20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

24. GENEBRA E O CALVINISMO

“Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. ” (Mateus 28.20)

O envolvimento de Calvino com o protestantismo foi assim:  "William Farel me deteve em Genebra, não tanto por conselho e exortação, mas por uma terrível imprecação, que eu senti como se Deus tivesse do céu colocado sua poderosa mão sobre mim para me prender.” Este foi o registro deixado por João Calvino, mostrando como tinha sido seu encontro com  em Genebra no episódio central de sua vida e atuação dentro da Reforma Protestante. Vamos conhecer lugar e personagens.
William Farel (1489–1565), nascido nos Alpes Franceses, foi o evangelista que fundou a Igreja Reformada em Neuchâtel, em Berna e em Genebra, na Suíça, cidade onde sua vida se cruzou com a de Calvino.
Nascido em Noyon, nordeste da França, em 1509, João Calvino (1509-1564) formou-se em latim, humanidades, teologia e fez também estudos jurídicos. Seu principal interesse era pela literatura clássica. Convertido à fé evangélica por volta de 1533, fugiu de Paris por perseguição aos protestantes.
Farel era cerca de 20 anos mais velho que Calvino, tinha um temperamento difícil e era muito contundente como pregador. Calvino era mais calmo, equilibrado ao expor suas ideias e tornou-se um líder de referência, tanto na área intelectual quanto na espiritual, exercendo uma importante influência no processo da Reforma como seu primeiro teólogo de maior fôlego.
Naquele início de reforma eclesiástica, num clima de incertezas, muitas pessoas ansiavam por estabilidade e se perguntavam se alguém podia produzir a ordem que desejavam, em meio a um caos teológico. Uma resposta começou a surgir em Genebra. Conforme já se viu, a Suíça era inicialmente um país formado por divisões políticas chamadas cantões (a chamada Confederação Helvética), que se uniram em defesa mútua contra os inimigos. Até meados da década de 1530, Genebra tinha sido uma cidade fortemente católica, abrigando sede de bispado durante praticamente um milênio. Foi então que, buscando a independência, os cidadãos da pequena república decidiram viver de acordo com o evangelho e a Palavra de Deus, optando pelo protestantismo. Genebra foi a primeira tentativa de criação de uma cidade-estado totalmente cristã, sob a liderança de Farel e Calvino.
No entanto, segundo Shelley, “o programa de discipulado moral dentro do protestantismo ia um pouco além daquilo que as autoridades religiosas da cidade haviam negociado”. Após conflitos com liderança e cidadãos, Calvino e Farel foram obrigados a sair de Genebra; Calvino seguiu então para Estrasburgo, onde passou três anos proveitosos em companhia do reformador Martin Bucer. Esse convívio foi importante em vários aspectos, principalmente no amadurecimento de suas ideias acerca da disciplina eclesiástica. Além dessa influência, Calvino casou-se com a viúva Idelette de Bure. Nesse meio tempo, houve mudanças políticas em Genebra e os líderes contrários a Farel e Calvino foram afastados. Os novos magistrados convidaram-nos para regressar e dar continuidade ao seu trabalho de reforma.
Nessa retomada de atividades, Calvino elaborou para a comunidade religiosa as ordenanças eclesiásticas, que previam a existência de quatro classes de oficiais na igreja reformada local: pastores, doutores, presbíteros e diáconos. Pastores e doutores constituíam a Venerável Companhia; os doze presbíteros eram leigos encarregados de manter a disciplina na comunidade, eleitos anualmente pelos magistrados civis. Os pastores e os presbíteros se reuniam semanalmente no Consistório, um tribunal eclesiástico encarregado da disciplina em Genebra. Seu principal objetivo era a supervisão sistemática da vida moral e religiosa da população.
Muitos conflitos e oposições foram ali enfrentados por Calvino, principalmente o triste episódio envolvendo Serveto. Miguel Serveto (1511-1553) era franciscano e nutria dúvidas quanto à doutrina da Trindade, considerando ele essa doutrina um obstáculo à conversão de muçulmanos e judeus. Serveto correspondeu-se algum tempo com Calvino, numa comunicação pouco amistosa e muito polêmica. Aprisionado pela Inquisição Católica e condenado à fogueira, Serveto conseguiu fugir e, quatro meses mais tarde, foi reconhecido quando participava do culto dominical em Genebra, tendo sido denunciado às autoridades e preso por heresia. Após a condenação, Calvino e Farel ainda tentaram sem êxito fazer com que Serveto repudiasse os seus erros. Na execução, suas últimas palavras foram interpretadas como uma confirmação da sua heresia cristológica. Ele teria dito: “Jesus, filho do eterno Deus, tem compaixão de mim!”; o que seus acusadores esperavam ouvir era “Jesus, eterno filho de Deus...” Serveto não aceitava a eternidade da existência de Cristo. Após muitos conflitos e até o final de sua vida, Calvino passou a ter uma situação muito mais confortável e maior liberdade para implementar a sua visão para a igreja e a sociedade de Genebra.
Genebra foi o refúgio para perseguidos do protestantismo, exemplo de comunidade cristã disciplinada, além de um centro de treinamento ministerial. Segundo John Knox, foi “a mais perfeita escola de Cristo jamais vista na terra desde os tempos dos apóstolos. ” A Academia de Genebra, embrião da futura universidade, foi inaugurada em 1559. Nesse mesmo ano, Calvino publicou a última edição das Institutas. O reformador faleceu aos 55 anos em 1564.
Não apenas por causa do episódio de Servetus, mas em virtude de sua atuação convicta em um momento tumultuado da história da Igreja, a vida e o temperamento de Calvino têm sido criticados, por vezes duramente. Sobre o assunto, Alderi Souza de Matos afirma: “João Calvino foi apegado à família, teve um casamento feliz e soube cultivar amizades profundas e duradouras; temperamento reconhecidamente difícil, revelou atitudes conciliadoras em relação a outros líderes protestantes". As ideias calvinistas de “estímulo ao trabalho”, “condenação do desperdício” e “legitimidade do lucro”, por exemplo, muito influenciaram o modo de encarar trabalho e finanças no mundo ocidental. Sua doutrina central da “soberania de Deus” norteou a elaboração das Institutas, obra ainda de referência no século XXI. O cristianismo calvinista ou reformado, fruto do seu trabalho, resultou nas igrejas reformadas alemãs e holandesas, além de exercer influência sobre outros grupos, como os batistas e os congregacionais. Mais ainda, resultou na organização do Presbiterianismo, assunto a ser discutido proximamente.

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