20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

sábado, 12 de março de 2016

34. PROTESTANTISMO COMO REVOLUÇÃO

"Estes que têm alvoroçado o mundo chegaram também aqui...” (Atos 17.6b)

Estudado exaustivamente como Reforma Protestante, o movimento que teve em Lutero seu iniciador no século XVI, passou a ser encarado pelos mais recentes estudos dos historiadores como uma revolução, no sentido mais amplo de “transformação radical, às vezes violenta, de uma estrutura política, econômica e social”, com reflexos também nas áreas artísticas e científicas dominantes em uma determinada época. O evento protestante, conforme já se abordou anteriormente, ocorreu em um momento de grandes transformações que atingiram a Europa Ocidental, em especial a partir do século XV. É verdade que não foi o protestantismo a única causa dessa revolução, mas com certeza ele participou, com sua influência, das mudanças que levaram o mundo ocidental a deixar o medievalismo e a entrar na chamada Idade Moderna. Política, trabalho, economia e educação, além da própria igreja, talvez tenham sido as áreas mais revolucionadas pela Reforma Protestante.
Aristóteles, em seu livro “A República”, considera o governo como autoridade máxima impregnada no Estado. Derivam daí as diferentes formas de governo humano: monarquia, ou governo de uma só pessoa; aristocracia, ou governo da elite econômica; democracia, ou governo do povo; teocracia, ou governo de Deus. Oligarquia, tirania e demagogia aparecem como corrupções da forma de governo. Monarquia e aristocracia eram as formas de governo mais usadas durante grande parte dos séculos nos quais transcorreu a história da Igreja. Tendo surgido na Grécia, a democracia somente se impôs como forma dominante após o século XVI. A teocracia esteve presente em muitos momentos e era predominante no século XV. Separação entre Igreja e Estado (o chamado “estado laico”) é conquista dos dois últimos séculos. O governo da Igreja, inicialmente episcopal durante todo o desenvolvimento do catolicismo, criou também na Época Moderna as formas presbiteral e congregacional.
Os gregos consideravam o trabalho com as mãos indigno do homem livre; o trabalho intelectual era dos sábios e o manual, dos escravos. Na Roma Antiga, os patrícios dedicavam-se mais à pecuária, enquanto a plebe realiza a atividade agrária. Na Idade Média, vinculado à igreja, o trabalho era considerado penitência para o pecado. A divisão medieval entre senhores feudais e servos definia o trabalho manual dos vassalos a serviço do suserano e seus nobres no castelo. Com a reforma protestante, o trabalho aparece como fundamental para a vida. A fé deve ser reforçada pelo trabalho. A dedicação ao trabalho é louvada, estimulando-se a poupança ou o investimento do capital.
Como existe uma interdependência entre acontecimentos políticos e econômicos, a história da economia e da política se relacionam às histórias da religião, da teologia, da filosofia, da matemática e da ciência. Na Idade Média, Tomás de Aquino (1225-1274) ensinava que preços crescentes em resposta à alta demanda de um produto eram um tipo de roubo. As discussões medievais sobre economia passam por Duns Scot (1265-1308) e evoluem do aspecto local da Idade Média e do declínio dos senhores  feudais para o fortalecimento de novas estruturas econômicas nacionais, pois, a partir do final do século XV, novas oportunidades para o comércio com o Novo Mundo e a Ásia se abriram. Novas monarquias queriam um estado poderoso para aumentar sua colonização, tendo sido o mercantilismo um movimento político e uma teoria econômica que defendia o uso do poder militar para assegurar mercados locais e proteger as fontes de matérias-primas. Com o advento do protestantismo, capitalismo e calvinismo surgiram concomitantemente, a partir do século XVII.  No catolicismo, o acúmulo de capital era visto como pecado, no calvinismo passou a ser visto como atitude louvável. Calvino aprovava a geração de riqueza, mas não o esbanjamento dela. Segundo Weber, o calvinismo gerou as precondições psicológicas essenciais para o desenvolvimento do capitalismo moderno. Karl Marx argumentava que o surgimento do capitalismo moderno trouxe o protestantismo à existência.
Para o bom desenvolvimento de qualquer sociedade, ressalta-se a importância da educação. No antigo Israel, a educação estava ligada ao Estudo da Torah (a Lei), ou Pentateuco. Começando nos lares, quando os israelitas se estabeleceram na Palestina, surgiram várias escolas. A finalidade era preparar lideranças espirituais para o povo, além do ensino da leitura e da escrita, para que se pudessem ler os Livros Sagrados. Posteriormente, a instrução passou a ser oferecida nas sinagogas. O sistema de ensino romano foi baseado no grego, sendo que muitos dos professores particulares no sistema da época eram escravos. A educação organizada era relativamente rara nos primeiros séculos da Era Cristã, sendo que o nível e a qualidade da educação oferecida às crianças romanas variavam de família para família, visando principalmente ao menino. Na Idade Média, a educação teve grande influência religiosa, sob liderança da estrutura católica. Havia escolas paroquias, voltadas para a formação de padres; escolas monásticas, para a formação de monges; escolas palatinas, para a formação mais ampla dos filhos de nobres. Latim, canto gregoriano, textos sagrados (entre eles a Bíblia), filosofia e outros eram os temas estudados nessas escolas. Grande parte dos estudantes da Idade Média vinha da nobreza, pois somente ela possuía recursos financeiros para manter os filhos nas escolas. Não se pensava ainda em escola pública. A ideia inicial da popularização da escola surgiu com Lutero. Anos mais tarde, Calvino afirmaria: “É necessário educar as próximas gerações (...), um colégio deve ser instituído para instruir as crianças, preparando-as para o ministério e para o governo civil”. A contribuição da Reforma Protestante para a popularização da educação é inegável, pois sua liderança não estava somente preocupada com a formação espiritual do indivíduo, mas buscava também fornecer-lhe uma base cultural sólida visando a contribuir para que o mesmo pudesse ser útil não somente ao serviço sagrado, mas também à sociedade. Outros aspectos relevantes das consequências trazidas pelo Protestantismo, que revolucionaram o mundo a partir da Europa Ocidental, poderiam ser abordados; cremos, porém, que o que já se desenvolveu demonstra adequadamente esse aspecto do movimento.
Pode-se afirmar que a Reforma mudou a face da Europa, por meio das mudanças sociais e políticas que gerou e também por causa de algumas ideias novas e perigosas que desenvolveu no continente. A reforma foi fundamental para efetuar a transição da noção medieval de ordem mundial, fundada sobre uma ordem imaginada como natural e eterna para uma ordem moderna fundada sobre mudanças. A Genebra Calvinista foi uma república ideal, que talvez tenha servido de influência para a Revolução Francesa. Toda transformação radical revolucionária gera, num primeiro momento, destruição do velho para construção do novo, e esse momento não é, em geral, edificante. Assim foi com o Cristianismo, que enfrentou problemas sérios criados pela nova ordem de coisas gerada a partir do século XVI, assunto a ser abordado na continuação.

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