20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

segunda-feira, 21 de março de 2016

38, "Amplia o lugar da tua tenda..." AS MISSÕES PROTESTANTES

“Amplia o lugar da tua tenda, e as cortinas das tuas habitações se estendam; não o impeças; alonga as tuas cordas e firma bem as tuas estacas.  Porque trasbordarás à mão direita e à esquerda; e a tua posteridade possuirá as nações”. (Isaías 54.2-3)

Com o advento da Reforma, Catolicismo e Protestantismo seguiram separados e diferenciados quanto às missões a outros povos. O catolicismo romano, mais organizado havia séculos, deu sequência à sua catequese, atingindo até mesmo a América. Os protestantes, em fase de organização, levaram algum tempo até se lançarem aos campos missionários. A ação missionária mais abrangente teve início na Morávia.
Conforme já foi abordado, o fervor dos Irmãos Morávios por missões começou com uma forte ênfase na oração: em 1727, 24 homens e 24 mulheres comprometeram-se em uma vigília contínua de oração. Índias Ocidentais, Groenlândia, Turquia e Lapônia foram os locais para onde mais de duas dezenas de voluntários se encaminharam inicialmente. Em 1792, 65 anos após a vigília, 300 missionários haviam sido enviados até os confins da terra. Vidas como as de João Wesley e William Carey e organizações como a Sociedade Missionária de Londres (1795) e a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804) foram impactadas e fizeram diferença na disseminação das missões ao redor do planeta.
As missões protestantes modernas tiveram seu início com o batista William Carey (1761-1834). Carey teve uma infância pobre, numa família que vivia com dificuldades. Ávido leitor, tendo uma saúde precária, ele aprendeu o ofício de sapateiro. Aos poucos, foi desenvolvendo três profissões: sapateiro, professor e pastor. Casado, enfrentou problemas domésticos com a morte de um filho e a falta de equilíbrio emocional da esposa, mas nada o desviava do foco: levar Cristo às nações, representadas na sua oficina de sapateiro por um mapa mundial, onde incluía informações manuscritas sobre população, flora, fauna, características dos indígenas e outras. Procurou então influenciar pessoas e lideranças, tendo encontrado grandes dificuldades iniciais, até que conseguiu a fundação da Sociedade Missionária de Londres no final do século XVIII. Em 1793, após idas e vindas, William Carey partiu para a Índia, fixando-se em Serampore, onde desenvolveu notável trabalho. "Espere grandes coisas de Deus; faça grandes coisas para Deus": esta frase dita por ele resume bem sua vida.
Em 1812, enquanto Carey ainda pregava na Índia, Adoniram e Ann Judson viajaram para lá em lua-de-mel. Haviam sido indicados como missionários pela recém-criada Comissão para Missões Estrangeiras da Igreja Congregacional dos Estados Unidos. Acompanhava-os na viagem Luther Rice, também um missionário. Durante a viagem, liam a Bíblia e discutiam, principalmente sobre o batismo. Em seus estudos teológicos, Judson acabou chegando à conclusão de que os congregacionais estavam errados sobre a forma do batismo, e os batistas, certos. Ao chegarem à Índia, foram batizados por imersão e, impedidos de pregarem naquele país, partiram para a Birmânia, onde o casal realizou um grande trabalho. Luther Rice voltou para a América, para apresentar aos congregacionais a demissão do trio e mobilizar os batistas para missões.
Criado em um lar metodista, Hudson Taylor (1832-1905) havia sempre ouvido histórias sobre a China contadas por seu pai, que era pastor. A obra de Robert Morrison em Guangzhou em 1807 foi parte do que ele ouviu até os dezessete anos, quando se converteu e sentiu seu chamado. Estudou medicina, teologia, e tudo o que pode sobre a China. Taylor tinha 22 anos quando chegou a Xangai, em 1854. Sem falar chinês, sem ninguém que o recepcionasse e com uma guerra civil acontecendo bem nos arredores da cidade, Taylor perguntou no consulado britânico sobre conhecidos missionários ocidentais; um havia morrido, outro voltara para casa; Taylor finalmente localizou o dr. Walter Medhurst, da Sociedade Missionária de Londres. Foi difícil acostumar-se naquele país de cultura tão diferente da britânica, mas ele conseguiu se identificar com o povo, começando pela roupa: "Estou plenamente seguro de que as vestimentas nativas são um pré-requisito absoluto", escreveu ele, surpreendendo seus amigos na Inglaterra. Em vez de impor sua cultura ao povo chinês, Taylor preferia aculturar-se a eles para ser bem aceito. Partindo de Xangai nos anos iniciais, aprendeu o idioma, traduziu as Escrituras e até dirigiu um hospital. Após algum tempo, de volta para a Inglaterra, Taylor escreveu livro, fez palestras e influenciou pessoas para o trabalho missionário, conseguindo levar 16 novos missionários com ele de volta para a China em 1866. Quando Taylor morreu, em 1905, havia 205 campos missionários, 849 missionários e cerca de 125 mil cristãos chineses.
Desde adolescente, David Livingstone (1813-1873) entendia que fé e ciência deveriam andar juntas. Um panfleto chamando médicos missionários para a China atraiu sua atenção, mas as circunstâncias políticas não eram favoráveis ao empreendimento. O trabalho pioneiro do missionário Robert Moffat no sul da África abriu para ele uma nova opção. Por dez anos, Livingstone trabalhou entre o povo tswana e viu apenas um convertido. Atacado por um leão, ele ficou seriamente ferido, sendo cuidado por Mary, a filha de Moffat, com quem acabou se casando. Livingstone viu que as condições para o evangelismo na África eram ruins e não concordava com o sistema usado pelas equipes. Falta de conhecimento sobre a cultura africana e más experiências com os mercadores de escravos eram barreiras para o evangelho. Deixando sua família em segurança na Inglaterra, Livingstone partiu em nova expedição para atravessar o continente africano. Começando pelo rio Zambeze, procurou uma rota fluvial que cruzasse o continente do oceano Índico até o Atlântico. Viajando rumo a oeste, tendo enfrentado doenças, secas e ataques de tribos hostis e de animais selvagens, Livingstone alcançou o Atlântico em 1854. Refez a viagem para leste, por outra rota, alcançando a costa do oceano Índico dois anos depois. Voltou, então, para a Inglaterra, sendo recebido como herói, em façanha equivalente na época à exploração espacial dos dias atuais. Livingstone estabeleceu uma nova visão geográfica de comércio e de erradicação da escravidão em seu trabalho missionário; “Viagens Missionárias”, livro por ele escrito em 1857, teve grande repercussão. Livingstone voltou à África ainda uma vez mais, como agente do governo britânico, mas seus empreendimentos não foram bem sucedidos e sua vida familiar com Mary tornou-se mais difícil, culminando com a morte da esposa. Retornando à Inglaterra em 1864, porém, teve uma recepção oposta à anterior, fato que o levou de volta ao seu amado continente africano, para novas incursões e tentativas de descobertas. Anos após, sem muita informação a respeito do explorador, o repórter Henry M. Stanley, do jornal New York Herald, o descobriu em 1871, no lago Tanganica, mas não foi capaz de convencê-lo a voltar para casa. Livingstone morreu em 1873. Seu coração foi enterrado na África e seu corpo voltou para a Inglaterra, onde foi sepultado com honras na abadia de Westminster.
Livingstone, Taylor, Judson, Carey e outros criaram condições iniciais para o crescimento do cristianismo nos continentes africano e asiático.

37. WESLEY E O METODISMO

37. “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”. Romanos 10.17


Samuel Wesley foi um ministro da chamada “alta igreja anglicana” que, dado o momento vivido e também a sua atuação, não foi muito apreciado em seu ministério. Em 1709, sua casa paroquial foi incendiada e seu filho John foi salvo por um milagre, como um “tição retirado do fogo”. Seus filhos John e Charles Wesley, dois entre muitos irmãos numa família muito numerosa, foram grandes responsáveis por ministérios pessoais dentro da Igreja Anglicana, os quais seriam fundamentais para o cristianismo a partir do século XVIII.
O movimento metodista teve seu início na Inglaterra, em uma época na qual a sociedade inglesa, como grande parte da Europa, passava por rápidas transformações; milhares de pessoas saíam da zona rural, controlada por grandes proprietários, para procurar trabalho nas novas indústrias das cidades. Era uma época em que o povo vivia na miséria, trabalhando longas horas e só ganhando o mínimo necessário para sua sobrevivência. As pessoas moravam em cortiços, sem as mínimas condições e, quando ficavam doentes, não tinham acesso a médicos. As crianças não iam à escola porque, em geral, trabalhavam para ajudar a seus pais. Havia grande número de viciados, especialmente de alcoólatras. A Igreja Anglicana era a igreja oficial, mas não se preocupava com o sofrimento do povo. Outras pequenas igrejas e grupos religiosos procuravam ajudar, mas quase todas se mantinham na piedade individual, sem qualquer compromisso com a sociedade; elas tentavam salvar o indivíduo sem, entretanto, lutar por uma sociedade mais justa. Nesse contexto de sofrimento popular e de alienação eclesiástica, surge John Wesley.
Nascido em Epworth em 1703, no seio de uma família anglicana de antiga ascendência saxônica, John era filho de Samuel e Susannah Wesley. Após educação formal inicial, Wesley entrou para o Colégio da Igreja de Cristo em Oxford em 1720, concluindo seu curso no devido tempo. Serviu como ministro anglicano em Oxford e também na Geórgia, nos Estados Unidos, tendo retornado a Oxford em 1729. O ano é apontado pelo metodismo como o início do movimento, com o começo do "clube santo", liderado pelos dois irmãos Wesley.
Um episódio que chama a atenção na biografia de Wesley é o de sua conversão. Os morávios, já citados anteriormente, haviam impressionado John Wesley em sua viagem à Geórgia, quando demonstraram confiança em Deus mantendo o louvor durante uma tempestade no mar que apavorava toda a tripulação do navio, inclusive o ministro anglicano que ali viajava. Já em Londres, em 1738, tendo ido, mesmo a contragosto, a um culto promovido pelos morávios, conforme atestam seus escritos, Wesley, que já era ministro anglicano há mais de uma década, diz ter sentido uma experiência nunca antes experimentada e o "coração aquecido" ao ouvir a pregação ocasional, baseada em Romanos. Registrou o próprio Wesley sobre o evento: "Senti que confiava em Cristo, Cristo tão somente para minha salvação..." Charles, seu irmão, também, no domingo anterior, tinha experimentado a conversão.
Já com a atividade dos clubes santos funcionando (com métodos bem definidos que renderiam para o movimento o nome de “metodistas") e tendo experimentado a mudança completa de atitude para com Deus ao se converter e ter confiança na salvação em Cristo, o ministério wesleyano tomou novos rumos. Lembrando que a época no aspecto trabalhista era de operários oprimidos pelas longas horas de árduo trabalho e baixo salário, que não eram levados em conta pela igreja oficial, os metodistas foram os primeiros a pregar a vida em Cristo aos mineiros, inicialmente em Kingswood e Bristol. Era uma época de descoberta de novos métodos para atender à necessidade de pregação do evangelho a grandes massas, sem contar com auditórios adequados para tanto. Assim, os cultos ao ar livre provaram ser um meio para atingir essa nova classe. John Wesley e George Whitefield pregavam aos mineiros ao saírem das minas, fato que levou a outra mudança significativa, qual seja, a formação de novos pregadores entre os mineiros, mesmo sem formação teológica, para atender a demanda por novos obreiros. O ministério de John Wesley sempre teve estreita ligação com o serviço ao povo e à ação social, buscando soluções para tantos problemas ingleses da época. Consta que a última carta que Wesley escreveu já no fim da vida foi endereçada a William Wilberforce, líder que lutava no parlamento inglês por melhores condições para com os prisioneiros e contra a escravidão.
Wesley nunca teve a intenção que o metodismo passasse a ser uma nova igreja, mas via sua atuação apenas como um movimento dentro da Igreja Anglicana, da qual nunca saiu. Ele se referia a seus seguidores como "o povo chamado metodista". Aliás, é curiosa a data de organização da Igreja Metodista como independente da Anglicana, pois o fato aconteceu primeiramente nos Estados Unidos e apenas anos depois, após a morte de Wesley, na Inglaterra. Tendo surgido em fins de 1739, a "Sociedade Metodista" começou a ser implantada no Novo Mundo vinte anos depois, começando por Antígua, no Caribe, atingindo posteriormente as 13 colônias norte-americanas. Quando Wesley começou a enviar obreiros para as colônias inglesas na América, já estava bem adiantado o movimento de independência, que se tornou guerra partir de 1775. Nos oito anos de guerra, todos os missionários enviados por Wesley voltaram, exceto Francis Asbury, o qual se tornou um dos principais líderes durante o conflito. O problema político criado pela guerra obrigou a separação do metodismo, pois, inserida no contexto anglicano, a Igreja da Inglaterra passou a ser vista como a “igreja do inimigo”, dos quais os norte-americanos queriam ser independentes. O próprio Wesley, que antes não aprovara a revolução, passou a dar apoio à nova situação, preparando para a nova igreja tanto uma liturgia baseada no Livro de Oração Comum como um livro de disciplina. Ele ainda ordenou dois pregadores como presbíteros e Thomas Coke como bispo para os metodistas na América. Francis Asbury também foi nomeado bispo. Por volta do Natal de 1784, os pregadores se reuniram e, sob a direção de Coke, fundaram a Igreja Metodista Episcopal. A partir da independência dos Estados Unidos, a própria Igreja Anglicana passou a ser chamada de Igreja Episcopal Americana. Em 1791, John Wesley, o fundador do movimento metodista, morreu anglicano, sem nunca ter pertencido à Igreja Metodista.
O Metodismo tem sua missão voltada para o povo: escolas, orfanatos, ambulatórios, fundos de empréstimo, centro de artesanato e outras são atividades sociais da Igreja. As ênfases herdadas de Wesley são a santificação, a perfeição, missões, além das obras sociais já citadas. A santificação, culminando na perfeição, foi uma marca de Wesley e da Igreja Metodista que seria revivida no século XX, com o surgimento do pentecostalismo.
As missões protestantes, das quais o metodismo também participou, têm sua história contada no próximo segmento.

domingo, 20 de março de 2016

36. O PIETISMO E OS MORÁVIOS

“Não há dúvida de que é grande o mistério da piedade: Deus foi manifestado em corpo, justificado no Espírito, visto pelos anjos, pregado entre as nações, crido no mundo, recebido na glória”. (1 Timóteo 3.16)

De acordo com o livro “História da Igreja em quadros”, de Robert C. Walton, existe um efeito-pêndulo ao longo da história da igreja, com movimentos que oscilam entre a “emoção” e a razão. Partindo do Cristianismo bíblico inicial equilibrado, surgiram, alternando emoção (e) com razão (r): o Montanismo (e), o Gnosticismo (r), o Monasticismo (e), o Escolasticismo (r) e o Misticismo Medieval (e); a partir da Reforma, surgiram o Racionalismo (r), o Pietismo (e), o Liberalismo (r) e, no século XX, o Pentecostalismo (emoção), que divide o Cristianismo atualmente com o Tradicionalismo Cristão (razão). Assim sendo, como reação ao Racionalismo, que deu origens  aos inimigos da fé e ao deísmo, surgiu no século XVIII o Pietismo.
Desejos Piedosos (Pia Desideria) é o nome de um livro publicado em 1675 por Philip Jacob Spener (1635-1705). Na obra, Spener apresenta suas ideias para a vida cristã piedosa, que se baseia em seis tópicos. De início, ele desejava uma compreensão mais profunda das Escrituras, com reflexo na vida cotidiana; sugeria para isso reuniões de pequenos grupos nas casas. Em segundo lugar, Spener sugeria que os leigos assumissem mais responsabilidades dentro da igreja, com base no sacerdócio de todos crentes. Em terceiro lugar, procurava ele resgatar a importância da experiência pessoal com Deus, ou seja, a conversão. Em quarto lugar, Spener sugeria que se evitasse o conflito teológico entre diferentes grupos cristãos; se fossem inevitáveis, os debates deveriam ser promovidos em um espírito de amor, restritos às questões essenciais da fé e deixando de lado itens de menor importância. Quanto aos pastores, em seguida, Spener defendia o pastoreio das ovelhas, o relacionamento com os leigos, com base no conhecimento bíblico e teológico. Em último lugar, o autor incentivava sermões que aplicassem as Escrituras à vida cotidiana, inspirando, informando e promovendo a edificação espiritual.
Surgido na Alemanha, na parte final do século XVII, no seio de uma Igreja Luterana que havia abandonado sua ênfase na fé pessoal, na busca da doutrina correta, o livro de Spener mudou o protestantismo. Sua ênfase era no aspecto individual da conversão e do relacionamento com Deus, quando a institucionalização da igreja parecia imperar: “a religião formal não produzirá qualquer efeito se a pessoa não nascer de novo” refletia Spener.
Embora criticado pela liderança formal da igreja luterana, Spener viu sua obra crescer, tendo deixado Frankfurt e mudado para Dresden e depois para Berlim. Em Berlim, Spener e August Francke fundaram a Universidade de Halle em 1694, instituição que se tornou um centro de evangelismo e de missões. Embora criticado pelo clero, Spener atingiu com sua visão os leigos. “Nas igrejas que adotaram seus ensinamentos, a vida familiar foi melhorada, os padrões morais foram elevados e as pessoas aprenderam que o cristianismo significava muito mais do que simplesmente concordar com um catecismo”, afirma Kenneth Curtis em “Os 100 acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo”. Pequenos grupos, a leitura da Bíblia, bem como um grande impulso à produção de hinos foram alguns dos resultados positivos do Pietismo.
O texto de Paulo a Timóteo acima, que aparece no original em forma de poema e talvez tenha feito parte de um antigo credo da Igreja, mostra que a “piedade” de Deus em Cristo, manifestada em corpo, justificada no Espírito, vista pelos anjos, crida no mundo e recebida na glória, foi também “pregada entre as nações”. Pouco mais de 20 anos após a morte de Spener, aconteceu em Herrnhut, pequena cidade ainda existente na Alemanha uma reunião dos irmãos morávios nas terras do conde Nicolaus Von Zinzendorf, no dia 27 de agosto de 1727. Na reunião, 24 homens e 24 mulheres comprometeram-se a orar uma hora por dia em uma vigília de oração por missões. Zinzendorf, o líder da comunidade, havia conhecido pessoalmente alguns nativos das Índias Ocidentais e da Groenlândia em uma reunião em Copenhague, tendo regressado a Herrnhut cheio de fervor missionário. A partir de então, dois missionários foram enviados às Ilhas Virgens, seguidos de outras missões para a Groenlândia, Geórgia e Pensilvânia (EUA), além do Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, Argélia, Guiana, Jamaica, Antígua e outros locais. Uma missão foi enviada aos judeus em Amsterdã, e posteriormente Egito, Labrador, Espanha, Ceilão, Romênia e Constantinopla foram também locais alcançados. Até 1760, o ano da morte de Zinzendorf, os morávios haviam enviado 226 missionários a dez países e cerca de 3.000 convertidos tinham sido batizados.
Busquem os primeiros frutos, preguem a Cristo, vão para os povos esquecidos, trabalhem pelo reino de Cristo, sejam auto-sustentados: estas eram as orientações dadas por Zinzerdorf aos missionários.
Com o seu zelo por Cristo, os irmãos morávios escreveram uma das páginas mais nobres das missões cristãs em todos os tempos. Nenhum grupo protestante teve maior consciência do dever missionário nem demonstrou tamanha consagração a esse serviço em proporção ao número de seus membros. Com seu heroísmo, apego às Escrituras e consagração a Deus, os irmãos morávios, embora pouco numerosos, exerceram uma forte influência espiritual sobre outros grupos e movimentos protestantes. John Wesley e William Carey foram líderes cristãos com a vida impactada pelas missões morávias.
Segundo a Geografia, Morávia é o nome de uma região histórica da Europa Central, formada atualmente pela parte oriental da República Checa. A região da antiga Morávia teria hoje fronteiras com a Áustria, a Eslováquia e a Polônia. O nome Morávia liga-se ao rio Morava, às margens do qual um grupo de eslavos se estabeleceu a partir do ano 500 DC.
O Pietismo de Spener e os Irmãos Morávios de Zinzerdorf muito contribuíram para que a Igreja protestante voltasse à linha piedosa do relacionamento individual entre o homem e Deus, bem como ingressasse na linha missionária, dando cumprimento à Grande Comissão deixada por Cristo como tarefa individual e coletiva a seus seguidores. Nessa linha, tanto na forma piedosa individual quanto na forma missionária coletiva, surgiu na Inglaterra novo líder e nova denominação, assunto a ser visto abordado no próximo fascículo.

terça-feira, 15 de março de 2016

35. A IGREJA E OS INIMIGOS DA FÉ

“... nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca do Senhor”. (Deuteronômio 8-3b)

Renascimento, imprensa, queda de Constantinopla, grandes navegações oceânicas, Reforma Protestante e outros fatores foram causas das mudanças experimentadas pelo mundo ocidental a partir do século XV, mudanças essas que trouxeram grandes conquistas para a humanidade, mas que também causaram inúmeros problemas. A Igreja sofreu grandes consequências dessas mudanças, numa revolução que foi abordada no texto passado. O texto atual focaliza os inimigos que a fé cristã enfrentou, em decorrência de sua participação no processo de entrada na Era Moderna. De acordo com o historiador Earl Cairns, quatro são os inimigos da fé surgidos nos últimos séculos: a crítica bíblica, o materialismo, a evolução que se se opõe ao criacionismo e o comunismo.
Se um adepto da leitura crítica da Bíblia discutir a interpretação de algum texto bíblico com outra pessoa que crê na inspiração e na integralidade da Palavra, será difícil o acordo, porque cada um se baseará em concepções diferentes. A crítica bíblica vê as Escrituras como como um livro escrito por autores humanos e não aceita a inspiração do Espírito Santo na elaboração de seu conteúdo. A crítica nega a revelação sobrenatural da Bíblia e a vê como um relato da evolução subjetiva da religião na consciência humana. Alguns teólogos dessa linha aceitam uma visão crítica do Novo Testamento e consideram os ensinos éticos de Jesus como a essência do evangelho, bem como creem que Paulo transformou a religião ética de Jesus em uma religião redentora. Da Alemanha, berço da Reforma, a crítica se espalhou para as Ilhas Britânicas e para a América do Norte.
O materialismo, mais sutil que a crítica bíblica, pode ser entendido como a prática comum na sociedade moderna de buscar valores materiais para um alto padrão de vida. Na proporção em que as atenções do homem se encontram nesta vida, ele não considera os valores espirituais da eternidade. A fé foi substituída pela razão e a preocupação básica do homem não era mais com a vida futura, mas com a felicidade e a satisfação neste mundo. A mente do homem, e não a fé, era o melhor guia para a felicidade; nada de emoções, mitos ou superstições.
A teoria da evolução de Charles Darwin (1809-1882) e seus sucessores resultou na ideia de que o pecado era apenas um resquício do instinto animal no homem. Essa tese da “descendência com mudança” de Darwin, que implica na continuidade entre o homem e o animal, se opõe ao conceito bíblico de criação especial por Deus, ou seja, a descontinuidade, com a estabilidade dos grupos por Ele criados. Darwin ignorou a existência singular do cérebro humano, a faculdade da fala, a memória, a consciência e a noção de Deus e da alma como fatos importantes a serem considerados quando insistiu na semelhança entre o homem e os animais. Darwin mesmo reconheceu que consciência, Deus e alma eram conceitos problemáticos para a sua teoria. Quando a teoria foi aplicada ao desenvolvimento da religião, Deus e a Bíblia passaram a ser vistos como produtos evolutivos da consciência religiosa do homem. Outras áreas da fé religiosa também foram abaladas, como a escatologia bíblica e a necessidade de Cristo como Salvador. Ideias problemáticas em áreas exteriores à região também têm sido desenvolvidas a partir da teoria, como a da superioridade racial e a da falta de necessidade da ética.
O socialismo também tem sido um dos grandes inimigos da fé a partir do século XIX. Karl Marx e Friedrich Engels lançaram o Manifesto Comunista em 1848. Não há nele lugar para Deus ou para a Bíblia, e padrões absolutos no sistema são desconsiderados, pois “a religião é o ópio do Povo”, segundo creem os socialistas. O socialismo cristão foi desenvolvido na Inglaterra e na Escandinávia, por pensadores que favoreceram uma forma mais suave de socialismo, desenvolvido através de cooperativas, centro de treinamento para operários e sindicatos de trabalhadores, em substituição ao controle do Capital pelo Estado.
A crítica bíblica, a teoria darwiniana da evolução e outras teses sociais e intelectuais deram origem ao liberalismo religioso no fim do século XIX. Teólogos liberais têm aplicado a evolução à religião como chave que poderia explicar o seu desenvolvimento. Afirmam eles que, pela continuidade da experiência religiosa humana, a religião se torna um simples produto de uma evolução, sem considerar a revelação de Deus através de Cristo e da Bíblia. A experiência na vida cristã é mais valorizada do que a teologia. O cristianismo conservador tem lutado contra essas ideias liberais e nessa luta aparece o teólogo Karl Barth como opositor a várias formas de socialismo e liberalismo.
Todos esses fatores acabaram levando a teologia a desenvolver o deísmo, que rejeitava tudo o que parecesse ser interferência de Deus no mundo, como as revelações e os milagres presentes na Bíblia, por exemplo. O deísmo é uma posição filosófica naturalista que acredita na criação do universo por uma inteligência superior (Deus ou não), através da razão, do livre pensamento e da experiência pessoal.
A existência de um Criador ou Organizador do Universo (comparável ao Demiurgo do filósofo grego Platão) é o ponto de partida da filosofia deísta. Em resumo: um deísta é aquele que está inclinado a aceitar a existência de um criador, mas não pratica nenhuma religião, não negando a realidade de um mundo completamente regido pelas leis naturais e físicas. A interpretação de Deus pode variar para cada deísta.
O mais influente propagandista do deísmo foi Voltaire (1694-1778), ligado ao Iluminismo francês. A lista de deístas famosos na história é longa, podendo ser destacados: Adam Smith (1723-1790), filósofo e economista escocês, considerado o pai da economia moderna; Benjamin Franklin (1706- 1790), intelectual americano, um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos da América; George Washington (1732-1799), o primeiro presidente dos Estados Unidos da América; Mark Twain (1835 -1910), escritor norte-americano;  Maximilien Robespierre (1758-1794), revolucionário ligado à Revolução Francesa;  Thomas Jefferson, autor da Declaração de Independência, outro dos Pais Fundadores dos Estados Unidos e o 3º presidente dos Estados Unidos; Victor Hugo (1802-1885), escritor, artista, ativista e estadista francês.
À fria ortodoxia do deísmo, a igreja respondeu com movimentos de piedade religiosa e de volta à crença em um Deus pessoal, que se preocupa com suas criaturas humanas e deseja vê-las de volta à sua presença na forma de filhos. O surgimento do Pietismo será o assunto do próximo segmento.

sábado, 12 de março de 2016

34. PROTESTANTISMO COMO REVOLUÇÃO

"Estes que têm alvoroçado o mundo chegaram também aqui...” (Atos 17.6b)

Estudado exaustivamente como Reforma Protestante, o movimento que teve em Lutero seu iniciador no século XVI, passou a ser encarado pelos mais recentes estudos dos historiadores como uma revolução, no sentido mais amplo de “transformação radical, às vezes violenta, de uma estrutura política, econômica e social”, com reflexos também nas áreas artísticas e científicas dominantes em uma determinada época. O evento protestante, conforme já se abordou anteriormente, ocorreu em um momento de grandes transformações que atingiram a Europa Ocidental, em especial a partir do século XV. É verdade que não foi o protestantismo a única causa dessa revolução, mas com certeza ele participou, com sua influência, das mudanças que levaram o mundo ocidental a deixar o medievalismo e a entrar na chamada Idade Moderna. Política, trabalho, economia e educação, além da própria igreja, talvez tenham sido as áreas mais revolucionadas pela Reforma Protestante.
Aristóteles, em seu livro “A República”, considera o governo como autoridade máxima impregnada no Estado. Derivam daí as diferentes formas de governo humano: monarquia, ou governo de uma só pessoa; aristocracia, ou governo da elite econômica; democracia, ou governo do povo; teocracia, ou governo de Deus. Oligarquia, tirania e demagogia aparecem como corrupções da forma de governo. Monarquia e aristocracia eram as formas de governo mais usadas durante grande parte dos séculos nos quais transcorreu a história da Igreja. Tendo surgido na Grécia, a democracia somente se impôs como forma dominante após o século XVI. A teocracia esteve presente em muitos momentos e era predominante no século XV. Separação entre Igreja e Estado (o chamado “estado laico”) é conquista dos dois últimos séculos. O governo da Igreja, inicialmente episcopal durante todo o desenvolvimento do catolicismo, criou também na Época Moderna as formas presbiteral e congregacional.
Os gregos consideravam o trabalho com as mãos indigno do homem livre; o trabalho intelectual era dos sábios e o manual, dos escravos. Na Roma Antiga, os patrícios dedicavam-se mais à pecuária, enquanto a plebe realiza a atividade agrária. Na Idade Média, vinculado à igreja, o trabalho era considerado penitência para o pecado. A divisão medieval entre senhores feudais e servos definia o trabalho manual dos vassalos a serviço do suserano e seus nobres no castelo. Com a reforma protestante, o trabalho aparece como fundamental para a vida. A fé deve ser reforçada pelo trabalho. A dedicação ao trabalho é louvada, estimulando-se a poupança ou o investimento do capital.
Como existe uma interdependência entre acontecimentos políticos e econômicos, a história da economia e da política se relacionam às histórias da religião, da teologia, da filosofia, da matemática e da ciência. Na Idade Média, Tomás de Aquino (1225-1274) ensinava que preços crescentes em resposta à alta demanda de um produto eram um tipo de roubo. As discussões medievais sobre economia passam por Duns Scot (1265-1308) e evoluem do aspecto local da Idade Média e do declínio dos senhores  feudais para o fortalecimento de novas estruturas econômicas nacionais, pois, a partir do final do século XV, novas oportunidades para o comércio com o Novo Mundo e a Ásia se abriram. Novas monarquias queriam um estado poderoso para aumentar sua colonização, tendo sido o mercantilismo um movimento político e uma teoria econômica que defendia o uso do poder militar para assegurar mercados locais e proteger as fontes de matérias-primas. Com o advento do protestantismo, capitalismo e calvinismo surgiram concomitantemente, a partir do século XVII.  No catolicismo, o acúmulo de capital era visto como pecado, no calvinismo passou a ser visto como atitude louvável. Calvino aprovava a geração de riqueza, mas não o esbanjamento dela. Segundo Weber, o calvinismo gerou as precondições psicológicas essenciais para o desenvolvimento do capitalismo moderno. Karl Marx argumentava que o surgimento do capitalismo moderno trouxe o protestantismo à existência.
Para o bom desenvolvimento de qualquer sociedade, ressalta-se a importância da educação. No antigo Israel, a educação estava ligada ao Estudo da Torah (a Lei), ou Pentateuco. Começando nos lares, quando os israelitas se estabeleceram na Palestina, surgiram várias escolas. A finalidade era preparar lideranças espirituais para o povo, além do ensino da leitura e da escrita, para que se pudessem ler os Livros Sagrados. Posteriormente, a instrução passou a ser oferecida nas sinagogas. O sistema de ensino romano foi baseado no grego, sendo que muitos dos professores particulares no sistema da época eram escravos. A educação organizada era relativamente rara nos primeiros séculos da Era Cristã, sendo que o nível e a qualidade da educação oferecida às crianças romanas variavam de família para família, visando principalmente ao menino. Na Idade Média, a educação teve grande influência religiosa, sob liderança da estrutura católica. Havia escolas paroquias, voltadas para a formação de padres; escolas monásticas, para a formação de monges; escolas palatinas, para a formação mais ampla dos filhos de nobres. Latim, canto gregoriano, textos sagrados (entre eles a Bíblia), filosofia e outros eram os temas estudados nessas escolas. Grande parte dos estudantes da Idade Média vinha da nobreza, pois somente ela possuía recursos financeiros para manter os filhos nas escolas. Não se pensava ainda em escola pública. A ideia inicial da popularização da escola surgiu com Lutero. Anos mais tarde, Calvino afirmaria: “É necessário educar as próximas gerações (...), um colégio deve ser instituído para instruir as crianças, preparando-as para o ministério e para o governo civil”. A contribuição da Reforma Protestante para a popularização da educação é inegável, pois sua liderança não estava somente preocupada com a formação espiritual do indivíduo, mas buscava também fornecer-lhe uma base cultural sólida visando a contribuir para que o mesmo pudesse ser útil não somente ao serviço sagrado, mas também à sociedade. Outros aspectos relevantes das consequências trazidas pelo Protestantismo, que revolucionaram o mundo a partir da Europa Ocidental, poderiam ser abordados; cremos, porém, que o que já se desenvolveu demonstra adequadamente esse aspecto do movimento.
Pode-se afirmar que a Reforma mudou a face da Europa, por meio das mudanças sociais e políticas que gerou e também por causa de algumas ideias novas e perigosas que desenvolveu no continente. A reforma foi fundamental para efetuar a transição da noção medieval de ordem mundial, fundada sobre uma ordem imaginada como natural e eterna para uma ordem moderna fundada sobre mudanças. A Genebra Calvinista foi uma república ideal, que talvez tenha servido de influência para a Revolução Francesa. Toda transformação radical revolucionária gera, num primeiro momento, destruição do velho para construção do novo, e esse momento não é, em geral, edificante. Assim foi com o Cristianismo, que enfrentou problemas sérios criados pela nova ordem de coisas gerada a partir do século XVI, assunto a ser abordado na continuação.

33. EXPANSÃO DO CRISTIANISMO NAS AMÉRICAS CENTRAL, DO SUL E NO CANADÁ

“Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo”. (1 João 4.1)

Para que possamos entender  os ciclos missionários nas Américas, foram desenvolvidos 16 ciclos missionários a partir de Colombo; 8 ciclos iniciais foram católicos: 1. No Caribe, com Bartolomeu de las Casas; 2. no México; 3. no atual estado americano da Califórnia na América do Norte; 4. na América Central; 5. no Peru; 6. em Nova Granada; 7. no Chile; 8. no Rio da Prata. A partir de 1500, temos os ciclos missionários católicos portugueses no Brasil, catalogados como: 9. litorâneo; 10. sertanejo; 11. paulista; 12. mineiro; 13. amazônico. Ainda no século XVI, seguem os ciclos protestantes de holandeses com o nº 14, no Brasil, Suriname e Ilhas do Caribe. Com a França, tivemos o ciclo 15 no Canadá (1608), no Brasil (1555-1560), no Caribe, no Haiti, em Guadalupe, na Martinica e na Guiana Francesa. A Inglaterra representa o ciclo 16, com o Mayflower, tendo atingido os ingleses também posteriormente o Canadá e a Jamaica (1655). No fascículo anterior, abordamos exatamente o último ciclo missionário, o mais tardio de todos.
Na verdade, Portugal e Espanha pareciam estar mais bem preparados para as navegações transoceânicas, iniciando sua exploração a partir do começo do século XVI. Após a conquista de Granada e a expulsão dos mouros da Península Ibérica, no final do século XV, os “reis católicos” Fernando e Isabel promoveram, como o aval de Roma, uma reforma no catolicismo espanhol. Aliás, tinha sido o casal real que patrocinara a viagem de Colombo no descobrimento do Novo Mundo. Por essa razão, a implantação e disseminação do catolicismo por grande parte da América começou como decorrência da unificação do Reino de Espanha. Ao se casarem, Isabel de Castela e Fernando de Aragão encontraram na Espanha unificada uma igreja católica com grande necessidade de reforma. Um alto clero dedicado muito mais a práticas belicosas do que à igreja foi um dos problemas enfrentados. O frade franciscano Francisco Ximenes de Cisneros, nomeado arcebispo pelo Papa, foi o apoio eclesiástico que Isabel usou para promover mudanças internas na igreja. A Universidade de Alcalá, a Poliglota Complutense e outras realizações foram resultados da atuação dos reformadores, além de melhorias disciplinares dos conventos e no procedimento do clero.
Portugal também se organizava como um reino importante, principalmente na arte de navegação. Oito anos após Colombo, Pedro Álvares Cabral descobriu e tomou posse de terras, no continente que se chamaria América, em nome da coroa portuguesa.
Como nas diferentes regiões da América habitavam povos de etnia e costumes desconhecidos até então, tropas militares foram enviadas para lá por Portugal e Espanha para que posteriormente chegassem as ordens religiosas. Inicialmente, a Igreja não nomeou índios para as ordens religiosas, acreditando a maioria dos frades missionários não terem os selvagens aptidão para o sacerdócio católico, havendo até os que discutiam terem eles ou não uma alma. Mais tarde, no século XVIII, um grupo de índios e mestiços sacerdotes foram designados para dioceses como um “clero de segunda classe”.
A inquisição também foi uma reação da Igreja para tentar corrigir falhas anteriores do sistema evangelizador na colônia. Foram impostas medidas contra as práticas idólatras presentes na sociedade colonial, como aprisionamento, destruição física de todo símbolo considerado idólatra e duros castigos aos chamados feiticeiros. A medida também tinha por objetivo inibir as práticas protestantes e judaicas, que acabavam dificultando a cristianização dos nativos. Muitos dos judeus expulsos da Espanha na criação do Estado espanhol se refugiaram em Portugal; com a colonização portuguesa na América, os judeus acabaram vindo para o Brasil, daqui se espalhando para as colônias espanholas.
A partir da consolidação da Igreja nas colônias portuguesa e espanhola, a ordem eclesiástica começou então um movimento que se desenvolveu em três momentos, visando a abolir a adoração “falsa” dos índios aos seus ídolos. Num primeiro momento, a religião nativa, baseada na veneração de imagens de seus deuses nativos feitos, por vezes, de metais preciosos, foi combatida em um movimento iconoclasta de destruição das imagens dos deuses indígenas, por elas estarem ligadas a toda uma ideologia que não condizia com a crença cristã e não ser possível convertê-las. Os metais preciosos despertaram interesses econômicos, com o aproveitamento do ouro das imagens destruídas. Num segundo momento, com a destruição dessas representações, a Igreja passou a adotar medidas catequéticas através de imagens cristãs, substituindo-se as representações de deuses pagãos por imagens de santos e santas, consideradas pelo catolicismo como as “verdadeiras”. Apesar da postura inicial de rejeição e iconoclastia, num terceiro momento, com o passar do tempo, plantas, colares, emblemas ritualistas ou mesmo outros utensílios que faziam partes de rituais religiosos dos índios acabaram sendo introduzidos na liturgia católica. Através desses objetos, cria a liderança da igreja ser possível uma maior compreensão da presença divina pelo nativo, sendo adaptados alguns rituais ao culto cristão. Foi um sincretismo religioso, que aonteceu no período colonial e que ainda se faz muito presente na sociedade latino-americana. Algo semelhante acabaria acontecendo na aculturação dos milhões de negros africanos trazidos como escravos para a América, num sincretismo religioso relacionando a umbanda, o candomblé e outros rituais com o catolicismo.
A história da expansão cristã pelo Canadá precisa ser contada à parte pelas características próprias que possui. No Canadá, a primeira igreja a se estabelecer foi a católica romana, tendo a missa sido rezada pela primeira vez em 1534. A colonização francesa começou na Nova França, com a fundação da cidade de Quebec em 1608. Franciscanos, jesuítas e outras ordens religiosas fundaram escolas, estabeleceram hospitais e abriram seminários. Em 1759, quando os britânicos prevaleceram como governo, a igreja católica continuou presente e em crescimento. Anos após, com a restauração dos direitos para os católicos na Grã-Bretanha estendendo-se para a Comunidade, a igreja pode se expandir para o Canadá Britânico, atingindo cidades como Kingston, Toronto, Ottawa, além de outras, numa expansão do Atlântico ao Pacífico. O Canadá de hoje é um país bilíngue, com o inglês e o francês reconhecidos como línguas oficiais. De acordo com estatísticas do governo, 83% da população se considera cristã, com mais de trinta grupos diferentes atuando no país. As maiores igrejas incluem Católica, Igreja Unida, Anglicana, Presbiteriana, Luterana, Batista, Católica Ortodoxa e Pentecostal.
A passagem da Idade Média para a Moderna na Europa Ocidental, com reflexos na América, foi traumática para a Igreja como um todo, resultando em um esfriamento e racionalização de tudo, inclusive no entendimento teológico de Deus, assunto a ser discutido no próximo fascículo.