“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus”. (Mateus
22. 21b)
Liberdade religiosa e separação
entre a Igreja e o Estado foram discussões iniciadas pela Reforma Protestante a
partir do século XVI. No Catolicismo tinha existido, até então, interdependência
entre os poderes do Rei e do Papa. O Protestantismo inicial surgiu em uma época
na qual ainda não se cogitava a liberdade religiosa.
Conforme já se mencionou previamente,
antes, durante e após o início da reforma protestante de Lutero, outros
movimentos similares surgiram em regiões europeias diferentes, principalmente
na Alemanha e na Suíça. Andreas Karlstadt, contemporâneo de Lutero em
Wittenberg, por exemplo, no natal de 1525, aboliu a vestimenta clerical normal
e o sacrifício na missa, passando a usar o alemão em vez do latim e promovendo
a distribuição de pão e vinho para todos. No seu radicalismo, a música foi proibida
e as imagens religiosas deveriam ser quebradas. Karlstadt trocou Wittenberg pela
Suíça, onde continuou empreendendo reforma mais radical. Assim como ele,
diversos outros movimentos surgiram; focalizaremos nossa atenção em um deles.
Como uma alternativa suíça
para a reforma iniciada na Alemanha, surgiu em Zurique Úlrico Zuinglio (1484-1531),
um líder político-religioso que viveu na época da formação da Confederação
Helvética no país. Na Confederação, Zuinglio lutou por uma reforma
institucional e moral.
Contemporâneo de Lutero, Zuinglio estudou em Berna e ingressou na
Universidade de Viena, onde se tornou humanista. Em seguida, estudou na
Universidade de Basileia, na qual foi influenciado pelo interesse bíblico de
alguns mestres, entre eles o humanista holandês Erasmo de Roterdã. Após obter o
grau de mestre em 1506, Zuinglio foi ordenado ao sacerdócio e tornou-se pároco
na cidade de Glarus, chegando mais tarde a Zurique, onde assumiu o sacerdócio
da principal igreja da cidade. Atuando em
Zurique, Zuinglio imaginava a cidade obediente à Palavra de Deus; o Conselho da
Cidade, corporação formada por cidadãos devidamente eleitos, apoiaria seu trabalho
e seria consultado se a Bíblia precisasse ser interpretada em passagens mais
difíceis. Em 1522, o
reformador protestou contra o jejum da quaresma e o celibato clerical, tendo renunciado
ao sacerdócio e sendo contratado como pastor evangélico pelo Conselho. Casado secretamente
com a viúva Ana Reinhart, Zuinglio começou então uma progressiva implantação da
reforma em Zurique, substituindo o sacrifício da missa pela Ceia do Senhor em
1525, além de estabelecer outras mudanças.
Havia diferenças entre a
reforma moralista de Zuinglio e a ênfase de Lutero na “graça de Deus”. Em 1520,
num confronto pessoal entre os dois reformadores, houve discordância com
relação à “presença real” de Cristo na ceia: Lutero não bania totalmente a transubstanciação,
enquanto Zuinglio falava em “memorial”. Além disso, Lutero tolerava inicialmente
a presença das imagens na igreja e Zuinglio as bania.
Em 1531, cinco cantões
católicos suíços opostos ao movimento protestante declararam guerra à Zurique de
Zuinglio, e a cidade enfrentou a batalha sozinha, na qual os protestantes foram
derrotados e dizimados; Zuinglio foi morto, esquartejado e queimado, sendo suas
cinzas espalhadas, para que não se buscasse por relíquias. O movimento
anabatista surgiu enquanto Zuinglio ainda vivia.
Segundo o historiador Shelley,
os anabatistas constituíam-se em “uma voz
chamando os reformadores moderados para combater em maior profundidade os
fundamentos da antiga ordem”. Não se satisfaziam eles somente com as
mudanças propostas por Lutero, mas queriam ir além. O início do movimento pode
ser considerado a partir do batismo de Conrad Grebel e Felix Manz, em 1525.
Apoiadores iniciais de Zuinglio, Grebel e Manz acabaram discordando do reformador
inicial por considerá-lo pouco tendente a mudanças mais profundas na igreja, as
quais achavam necessárias.
Thomas Münzer, outro líder anabatista inicial, havia nascido
em Zwickau, cidade alemã de onde surgiu um movimento, numa alternativa radical
a Lutero, evento conhecido na história como os “Profetas de Zwickau”. Tendo influenciado
Karlstad em Wittenberg, mas sendo repudiado por Lutero, o movimento profético levou
a uma grande radicalização na cidade de origem, com mudanças nas áreas
religiosa e social, incentivo à poligamia e à comunhão de bens. Lutas foram lideradas
pelo bispo católico da região, ajudado por grande grupo de combatentes, o qual
retomou a cidade da qual havia sido banido e executou os líderes insurgentes.
Embora restrito apenas a um grupo específico dos anabatistas, o fato motivou
condenação aos seguidores do movimento em geral, bem como perseguição
generalizada, empreendida tanto pelos protestantes quanto pelos católicos.
Segundo o historiador Shelley,
o rebatismo de adultos mediante confissão de fé como oposição ao pedobatismo é
uma característica marcante dos anabatistas. Além disso, o movimento buscava a
prática de uma vida de discipulado, um caminho diário com Deus em imitação à
vida de Cristo, primando pelo pacifismo e pelo amor na devoção diária. Quanto à
política eclesiástica, a Igreja buscava praticar uma visão congregacional de
autoridade, pleiteando-se uma separação completa entre o que é de César e o que
é de Deus.
Três grupos anabatistas
iniciais podem ser apontados como os mais importantes: a Fraternidade Suíça de
Conrad Grebel e Felix Manz; a Fraternidade Hutterita na Morávia (com
crescimento maior após a morte de Jakob Hutter, em 1536) e os Menonitas,
seguidores de Menno Simons (1496-1561) nos países baixos e no norte da Alemanha.
Hoje, podemos encontrar
anabatistas em Igrejas Menonitas e também em grupos conhecidos como “Amish”
principalmente. Os dois representam formas diferentes que o movimento assumiu,
com os menonitas mais integrados ao mundo do século XXI e os “Amish” ainda
assumindo uma postura de separação da sociedade desenvolvida após a
industrialização. No entanto, permanecem nos grupos a prática do pacifismo, a
separação irrestrita entre Igreja e Estado, a negativa ao serviço militar e ao
porte de armas e outras atitudes que ainda denotam uma atitude radical de
reforma da Igreja, na busca de torná-la menos institucionalizada.
Na mesma região geográfica
da Suíça onde surgiram os anabatistas houve importantes figuras e eventos na
sequência na Reforma Protestante, assunto a ser abordado no próximo fascículo.
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