20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

20. A IGREJA E AS MUDANÇAS DO SÉCULO XV

“Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos .” (Malaquias 3.6)

Há um momento na história da Igreja no qual os acontecimentos históricos precisam ser conhecidos para se avaliar o que eles representaram para a fé cristã, no transcorrer dos futuros fatos históricos . No século XVI, em Portugal, viveu um poeta chamado Luís de Camões (1524-1580), de cuja obra extraímos os seguintes versos:
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/muda-se o ser, muda-se a confiança;/todo o mundo é composto de mudança,/tomando sempre novas qualidades.”
Embora escrito no século XVI, o soneto de Camões de onde extraímos o quarteto inicial mostra o reflexo das mudanças que o poeta via no Portugal de sua época, novidades que o mundo começou a apresentar nos séculos anteriores e que tiveram seu apogeu no século XV. Para Camões, as mudanças começaram a se refletir na poesia, que, como todas as demais artes, passava por uma mudança radical no chamado Renascimento.
Roma, que havia sido capital de um imenso império por séculos, não se esquecia da glória antiga, como promotora das artes, da filosofia, da cultura, enfim. Não foi por acaso que o Renascimento surgiu em terras italianas, com o poeta Petrarca que, imitando o estilo de Cícero, poeta romano, passou a compor seus poemas em latim. A arte, até então dedicada à religião e gerenciada pela Igreja, passou a se inspirar no ser humano. Muitos artistas apareceram nas diferentes áreas, como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Cervantes, Shakespeare e Camões, além de outros. Com o Renascimento, cansado de tanto teocentrismo místico católico, o ser humano foi levado a apreciar o humanismo, que buscava um antropocentrismo, ou seja, colocava o homem como o centro das atenções. O humanismo foi o movimento que buscou o renascimento da cultura, partindo de Atenas e Roma, sendo essa a realidade geral nos países latinos abaixo dos Alpes. Acima dos Alpes, porém, nos países de formação mais germânica, essa revalorização da cultura clássica e antiga envolveu não somente a volta ao grego e ao latim, mas também às origens bíblicas, despertando também um interesse pelo conhecimento do hebraico e do aramaico; é o humanismo cristão. Desiderius Erasmus, de Rotterdam (1467-1536), já mencionado, foi o líder e modelo literário do século.
Constantinopla, a “Nova Roma” construída por Constantino, tornou-se uma das cidades mais importantes do mundo, funcionando como uma passagem para as rotas comerciais que ligavam a Ásia à Europa por terra, além de ser o principal porto nas rotas que iam e vinham entre os mares Mediterrâneo e  Negro. O cisma entre as Igrejas Católicas Ortodoxa e Romana manteve Constantinopla distante das nações ocidentais. Constantemente assediada pelos muçulmanos, após longo período de sítio, em 1453, as muralhas de Constantinopla, tidas como inexpugnáveis, cederam aos ataques dos turcos otomanos sob o comando de Maomé II, que dirigia um exército de cerca de 80 mil turcos. A cidade, último vestígio do Império Romano do Oriente e do antigo Império Bizantino, caiu nas mãos dos muçulmanos; sua queda abriu caminho aos poucos para o surgimento de um novo momento na história: a Era Moderna. A cidade e seus moradores foram poupados da destruição porque houve interesse em mudar a capital turca para lá. O nome foi mudado para Istambul, mantido até hoje, e prédios foram reaproveitados, como a Igreja Haja Sophia, transformada em mesquita muçulmana.
Com o fechamento das rotas comerciais usadas pelos reinos da Europa Ocidental no seu comércio com a Ásia, principalmente com a Índia e a China, os europeus ocidentais se viram obrigados a buscar novos caminhos pelos oceanos, especialmente o Atlântico e o Índico. Não havia grandes conhecimentos e experiência para essas navegações transoceânicas, já que, desde o Império Romano, as navegações eram costeiras ou através de mares. Ocupando uma posição favorável na Península Ibérica, projetando-se na direção do Oceano Atlântico, Portugal e Espanha se lançaram em projetos de navegação buscando novos instrumentos, tendo Portugal inclusive desenvolvido uma escola para navegantes, a Escola de Sagres, fornecendo mão de obra formada para uma nova profissão, os navegantes transoceânicos, função que surgiria com força a partir do final do século XV. Mito ou realidade, Sagres acabou tendo seu nome ligado a navegações e descobrimentos de menor abrangência na primeira metade do século XV, explorando as ilhas e as regiões costeiras da África. Em 1434, Gil Eanes foi além do Cabo Bojador, a Taprobana de “Os Lusíadas” de Camões. Além do Bojador era o Mar Tenebroso dos geógrafos árabes, navegação temida pelos europeus pelas dificuldades no regresso, a qual exigia novos conhecimentos científicos. Instrumentos de navegação, como o quadrante, o astrolábio e a balestilha, foram desenvolvidos e aperfeiçoados por Portugal e Espanha no segundo quartel do século XV, para determinar a posição do navio no mar. Bartolomeu Dias ultrapassou o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, em 1487, num trajeto que seria repetido por Vasco da Gama, descobrindo o caminho marítimo para a Índia, em 1498. Essa atividade cresceria até o final do século e no próximo, provocando não somente a descoberta de novas rotas comerciais de navegação, mas também de novas terras e de um continente totalmente desconhecido. A partir do século XVI, a Europa se envolveria na colonização das novas terras descobertas, começando por Portugal e Espanha, os pioneiros, mas abrangendo também aos poucos ingleses, franceses, holandeses e outros povos. O “mapa mundi” conhecido na época passaria a ser redesenhado.
Contrariando o que se afirma, o alemão Johannes Gutenberg (c.1400-1468) não inventou, mas aprimorou a imprensa no século XV. A técnica de imprimir com caracteres móveis é, na verdade, asiática e muito antiga. Começando com a criação do papel pelos chineses no século I da Era Cristã, passando pela gravura em pedra, a cópia manual, a xilografia, a técnica de impressão foi sendo aperfeiçoada, esbarrando no problema: o material utilizado para imprimir não podia ser reaproveitado em novas impressões, fato que encarecia o processo. Johann Gutemberg desenvolveu os caracteres móveis de chumbo, que podiam ser utilizados indefinidamente; desenvolveu ainda uma nova tinta de impressão e criou a prensa para imprimir. O primeiro fruto de seu trabalho foi a impressão de uma edição da Bíblia, em 1456, o primeiro livro produzido na Europa com a ajuda dos caracteres móveis, com tiragem de 180 exemplares. Ainda existem 48 cópias dessa Bíblia, conservadas em museus e bibliotecas mundo afora. O processo foi longo e dispendioso, exigindo muito esforço, o envolvimento de outras pessoas e financiamento. O surgimento da imprensa mudou definitivamente o mundo, em todas as suas dimensões: política, econômica, intelectual, social e religiosa. A partir de Gutemberg, a imprensa disseminou-se com uma rapidez muito grande: em pouco tempo, mais de mil oficinas espalharam-se pela Europa, produzindo muitos milhares de publicações  ainda no século XV. A obra de Gutemberg mudou para sempre o panorama cultural do mundo, pois, a partir de sua criação, publicações e textos em geral puderam ser impressos e reproduzidos com facilidade e em tiragens cada vez maiores. No século XVI, para Lutero e os reformadores da Igreja, isto seria de uma ajuda inestimável, tornando possível a disseminação das ideias de forma muito mais rápida do que acontecia antes de Gutemberg. Partindo do interesse pela leitura da Bíblia, escolas foram abertas e o povo desafiado a aprender a ler e a escrever, fato que até então não fazia muito sentido.
E a Igreja no século XV: qual era a sua situação? Na Idade Média, a igreja era a única agência internacional com credibilidade ou influência relevante. Por ser muito conservadora, a Igreja medieval não podia ser desafiada e oferecia apoio teológico para a ordem social e física existentes, ordem essa considerada de origem divina, com regras fixas e permanentes, respeitando a autoridade tradicional de famílias e de monarcas ordenados por Deus. Era uma visão estática da igreja, em um mundo de mudanças dinâmicas. Movimentos e líderes religiosos não aceitavam mais as imposições do catolicismo, gerando reações e seguidores.
Concluindo o assunto, afirma Alister McGrath: “Uma teologia religiosa que legitimasse a mudança, ou talvez até mesmo a encorajasse, poderia enfraquecer essa visão de mundo estática e abrir caminho para uma alternativa dinâmica”. No entanto, isto somente iria acontecer no século XVI, com os reformadores, assunto do próximo fascículo.

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