Trento é uma cidade encravada entre montanhas no norte da Itália, com pouco mais de cem mil habitantes atualmente. No século XVI, a cidade – bem menor na época – foi o local escolhido para o Concílio que discutiu os problemas gerados pela Reforma Protestante, bem como as medidas a serem tomadas para amenizar o cisma havido no Cristianismo, com prejuízos junto ao Catolicismo Romano.
Desde o seu início, o Catolicismo imperou, por cerca de doze séculos, como representante oficial e único do Cristianismo, sem admitir grandes oposições ou contestações. Embora líderes e movimentos tenham surgido ao longo do tempo opondo-se às heterodoxias desenvolvidas pelo Catolicismo, Roma sempre combateu as heresias e ideias contrárias, em geral aniquilando os opositores. Começando com Constantino, o Catolicismo Romano não teve nem admitiu concorrência como igreja até o século XV, mesclando os poderes eclesiástico e político. As poucas divisões havidas foram o Catolicismo Ortodoxo – que rompeu com Roma oficialmente a partir do século XII, em 1054, além das Igrejas Nestorianas e a Igreja Ortodoxa Siríaca – com grupos no Egito, Etiópia, Síria e Armênia. Com a advento, porém, da Reforma Protestante, pela primeira vez o papado teve que enfrentar uma oposição que crescia e se organizava – embora em diversas frentes – ameaçando a própria sobrevivência da Igreja.
Assim sendo, cerca de trinta anos após o evento inicial de Wittenberg, a igreja convocou o Concílio de Trento, que se reuniu entre 1545 e 1563, constituindo-se naquilo que tanto é chamado de Contra-Reforma como de Reforma Católica. A Contra-Reforma constituiu-se na reorganização da igreja no combate aos dogmas e liturgias que haviam sido mudados pelos protestantes; a Reforma Católica aconteceu com a preocupação de corrigir problemas internos do catolicismo, existentes de longa data. Como sinal da reação católica, surgiram novas ordens religiosas, entre elas a “Sociedade de Jesus”, os Jesuítas, fundada por Inácio de Loiola (1491-1556), importante pelo voto de submissão incondicional ao papa, além de sua atuação nas áreas de missões, educação e combate à heresia.
O diagnóstico inicial da situação da igreja fornecido ao papa antes do Concílio de Trento mostrava que o clero se tornara por demais mundano, com muitos sacerdotes alcançando suas posições por meio de suborno, tornando as ordens monásticas imorais. Destacava ainda o documento os abusos na venda de indulgências e o grande número de prostitutas em Roma, a suposta “cidade santa”, muitas vezes a serviço do clero da igreja. Em se tratando das mudanças e correções de questões relacionadas à moralidade, a Igreja Católica seguiu o conselho da comissão, restringindo as indulgências e sendo o clero exortado a "evitar até mesmo as menores falhas". No aspecto doutrinário, o concilio reafirmou as posições católicas, declarando a existência de sete sacramentos necessários para a salvação; mantiveram-se a transubstanciação, a missa em latim, restrição para que somente a igreja interpretasse adequadamente as Escrituras (sendo a Vulgata Latina a única versão permitida nas leituras públicas e nos textos doutrinários). Entre as decisões tomadas em Trento, figuram com destaque a rejeição explicita às doutrinas protestantes, a oficialização da teologia de Tomás de Aquino e a aceitação dos livros apócrifos, ou deuterocanônicos. A Igreja cuidou ainda da publicação do Index Librorum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos) e do estabelecimento da Inquisição. Embora o Catolicismo tivesse mudado o que os protestantes consideravam questões de menor importância, nada foi reformulado quanto à crença de que tanto a tradição quanto as Escrituras eram válidas para definir os atos da igreja. Diferenças dogmáticas não foram cogitadas.
As reformas do Concilio de Trento separaram ainda mais o Catolicismo do Protestantismo, frustrando a expectativa de reformadores que viam o rompimento da unidade da Igreja como temporário; Trento fechou as portas para que qualquer tentativa de reconciliação acontecesse.
Como estrutura eclesiástica mais bem organizada naquela época, a fé católica romana foi propagada por franciscanos, dominicanos e jesuítas, que realizaram uma grande obra missionária no Oriente e nas Américas. Enquanto isso, as denominações protestantes, ainda incipientes, procuravam se organizar internamente, sendo que as missões evangelísticas do protestantismo ainda levariam cerca de dois séculos para serem iniciadas.
Nos reinos do Sacro Império Romano Germânico, os conflitos entre católicos e protestantes duraram décadas, atingindo o seu apogeu na Guerra dos Trinta Anos, que envolveu metade do continente europeu. Essa guerra terminou com a Paz de Westfalia, em 1648, definindo as fronteiras político-religiosas da Europa e marcando o final do período de implantação da Reforma.
De Trento até hoje, algumas mudanças têm ocorrido no catolicismo, sendo que a mais significativa delas aconteceu no século XX, por ocasião do Concílio Vaticano II (1962-1965), sob a direção papal de João XXIII, quando houve uma tentativa de adequação aos novos tempos por parte do Catolicismo. Entre as adequações, ou “aggiornamento” (atualização em italiano), a introdução da nova liturgia na missa, na qual o sacerdote passou a aproximar-se do povo e a falar na linguagem dele, em vez de usar o latim, talvez tenha sido a que mais contribuiu para ganhar adeptos ao catolicismo.
Comparando Trento e o Vaticano II, afirma o historiador Shelley: “A imagem tradicional da Igreja de Roma criada pelo Concílio de Trento era de uma fortaleza inexpugnável sob o ataque das forças do secularismo, modernismo e individualismo. (...) O Concílio Vaticano II via a igreja como um ‘povo peregrino’ sob a direção de Deus, movendo-se através do mundo juntamente com outros peregrinos, cuidando dos fracos e dos cansados”. Pela primeira vez o catolicismo se referia a seus "irmãos afastados protestantes", companheiros da peregrinação, vistos até então como hereges a partir de Trento.
Quinhentos anos após o movimento que dividiu católicos e protestantes, a Igreja Cristã prossegue no século XXI, buscando unidade na diversidade que se criou. “Sempre que vemos a palavra de Deus pregada e ouvida genuinamente e os sacramentos administrados de acordo com a instituição de Cristo, não há dúvida de que igreja de Deus existe; pois a promessa dele não pode falhar: onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles." Esta era a visão de João Calvino sobre a unidade da Igreja, declaração que ainda faz mito sentido nos dias de hoje.