20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

terça-feira, 11 de novembro de 2014

18. A IGREJA, AS CRUZADAS E O PAPADO

“Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo; porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais.” (Efésios 6.11-12)

Nos tempos apostólicos, a armadura era o uniforme de guerra do soldado romano, elemento usado por Paulo para comparar com o aparelhamento do cristão nas batalhas espirituais. A mensagem de Cristo nunca foi guerreira no sentido literal, embora tenha sido por vezes revolucionária. No entanto, uma igreja que enfrentou por trezentos anos a perseguição de soldados romanos equipados, após a invasão bárbara ao Império Ocidental passou a conviver com povos guerreiros e belicosos, que a influenciaram de tal forma que seus líderes começaram a desenvolver espírito guerreiro, uma das marcas deixadas no cristianismo pelos povos germânicos anexados ao Império. Isto ficou evidente na história em vários momentos, mas principalmente nas cruzadas. E tudo foi motivado por uma cidade que até hoje tem sido lugar de conflito ao longo da história: Jerusalém. 
O que foram as cruzadas? As cruzadas se constituíram em uma “guerra santa”, logo após o domínio dos turcos muçulmanos sobre a região da Palestina, considerada sagrada pelos cristãos. Após domínio da região, os turcos passaram a impedir ferozmente a peregrinação dos europeus, através da captura e do assassinato de muitos peregrinos que visitavam o local em nome da fé. As cruzadas aconteceram entre os séculos XI e XIV. Em 1095, o papa Urbano convocou o Concilio de Clermont, quando informou que havia uma horrível notícia sendo propagada, sobre uma raça amaldiçoada e totalmente alienada de Deus que havia invadido as terras dos cristãos, expulsando-os pela espada. Apelava Urbano que os cristãos deveriam retomar as terras daquela raça invasora. "Deus vult! Deus vult!" “Deus deseja”, disse o papa, repetiu a multidão, e esse se tornou o grito de guerra das Cruzadas. Foi o início do primeiro empreendimento, o de melhor resultado final. A longo do percurso, franceses e italianos foram aderindo ao movimento, alguns motivados por objetivos religiosos, outros pensando nos lucros que teriam e outros ainda na aventura que seria recapturar os locais de peregrinação da Palestina que haviam caído nas mãos dos muçulmanos. Urbano assegurava que os guerreiros cruzados entrariam no céu diretamente, ou teriam redução no tempo de purgatório.
Após a Primeira Cruzada, foi criada a Ordem dos Cavaleiros Templários, que teve importante participação militar nos combates das Cruzadas seguintes. Os templários eram guerreiros ferozes fiéis à Igreja, que não hesitariam em dar a própria vida pela causa que lhes fosse confiada. Havia entre os templários padres, cavaleiros, soldados, além dos cavaleiros hospitalários, que tanto combatiam quanto cuidavam dos feridos. Tudo era feito em nome de Cristo sob o símbolo da cruz.
A Segunda Cruzada (1147-1149) foi proclamada por Bernardo de Claraval para libertar Edessa. A Terceira Cruzada (1189-1192) foi liderada pelos reis Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, pelo alemão Frederico Barba Roxa e pelo francês Filipe II. A Quarta Cruzada aconteceu entre 1202 e 1204, desastrosa em seus efeitos, porque se voltou contra a grande cidade cristã de Constantinopla, que foi brutalmente saqueada. A Quinta Cruzada (1217-1221) terminou em fracasso. A Sexta Cruzada ocorreu entre 1228 e 1229. Após a Sétima e a Oitava Cruzadas (1248-1270), os cruzados se retiraram definitivamente da Palestina, com a queda da cidade de Acre na mão dos muçulmanos. A Oitava Cruzada encerrou essa série de campanhas militares. Existe até a menção lendária de uma Cruzada das Crianças, ou Cruzada dos Inocentes, nome dado a um conjunto de fatos misturado com algumas fantasias que ocorreram no início do século XIII.  
O legado das Cruzadas foi variado: ameaça no relacionamento entre as igrejas do Ocidente e do Oriente, reação mais fanática dos inimigos por causa da brutalidade dos cruzados, grande incremento ao poder do papado pela liderança conseguida ao número de soldados arregimentados, além de outras. As consequências negativas das cruzadas foram mais marcantes e acabaram por se manifestar mesmo em nossos dias. A crueldade dos guerreiros cristãos que atenderam aos apelos papais para fazerem algo que, segundo o Pontífice, Deus queria que fosse feito, acabou por ocasionar, em nossos dias, uma “jirad” islâmica contra o mundo ocidental, uma “guerra santa” em sentido inverso, em nome da mesma vontade de seguir os desejos de Alá de conquistas de poder material.

Como legado positivo, podemos apontar o renascimento do comércio na Europa com reaquecimento da economia no Ocidente. Os guerreiros também trouxeram para a Europa novos conhecimentos originários do Oriente, vindos da influente sabedoria árabe. No aspecto cultural, as Cruzadas favoreceram o desenvolvimento de um tipo de literatura voltado para as guerras e os grandes feitos heroicos. Os contos de cavalaria tiveram como tema principal os conflitos das cruzadas. As Cruzadas, como se viu, foram patrocinadas e promovidas pelo papado em Roma. O papa, segundo a crença católica, é o sucessor apostólico por excelência, existindo desde Pedro, nos tempos iniciais da Igreja. Sobre o papado, o pastor presbiteriano Alderi Souza de Matos afirma que, “desde uma perspectiva protestante, o papado não é uma instituição de origem divina, mas resultou de um longo e complexo processo histórico. As Escrituras não dão apoio a essa instituição como uma ordenança de Cristo à sua igreja.” A história mostra que a palavra papa, no grego ou no latim, foi inicialmente aplicada a altos oficiais eclesiásticos de todos os tipos, especialmente aos bispos, mas, a partir de meados do quinto século, passou a ser aplicada quase que exclusivamente para os bispos de Roma. Na região oriental do Império, Alexandria, Jerusalém, Antioquia e Constantinopla competiram pela supremacia sobre as demais congregações, mas no Ocidente a igreja de Roma foi praticamente a única líder desde os primeiros séculos. Os bispos de Roma alcançaram grande preeminência e o papado, em muitas ocasiões, prestou serviços relevantes à igreja e à sociedade, tendo muitos papas sido homens de grande piedade, integridade moral, saber teológico e habilidade administrativa. Dois papas, dada a importância histórica que tiveram, podem ser realçados. Gregório I, ou Gregório Magno (590-604), o primeiro monge a ocupar o trono papal, deixou uma longa lista de feitos, como a supervisão das defesas romanas contra os ataques dos lombardos, a realização de negociações com o imperador bizantino, saneamento das finanças da igreja, além de ter sido estudioso das Escrituras. Ele reformou a liturgia, regularizou as celebrações do calendário cristão e promoveu a música sacra (o "canto gregoriano"). Finalmente, Gregório foi um grande promotor de missões, enviando missionários para vários centros estratégicos do norte e do oeste da Europa e expandindo a área de jurisdição do papado. Inocêncio III (1198-1216), considerado o papa mais poderoso de todos os tempos, concretizou o ideal de uma sociedade plenamente integrada sob a autoridade dos reis e especialmente dos papas. Foi ele o introdutor do título "vigário de Cristo" para o papa, antes somente considerado representante de Pedro.
Na época de Lutero, Júlio II (1503-1513) foi um papa guerreiro, vestindo armadura e comandando pessoalmente o seu exército. Seu sucessor Leão X (1513-1521) teria dito ao ser eleito: "Agora que Deus nos deu o papado, vamos desfrutá-lo". Os dois papas foram os ocupantes do trono de Pedro na época em que Lutero iniciou seu ministério como sacerdote a serviços do catolicismo romano. Antes de Lutero, porém, houve gente que buscou, de alguma forma, reformar alguns aspectos da Igreja. Vamos conhecer os pré-reformadores no próximo fascículo.

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