20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

domingo, 20 de março de 2016

36. O PIETISMO E OS MORÁVIOS

“Não há dúvida de que é grande o mistério da piedade: Deus foi manifestado em corpo, justificado no Espírito, visto pelos anjos, pregado entre as nações, crido no mundo, recebido na glória”. (1 Timóteo 3.16)

De acordo com o livro “História da Igreja em quadros”, de Robert C. Walton, existe um efeito-pêndulo ao longo da história da igreja, com movimentos que oscilam entre a “emoção” e a razão. Partindo do Cristianismo bíblico inicial equilibrado, surgiram, alternando emoção (e) com razão (r): o Montanismo (e), o Gnosticismo (r), o Monasticismo (e), o Escolasticismo (r) e o Misticismo Medieval (e); a partir da Reforma, surgiram o Racionalismo (r), o Pietismo (e), o Liberalismo (r) e, no século XX, o Pentecostalismo (emoção), que divide o Cristianismo atualmente com o Tradicionalismo Cristão (razão). Assim sendo, como reação ao Racionalismo, que deu origens  aos inimigos da fé e ao deísmo, surgiu no século XVIII o Pietismo.
Desejos Piedosos (Pia Desideria) é o nome de um livro publicado em 1675 por Philip Jacob Spener (1635-1705). Na obra, Spener apresenta suas ideias para a vida cristã piedosa, que se baseia em seis tópicos. De início, ele desejava uma compreensão mais profunda das Escrituras, com reflexo na vida cotidiana; sugeria para isso reuniões de pequenos grupos nas casas. Em segundo lugar, Spener sugeria que os leigos assumissem mais responsabilidades dentro da igreja, com base no sacerdócio de todos crentes. Em terceiro lugar, procurava ele resgatar a importância da experiência pessoal com Deus, ou seja, a conversão. Em quarto lugar, Spener sugeria que se evitasse o conflito teológico entre diferentes grupos cristãos; se fossem inevitáveis, os debates deveriam ser promovidos em um espírito de amor, restritos às questões essenciais da fé e deixando de lado itens de menor importância. Quanto aos pastores, em seguida, Spener defendia o pastoreio das ovelhas, o relacionamento com os leigos, com base no conhecimento bíblico e teológico. Em último lugar, o autor incentivava sermões que aplicassem as Escrituras à vida cotidiana, inspirando, informando e promovendo a edificação espiritual.
Surgido na Alemanha, na parte final do século XVII, no seio de uma Igreja Luterana que havia abandonado sua ênfase na fé pessoal, na busca da doutrina correta, o livro de Spener mudou o protestantismo. Sua ênfase era no aspecto individual da conversão e do relacionamento com Deus, quando a institucionalização da igreja parecia imperar: “a religião formal não produzirá qualquer efeito se a pessoa não nascer de novo” refletia Spener.
Embora criticado pela liderança formal da igreja luterana, Spener viu sua obra crescer, tendo deixado Frankfurt e mudado para Dresden e depois para Berlim. Em Berlim, Spener e August Francke fundaram a Universidade de Halle em 1694, instituição que se tornou um centro de evangelismo e de missões. Embora criticado pelo clero, Spener atingiu com sua visão os leigos. “Nas igrejas que adotaram seus ensinamentos, a vida familiar foi melhorada, os padrões morais foram elevados e as pessoas aprenderam que o cristianismo significava muito mais do que simplesmente concordar com um catecismo”, afirma Kenneth Curtis em “Os 100 acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo”. Pequenos grupos, a leitura da Bíblia, bem como um grande impulso à produção de hinos foram alguns dos resultados positivos do Pietismo.
O texto de Paulo a Timóteo acima, que aparece no original em forma de poema e talvez tenha feito parte de um antigo credo da Igreja, mostra que a “piedade” de Deus em Cristo, manifestada em corpo, justificada no Espírito, vista pelos anjos, crida no mundo e recebida na glória, foi também “pregada entre as nações”. Pouco mais de 20 anos após a morte de Spener, aconteceu em Herrnhut, pequena cidade ainda existente na Alemanha uma reunião dos irmãos morávios nas terras do conde Nicolaus Von Zinzendorf, no dia 27 de agosto de 1727. Na reunião, 24 homens e 24 mulheres comprometeram-se a orar uma hora por dia em uma vigília de oração por missões. Zinzendorf, o líder da comunidade, havia conhecido pessoalmente alguns nativos das Índias Ocidentais e da Groenlândia em uma reunião em Copenhague, tendo regressado a Herrnhut cheio de fervor missionário. A partir de então, dois missionários foram enviados às Ilhas Virgens, seguidos de outras missões para a Groenlândia, Geórgia e Pensilvânia (EUA), além do Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, Argélia, Guiana, Jamaica, Antígua e outros locais. Uma missão foi enviada aos judeus em Amsterdã, e posteriormente Egito, Labrador, Espanha, Ceilão, Romênia e Constantinopla foram também locais alcançados. Até 1760, o ano da morte de Zinzendorf, os morávios haviam enviado 226 missionários a dez países e cerca de 3.000 convertidos tinham sido batizados.
Busquem os primeiros frutos, preguem a Cristo, vão para os povos esquecidos, trabalhem pelo reino de Cristo, sejam auto-sustentados: estas eram as orientações dadas por Zinzerdorf aos missionários.
Com o seu zelo por Cristo, os irmãos morávios escreveram uma das páginas mais nobres das missões cristãs em todos os tempos. Nenhum grupo protestante teve maior consciência do dever missionário nem demonstrou tamanha consagração a esse serviço em proporção ao número de seus membros. Com seu heroísmo, apego às Escrituras e consagração a Deus, os irmãos morávios, embora pouco numerosos, exerceram uma forte influência espiritual sobre outros grupos e movimentos protestantes. John Wesley e William Carey foram líderes cristãos com a vida impactada pelas missões morávias.
Segundo a Geografia, Morávia é o nome de uma região histórica da Europa Central, formada atualmente pela parte oriental da República Checa. A região da antiga Morávia teria hoje fronteiras com a Áustria, a Eslováquia e a Polônia. O nome Morávia liga-se ao rio Morava, às margens do qual um grupo de eslavos se estabeleceu a partir do ano 500 DC.
O Pietismo de Spener e os Irmãos Morávios de Zinzerdorf muito contribuíram para que a Igreja protestante voltasse à linha piedosa do relacionamento individual entre o homem e Deus, bem como ingressasse na linha missionária, dando cumprimento à Grande Comissão deixada por Cristo como tarefa individual e coletiva a seus seguidores. Nessa linha, tanto na forma piedosa individual quanto na forma missionária coletiva, surgiu na Inglaterra novo líder e nova denominação, assunto a ser visto abordado no próximo fascículo.

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