no século XX. Liderado por Evan Roberts, um jovem de 26 anos, a partir da pequena cidade de Loughor, em poucos meses Roberts transformou o país, mais de cem mil pessoas aceitaram o senhorio de Jesus Cristo e a notícia se espalhou ao redor do mundo. Os galeses da Pensilvânia, nos Estados Unidos, realizaram movimento semelhante no país e, por volta de 1905, locais como Brooklyn, Michigan, Denver, Nebraska, Carolina do Norte e do Sul, Geórgia, bem como as Universidades Taylor e Yale foram envolvidos.
Paul Rader, pregador e radialista norte-americano, viveu o início da era do rádio, na década de 1920, e afirmou: “Não há nada na Bíblia que diga que o mundo deva ir à igreja; mas tudo na Bíblia diz para a Igreja ir até o mundo! O rádio leva o Evangelho para os que não vão à igreja!” Em 1922, houve a primeira transmissão de rádio nos Estados Unidos, marcando o início de pequenas estações radiofônicas de curto alcance, incluindo programas de variedades e religiosos. Em 1924, existiam no país 600 emissoras de rádio e, no mesmo ano, a evangelista Aimée Semple McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular, passou a transmitir os cultos em sua própria emissora, a partir de seu Angelus Temple em Los Angeles. McPherson abriu importante espaço para pregadores pentecostais ao aliar espetáculo, dramaticidade, cura divina e pregação em seus programas. Utilizando-se de diferentes estratégias para divulgar seu ministério, ela dirigia o “Gospel Car” durante suas viagens; caminhão, panfletos lançados de avião, participação em paradas com carro alegórico, sermões gravados vendidos ou distribuídos, muitos foram os recursos usados por McPherson, tendo deixado uma história de criatividade no evangelismo americano.
Oferecendo tantos recursos novos, o século teve grandes pregadores de grandes cruzadas, começando com Billy Sunday. William Ashley Sunday (1862-1935) viveu parte de sua infância em um orfanato, tendo abandonado a escolaridade normal para se tornar jogador de “basebol”, com uma carreira bem-sucedida de esportista por oito anos. Convertido em Chicago e casado, iniciou sua carreira de pregador ainda no final do século XIX.  Ordenado ministro presbiteriano em 1903, promoveu campanhas na primeira metade do século XX, com grandes auditórios sendo alcançados e milhares de conversões para Cristo.
O Fundamentalismo Cristão, fruto do século XX, surgiu nos Estados Unidos, em uma época na qual o cristianismo histórico enfrentava os efeitos deformantes da teologia liberal. Em cinco pontos, a crença fundamentalista inicial pode ser assim enunciada: a. inerrância (ou veracidade) das Escrituras; b. nascimento virginal de Cristo; c. expiação vicária de Cristo na cruz; d. ressurreição corpórea e segunda vinda de Cristo; e. historicidade dos milagres bíblicos. O Seminário Teológico Fuller foi importante para se criar um sentimento de unidade entre protestantes conservadores, sem levar em conta diferenças denominacionais, incentivando a pregação de um Deus vivo e preocupado com as aflições cotidianas das pessoas. Nessa linha conservadora, surgiu, no final da década de 1940, um líder que se tornou a face mais popular do fundamentalismo americano: Billy Graham.
Tendo estudado em importantes escolas, como Universidade Bob Jones e Wheaton College, William Franklin Graham Jr., nascido em 1918, atraiu a atenção da imprensa nacional em sua primeira cruzada evangelística em Los Angeles, em 1949, incentivado por Charles Fuller. Mensagem de arrependimento pessoal, visual arrojado e pregação vigorosa eram sua marca. Suas campanhas eram bem coordenadas e metódicas, com publicidade, treinamento de voluntários e encontros de oração. Falando ao coração de pessoas comuns, Graham dizia coisas como: “Não se trata de quantas almas você ganhou (para Cristo), quão grandes foram os encontros de que você participou. Trata-se do fato de você ter ou não sido fiel no lugar em que Deus o colocou. Se Deus o colocou para vender pneus de automóvel e você os vende com toda fé perante o Senhor e dá testemunho de Cristo em cada um, você ganhará a coroa!” No início da década de 1950, Graham começou a transmitir pelo rádio o programa “Hora de Decisão”. Em 1957, Billy Graham realizou uma gigantesca cruzada em Nova York, planejando-a com antecedência e com resultados bem-sucedidos. Billy Graham pregou no Brasil, no estádio do Maracanã lotado, por ocasião da reunião da Aliança Batista Mundial em 1960. Visando à edificação dos novos evangélicos recém-convertidos, Graham e Harold Ockenga criaram a revista Christianity Today em 1956, publicação que existe até hoje, com edição em português. Graham foi conselheiro espiritual de vários presidentes americanos, estando ligado à Convenção Batista do Sul dos EUA. Aproveitando-se do avanço da mídia nos últimos tempos, Graham já pregou pessoalmente para mais pessoas do que qualquer pregador da história ao redor do mundo, tendo superado, no presente século, a marca de dois bilhões de pessoas que já ouviram a mensagem do evangelho por seu intermédio.
A partir da década de 1960, televangelistas consolidaram seu espaço como formadores de opinião, começando com o pentecostal Pat Robertson nos Estados Unidos, que inaugurou seu próprio canal de TV, a Christian Broadcasting Network. Atualmente, boa parte dos pregadores evangélicos são polivalentes; além de possuírem programas de rádio, TV, utilizam livros, revistas, palestras, conferências, cruzadas, sermões gravados, bem como outros produtos disponibilizados em endereços na internet.
Os reavivamentos surgem durante tempos de declínio moral e espiritual, o que leva o povo de Deus a orar com intensidade. Drogas, pornografia, aborto, homossexualismo, além de outros fatores, são ataques modernos à sociedade, com reflexos diretos sobre as famílias que a constituem, provocando declínio moral e espiritual. A Igreja precisa estar alerta e em oração, em constante reavivamento, para que a fé seja mantida, divulgada e cresça, apesar das dificuldades. Muito ainda poderia ser dito sobre o assunto, mas reservamos os próximos fascículos para entender o maior de todos os movimentos de reavivamento, despertamento ou renovação carismática do século XX: o Pentecostalismo.

41. A IGREJA E OS REAVIVAMENTOS HISTÓRICOS

“E a glória do Senhor se alçou desde o meio da cidade e se pôs sobre o monte que está ao oriente da cidade”. (Ezequiel 11:23)

Tendo em vista a visão de aliança de Deus com os puritanos, John Winthrop, no início da colonização americana, escreveu: "Devemos considerar que seremos como uma cidade sobre a colina, em que os olhos de todo o povo estarão sobre nós". No entanto, à medida que o movimento puritano crescia e prosperava, ele se distanciou dos propósitos religiosos originais; a segunda e a terceira gerações estavam mais preocupadas com as coisas deste mundo do que com o estabelecimento do Reino de Deus na América. As igrejas foram-se esfriando e precisaram de um despertamento.
Reavivamento e despertamento são sinônimos. Jornais que acompanharam os acontecimentos da igreja em 1734, na época de Jonathan Edward em Northampton, Massachusetts, publicaram o seguinte: "Agradou a Deus ... dispensar sua livre e soberana graça na conversão de uma grande multidão de almas em um curto espaço de tempo, mudando-as de uma profissão de fé cristã fria e despreocupada a um livre exercício de todas as graças cristãs, bem como à prática poderosa de nossa santa religião”.
O primeiro grande despertamento de 1734-1743 começou com Jonathan Edwards (1703-1801) ainda como um jovem pastor. Na década de 1730, Edwards, que havia orado a Deus pedindo por “uma colheita”, viu o Espírito de Deus começando a trabalhar de maneira extraordinária e sua igreja começando a ser mais procurada por pessoas que buscavam a certeza de salvação. Aos poucos, isso mudou o clima espiritual da cidade. Cerca de 300 pessoas se converteram em seis meses, numa cidade de 1.100 habitantes. As notícias se expandiram e reavivamentos similares surgiram em uma centena de outras cidades. Partindo da Filadélfia, o inglês George Whitefield (1714-1770) juntou-se ao movimento e pregou para centenas de milhares de colonos, com resultados numericamente bastante expressivos.
De 1800 a 1840 ocorreu nos Estados Unidos o 2º Despertamento. Na virada do século, na população de mais de 5 milhões de habitantes do país, uma em cada quinze pessoas pertencia a uma igreja evangélica. Em 1824, Charles Grandison Finney (1792-1875) começou um ministério que converteria cerca de quinhentos mil pessoas para Cristo. Cerca de cem mil outras pessoas se converteram em Rochester, Nova York, em 1831, num movimento que se espalhou por cerca de mil e quinhentas cidades. Com as imigrações, por volta de 1850, a população do país chegou a vinte e três milhões de pessoas, das quais três milhões eram de membros de igrejas. Finney é apontado como iniciador do "banco dos ansiosos", lugar próximo do púlpito onde os pecadores eram reunidos pedindo orações.
Outros reavivamentos aconteceram, como o dos Homens de Negócio, de 1857-1858, partindo da cidade de Nova York e espelhando-se pelo país, com o acréscimo de cerca de um milhão a mais de crentes nas igrejas. Alguns consideram também o Reavivamento da Guerra Civil de 1861-1865, triste episódio envolvendo o Norte contra o Sul dos Estados Unidos por causa da escravidão, que acrescentou às igrejas cerca de trezentos mil soldados, considerando-se os dois lados.
Os reavivamentos urbanos de 1875 a 1885 começaram com Moody, numa época na qual centenas de milhares de pessoas foram convertidas e milhões de cristãos foram inspirados por aquele que foi chamado de “o maior ganhador de almas de sua geração”. Dwight Lyman Moody (1837-1899), tendo começado seu ministério em Boston, mudou-se para Chicago, onde começou ensinando uma classe de escola dominical formada por alunos pobres que ele próprio buscou nas ruas da cidade. Aos poucos, Moody viu seu ministério crescendo, sendo que, em 1871, seu trabalho em uma igreja em Chicago era bastante confortável, seguro e próspero. Sentindo-se chamado para viajar como evangelista, mas relutante em deixar sua zona de conforto, foi convencido pelo grande incêndio da cidade, que destruiu sua igreja, sua casa e os prédios onde ministrava, tornando impraticável a reconstrução do seu ministério. Moody viajou para a Inglaterra em 1873 e suas reuniões evangelísticas foram muito bem-sucedidas, tendo o evento tornado o pregador uma celebridade internacional dois anos após, ao retornar para os Estados Unidos. Pregando um evangelho simples, sem levar em conta divisões denominacionais, Moody viu sua influência expandir. Ele modernizou o movimento evangelístico, ao fazer aliança com os comerciantes, incentivando a contribuição para boas causas, como o cuidado dos pobres em áreas urbanas, por exemplo. Música, aconselhamento e posterior acompanhamento dos decididos eram partes de uma abordagem organizada para atingir o coração das pessoas. O Seminário de Northfield para moças e a Escola Monte Hermom para rapazes foram resultados do ministério de Moody em sua atuação. Ele foi o precursor de evangelistas como Billy Sunday e Billy Graham, contribuindo também para a ampliação do cuidado social aliado aos esforços evangelísticos.
No entanto, não foi somente na América que houve avivamento. Um jovem de dezenove anos chamado Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) foi convidado para pregar na capela da rua New Park, em Londres, uma igreja de grande prestígio na época. Depois do sermão, Spurgeon foi convidado a se tornar o pastor principal daquela igreja, mantendo-se no cargo por quase quarenta anos.
Tendo vindo da zona rural inglesa, com grandes dificuldades familiares iniciais, sendo seu avô e seu pai ministros congregacionais, Charles frequentou inicialmente uma escola agrícola, não tendo tido acesso às grandes escolas da Inglaterra. Spurgeon logo demonstrou ter o dom da oratória, tendo se tornado pastor de uma pequena Igreja Batista em Waterbeach, onde seu estilo direto chamou a atenção sobre o "jovem pregador" e motivou o convite da igreja citada no início.
Quando Spurgeon assumiu a igreja, o prédio comportava cerca de mil pessoas, mas reunia na época apenas uma centena; havia cerca de oitenta pessoas no seu primeiro culto. Com sua eloquência, a audiência da igreja cresceu, lotando em pouco tempo o grande templo; a igreja alugou então um teatro com capacidade para 4 500 pessoas.
Criticado inicialmente pela imprensa de Londres, com expressões como “de mau gosto, vulgares e teatrais" para seus sermões, além de afirmarem ser seu estilo "ordinário e coloquial, repleto de extravagâncias”, sua plateia chegou a 10 mil pessoas ou mais.
Sermões, comentários e livros devocionais foram publicados por Spurgeon. Batista de convicção calvinista, seu estilo simples e direto apresentou o calvinismo às classes mais simples e introduziu a sinceridade da fé batista às igrejas das classes mais abastadas. Além de Spurgeon, o movimento de avivamento contou com outros pregadores em Londres, que também atraíam multidões.
Com a chegada do século XX, grandes acontecimentos históricos influiriam na continuação dos movimentos de despertamento da Igreja, conforme veremos a seguir.

40. A IGREJA E AS SEITAS

“Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel? E disse-lhes: Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder”. (Atos 1.6b-7)

Segundo Wayne Gruden, “profetizar é dizer algo que Deus traz de modo espontâneo à mente”. A definição amplia a ideia de que profecia é um relato no qual se afirma prever acontecimentos futuros, segundo comumente se crê, mas não a elimina. O texto acima refere-se a uma pergunta sobre previsão futura profética feita por Cristo e sua resposta aos discípulos, antes de ascender aos céus. O relato a seguir tem a ver com esta profecia.
William Miller, um fazendeiro americano, oriundo de uma família ligada à igreja batista, após conversão na década de 1810, começou a ler a Bíblia, principalmente Daniel e Apocalipse, muito interessado em profecias futuras. Procurava ele descobrir a data da volta de Cristo e do final dos tempos. Após leitura, comparações históricas e cálculos realizados, o ano encontrado foi 1843 para o segundo advento de Cristo. Desde então, autorizado por sua igreja batista, saiu a proclamar o advento por toda a costa leste dos EUA. O movimento se espalhou, ganhando muitos adeptos. Com o passar dos anos, ao chegar 1843, não ocorreu a volta de Cristo. Miller, então, refazendo as contas, marcou o evento para o dia 22/10/1844. Naquele dia, milhares de pessoas, vestidas de branco, passaram a noite toda esperando a volta de Cristo e ficaram novamente decepcionadas, porque nada ocorreu. A partir de então, segundo explicam os adventistas, três grupos se formaram: no primeiro, alguns membros do movimento o abandonaram, regressando às suas igrejas de origem; no segundo grupo, pessoas desiludidas com os acontecimentos abandonaram a fé; o último grupo, os que ficaram, procurou encontrar resposta para a falha na previsão. Após pesquisas, contas e orações a partir de 1844, o grupo chamado de adventista ouviu de um dos integrantes, chamado Hiram Edson, sua visão: “Vi distinta e claramente que o nosso Sumo Sacerdote, em vez de sair do lugar santo do santuário celeste, para vir à terra no dia sétimo do mês, ao fim de dois mil e trezentos dias, entrava naquele dia pela primeira vez no segundo compartimento do santuário e tinha uma obra a realizar no lugar santíssimo antes de voltar à terra”. Segundo a visão, o santuário mencionado em Daniel está no céu e não na terra. Cristo teria ido na data prevista para esse santuário celestial. A sua volta para a purificação do santuário na terra depende do complemento da obra no santuário celestial. A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem seu nome dado em função da história relatada, bem como da santificação do dia do sábado. Na sua doutrina sobre a vida cristã, os adventistas afirmam que Deus, “que deseja que vivamos em plenitude e equilíbrio”, ordenou que consumamos “somente aquilo que alimenta nosso corpo e mente”.  Por isso, mantêm os adventistas orientações estritas quanto à alimentação. Outro fator preponderante na fé adventista é a crença contínua em profecias, tendo em Ellen White uma profetisa muito importante. 
As Testemunhas de Jeová constituem uma igreja fundada por Charles Taze Russell, o qual, acompanhado de alguns seguidores, formou um pequeno grupo de estudos da Bíblia, em Allegheny (hoje Pittsburg, Pensilvânia), nos Estados Unidos. Para publicar as suas pesquisas bíblicas, Russell começou a publicar A Sentinela, formando grupos de Estudantes Internacionais da Bíblia entre as pessoas que recebiam a revista. As Testemunhas de Jeová são uma denominação que possui adeptos em 240 países e territórios, com cerca de 8 milhões de praticantes. Seus seguidores são conhecidos pelo trabalho regular e persistente de pregação das duplas, de casa em casa, nas ruas e em locais públicos, testemunhando de seus princípios e dogmas. Chamando a Deus de “Jeová”, a igreja é cristã, possuindo, porém, sobre Jesus uma compreensão diferente das demais igrejas. Do portal das Testemunhas de Jeová copiamos o seguinte texto: “Seguimos os ensinos e o exemplo de Jesus Cristo. Nós o consideramos como nosso Salvador e o Filho de Deus. (...) Mas aprendemos na Bíblia que Cristo não é o Deus Todo-Poderoso, ou seja, a Bíblia não apoia a doutrina da Trindade". Com relação ao Reino de Deus, crê a igreja que, para reinar com Jesus no seu Reino, 144.000 pessoas serão ressuscitadas. Após completado o número, Deus abençoará aos crentes que excederem o número bíblico com saúde perfeita e vida eterna num paraíso na Terra. Com relação à morte, afirmam eles que Deus vai trazer bilhões de pessoas de volta à vida por meio da ressurreição e, após isso, os que se recusam a fazer o que Deus quer serão destruídos para sempre, sem qualquer esperança de ressurreição. Não creem eles em um inferno de fogo. Quanto a valores da vida material, existe um apego (baseado na Bíblia, segundo a igreja), principalmente quanto à neutralidade política, à moralidade sexual e à recusa em aceitar transfusões de sangue.
A história da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias começa na primavera de 1820, com Joseph Smith Jr., aos quatorze anos de idade, buscando saber qual era a "igreja verdadeira". Smith afirmou ter tido uma visão do Pai Celestial e de seu Filho, Jesus Cristo, na qual Deus Pai lhe disse: “Este é Meu Filho Amado. Ouve-o!” A orientação era para ele não se unir a nenhuma das igrejas existentes naquele tempo, pois a igreja de Jesus Cristo não estava na terra. Numa segunda visão, Morôni teria aparecido a Smith na forma de um anjo, falando-lhe sobre um livro escrito em placas de ouro em caracteres até então desconhecidos, que posteriormente ele traduziu, o “Livro de Mórmon”. Juntamente com a Bíblia, Doutrina e Convênios e Pérola de Grande Valor, o Livro de Mórmon é considerado escritura divina para os santos. Seguiram-se outras visões e eventos até que a igreja fosse organizada em 1830, com apenas 6 pessoas (número mínimo exigido pela lei americana). Brigham Young foi o líder que dirigiu o povo até a região central dos EUA, no atual estado de Utah.  A mensagem da Igreja conquistou não apenas seguidores como também inimigos políticos e religiosos. Embora a salvação em Cristo esteja presente, existe toda uma série de doutrinas e de fatos na crença mórmon que não são encontrados em outras igrejas cristãs. 
David Koresh e o Ramo Davidiano, Jim Jones e o Povo do Templo e outros são exemplos de seitas destrutivas do século XX. De acordo com os dicionários, seitas são doutrinas ou sistemas que divergem da opinião geral, geralmente presentes em comunidades fechadas, de cunho radical. Os três exemplos estudados se enquadram na definição, bem como, em alguns aspectos, certos grupos modernos, como o da Congregação Cristã no Brasil, por exemplo, ao divergirem da opinião geral na afirmação de que são os únicos que defendem a verdade. Sectário é o grupo que se separa do todo, cortando sua história de origem das demais, como sendo o único dono da verdade evangélica.  

quinta-feira, 7 de abril de 2016

39. OS HUGUENOTES: A REFORMA NA FRANÇA

“O Espírito do Senhor Jeová está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos e a abertura de prisão aos presos”. (Isaías 61:1)


Tendo surgido no norte da Europa, acima dos Alpes, a Reforma Protestante pouco influenciou inicialmente os países abaixo da cordilheira, principalmente aqueles de cultura e língua oriundas do latim. Por causa de acontecimentos e circunstâncias próprias, vamos dedicar uma atenção especial à Reforma Protestante na França.
No século do movimento, prevalecia ainda na Europa Ocidental o domínio do Sacro Império Romano-Germânico, tentando unir muitos países de formação tão diferenciada sob o mesmo governo. Na época da Reforma, na França, Jacques Lefevre (1455-1536) foi o humanista bíblico francês que polarizou a atenção de um grupo para reformar a igreja católica romana de dentro para fora no país, a fim de que ela mais se aproximasse do modelo das Escrituras. O grupo foi contido e expulso pela realeza francesa.
Na época de Calvino, esse movimento, bem como os ensinos de Lutero, chamaram a atenção dos franceses, em busca de um caminho pelo qual poderia vir a Reforma. O calvinismo chegou à França católica em meados do século XVI. Segundo Earl Cairns, faltou inicialmente ao movimento huguenote na França uma liderança eficaz, chegando mesmo a ser o grupo perseguido pelo governo no seu início. Calvino tentou liderar tanto os protestantes franceses como os de Genebra, tendo enviando para a França pastores por ele orientados. Missionários de Estrasburgo e outras cidades calvinistas foram para a França e com isso o movimento cresceu, tornando-se tão poderoso e bem organizado que acabou se constituindo em “um reino dentro de um reino”. Estabelecida oficialmente em 1559, a igreja protestante francesa contou num momento inicial com 72 congregações em Paris. Posteriormente chegaram a existir na França cerca de duas  mil igrejas e 400 mil huguenotes, nome dado aos protestantes franceses.
No século XVI, quem comandava de fato a França não era a coroa, mas sim a Igreja Católica, totalmente comprometida com a realeza e a nobreza. A França tinha um jovem rei, Carlos IX, mas quem de fato dava as ordens era sua mãe, Catarina de Médici. Para amenizar os conflitos religiosos na época, a casa real francesa fez um pacto de não agressão com os huguenotes, que eram da linha calvinista. Foi nomeado um conselheiro huguenote, o almirante Coligny; Margot, irmã de Carlos IX, foi oferecida em um casamento arranjado ao nobre huguenote Henrique de Navarra, realizado esse realizado na Catedral de Notre Dame.
Um atentado contra Coligny, impetrado por ordem da rainha, embora fracassado de início, abalou a frágil trégua estabelecida. Os católicos espalharam boatos de que os huguenotes estariam se preparando para se vingarem do atentado, e o rei, por pressão de sua mãe, ordenou a execução de Coligny. Depois dessa execução, ao amanhecer do dia 24 de agosto de 1572, dia consagrado pelo catolicismo a São Bartolomeu, começou o massacre dos huguenotes, estendendo-se até o final do mês. Cerca de 3 mil protestantes foram brutalmente assassinados pelos católicos numa só noite em Paris, continuando a perseguição por meses, o que resultou na morte de dezenas de milhares de pessoas no total. Completando o triste episódio, após os acontecimentos, o Papa Gregório XIII mandou rezar uma missa, bem como cunhar uma moeda comemorativa (onde anjos de espada na mão eliminam os opositores) e pintar um mural celebrando o massacre.
Henrique de Navarra, que optara pelo catolicismo, ficou quatro anos preso no Louvre, tendo conseguido fugir para a Espanha. Anos mais tarde, ele se tornou rei da França e, com o Edito de Nantes, concedeu razoável liberdade religiosa aos huguenotes, e com isso os protestantes tiveram um breve período de paz. O cardeal Richelieu rescindiu alguns de seus privilégios políticos em 1629, e Luís XIV oficialmente revogou o Edito de Nantes em 1685. O controle católico sobre a França foi novamente desafiado somente um século mais tarde, com o advento da Revolução Francesa.
Na Revolução Francesa, muitos dos revolucionários eram deístas, acreditando na natureza ou na comunicação direta com Deus, sem intermediários. Os revolucionários substituíram o credo religioso pelo Patriotismo e pelo culto da Fraternidade. Algumas igrejas foram depredadas e a separação formal entre igreja e estado foi decretada em 1795; o país tornou-se uma república em 1798 e o Papa Pio VI foi declarado prisioneiro francês, sendo retirado de Roma e acabando por morrer em Valência, em 1799; seu falecimento foi registrado como o de "Jean-Ange Braschi, exercendo a profissão de pontífice". Foi realizado um Festival da Razão na Catedral de Notre-Dame, tendo sido a própria igreja declarada Templo da Razão, com uma montanha cenográfica e um Templo da Filosofia construído em seu interior. Tentou-se a substituição da Bíblia por textos que misturavam as doutrinas de Moisés, Cristo, Confúcio e Maomé. Finalmente, anos depois, o imperador Napoleão Bonaparte reconheceu oficialmente que o catolicismo era "a religião da grande maioria do povo francês", reabrindo as igrejas em 1802. Atualmente, o protestantismo reformado não tem exercido grande influência na França e os protestantes são uma pequena minoria da população.
Despertamentos ou avivamentos foram movimentos constantes na trajetória da Igreja nos últimos séculos, assunto a ser abordado no fascículo seguinte.