Apesar
da perseguição, porém, existiram alguns movimentos que persistiram até o século
XVI, com seguidores até na época de Lutero. Os Valdenses foram seguidores de
Pedro Valdo, que morreu em 1217. Originários de Lyon, região da atual França,
os valdenses reuniam-se em casas de família ou mesmo em grutas, negavam a
supremacia de Roma, rejeitavam o culto às imagens e procuravam praticar a
doutrina cristã apostólica. Com o movimento reformador de Lutero, eles
juntaram-se ao protestantismo na década de 1530, seguindo uma linha calvinista.
Existem seguidores desta linha ainda hoje em países como Uruguai, Argentina,
Itália e Estados Unidos.
Na Europa
continental, mais especificamente na Boêmia (atualmente parte da república
Tcheca) surgiu outro grupo de pré-reformadores com remanescentes até em período
posterior à Reforma surgiu. Jan Huss (1373-1415) foi reitor na Universidade de
Praga e teve suas ideias reformistas influenciadas por Wycliffe. Como as ideias
eram contrárias a Roma, Huss foi proibido de pregar pelo papa, tendo sido, por
sua persistência, convocado a comparecer em Roma, recusando-se a ir e sendo
excomungado. No Concílio de Constança defendeu-se pessoalmente, tendo sido
preso e acusado de heresia. Huss morreu na fogueira. Precursor do movimento
protestante e tendo desempenhado um importante papel na história literária
tcheca, hoje sua estátua pode ser encontrada na praça central de Praga. Seus
seguidores ficaram conhecidos como Hussitas.
Duas figuras individuais dentro da Igreja Católica, que
não a abandonaram, mas se opuseram a Roma, foram Savonarola e Erasmo. Jerônimo
Savonarola (1452-1498), italiano de Florença, pregava sermões para grandes
multidões contra a sensualidade e o pecado da sua cidade e os vícios do papa,
em reuniões que enchiam a catedral da cidade. Os moradores ouviam e tentavam
seguir seus ensinos, mas o papa Alexandre VI procurou calar o pregador.
Savonarola foi enforcado e queimado na grande praça de Florença em 1498, dezenove
anos antes da divulgação das 95 teses de Lutero.
Na Holanda, em Rotterdam, surgiu
a figura de Desidério
Erasmo (1466-1536), um grande crítico da Igreja Católica e contemporâneo de
Lutero. Erasmo foi uma figura importante para se entender as transformações
pelas quais passou a fé religiosa e o pensamento ocidental, da Idade Média à
época moderna. Tendo recebido forte educação religiosa e latinista, Erasmo
tornou-se sacerdote por volta de 1492, deixando a batina logo depois; na
Sorbonne, aprimorou-se no pensamento clássico, tendo lecionado na Inglaterra
(Cambridge), Bélgica e Espanha. Como humanista, Erasmo acreditava que a razão
tinha de ser de utilidade ao homem, criticando teólogos e filósofos que defendiam
uma fé católica artificial, incoerente e mística. Ele opôs-se a Lutero, pois
acreditava que o catolicismo devia ser reformado internamente, sem cismas nem
sangue. Colóquios e Elogio da Loucura são duas importantes obras suas.
Seus textos foram tão importantes que geraram na época a criação de
um adjetivo, “erásmico”, para tudo o que fosse engenhoso, acadêmico ou
sabiamente escrito, no sentido de sem erro e perfeito. Sobre Erasmo, afirma Justo Gonzalez, no
livro “A Era dos Sonhos Frustrados” que “... o humanista
holandês procurava a reforma dos costumes, a prática da decência e a moderação;
pouco a pouco foi conquistando a admiração de boa parte dos eruditos da Europa,
que se escandalizavam com as atividades dos papas da Renascença; entre seus
admiradores havia não poucos nobres e soberanos.” Após o advento da
Reforma, porém, “... Erasmo não tinha
percebido a profundidade das questões em debate, e a reforma por que ele tanto
ansiara não aconteceu; seu sonho, como tantos outros antes, foi frustrado.”
Por
praticamente doze séculos, o Catolicismo se estabeleceu como religião oficial
do Império Romano e da região da Eurásia que o sucedeu, perseguindo e
aniquilando os movimentos contrários à sua ortodoxia, os quais considerava
heréticos. No entanto, muitos dos movimentos e dos líderes que se opuseram às
heterodoxias católicas levantaram bandeiras, algumas das quais, a partir do
século XVI, seriam retomadas pelos movimentos reformadores protestantes. Alguns
dos movimentos e dos pré-reformadores dos séculos anteriores a Lutero
conseguiram, a duras penas, sobreviver até o século XVI. Savonarola, Erasmo e
mesmo os reformadores iniciais não tinham intenção de acabar com a unidade da
Igreja, mas de reformá-la internamente naquilo que viam como desvios. Os
futuros fascículos discutirão os rumos que a Igreja tem tomado, desde que
católicos e protestantes foram colocados em posições eclesiásticas antagônicas.
Houve,
porém, um período na história, principalmente na Europa Ocidental, quando
muitas mudanças começaram a ocorrer, as quais foram fundamentais na preparação
do mundo para o movimento reformador que seria iniciado por Lutero. No próximo
fascículo, vamos abordar as mudanças do século XV e seus reflexos na Igreja.
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