20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

17. HETERODOXIAS DO CATOLICISMO

“Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.” (Atos 20.28)

Lembrando-nos de que, segundo o dicionário, ortodoxia é o cumprimento fiel, exato e inabalável de uma doutrina religiosa e a ação de conformidade com essa doutrina, podemos afirmar que a ortodoxia praticada pela Igreja Inicial em Jerusalém era aquela deixada oralmente pelo próprio Cristo e vivida pelos seus seguidores, sob a liderança dos doze apóstolos que a haviam aprendido do próprio Senhor da Igreja. Não havia na época apostólica nenhuma heterodoxia ou heresia, sendo que a primeira que se conhece é apontada pelo livro de Atos, mais tarde chamada pela história de Ebionismo. Saindo do ambiente e da cultura judaica, no entanto, os embates contra a ortodoxia cristã se iniciaram e, ao longo do tempo, após cerca de três séculos, desembocaram em um “outro evangelho”, com características diferentes daquele procedimento inicial. Foi o início do Catolicismo, difícil de se precisar quando começou, mas que já demonstrava alguns indícios de desvios desde os séculos iniciais.
Historicamente, as heterodoxias da Igreja Católica estão diante de nós praticamente desde o século V, pois uma série de coisas não contidas na Bíblia nem praticadas pela Igreja Primitiva foram considerada dogmáticas segundo a sua compreensão católica. Vamos discutir algumas dessas heterodoxias, com base nos textos do Catecismo da Igreja Católica (CIC), que envolveu os papas João Paulo II e Bento XVI para ser elaborado e que é hoje usado como instrumento de ensino dos dogmas e procedimentos da Igreja. Com base na parábola do joio e do trigo, somente Deus pode separar o que é dele daquilo que não é, já que, além do Catolicismo, outros grupos cristãos têm hoje doutrinas e procedimentos questionáveis à luz das Escrituras Sagradas; por isso nos referimos às mudanças como heterodoxias.
Ao estudar a história da Igreja, precisamos deixar de lado certos preconceitos arraigados em nós ao longo do tempo, como o que acontece com a palavra “católico”, por exemplo. Vindo de dois elementos gregos (kata = segundo, conforme + hólos = todo), a palavra católico está presente nos escritos da história da Igreja desde o século II, numa ideia de universalidade que procura abarcar o todo de um movimento que enfrentava, já naqueles dias, muitas discrepâncias quanto a ideias, crenças e práticas. Talvez tenha surgido o termo como oposição a Marcion e sua igreja herética antissemita ligada ao gnosticismo, na qual o cristianismo se desvinculava de suas origens judaicas, numa época quando a Igreja Cristã autêntica não tinha ainda a estrutura de comando que acabou surgindo e levando o nome geral de católica.
Ao consultar o CIC, deparamos algumas vezes com a expressão “ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que...”, ou algo semelhante, que normalmente introduz uma das heterodoxias. Muitos foram os acréscimos e as modificações havidas, mas vamos examinar algumas delas.
Missa e sacramento são dois dos aspectos de heterodoxia do Catolicismo. Segundo o CIC, temos as seguintes afirmações: “Toda a vida litúrgica da Igreja gravita em torno do sacrifício eucarístico e dos sacramentos.” “Fieis à doutrina das Sagradas Escrituras, às tradições apostólicas e ao sentimento unânime dos padres, professamos que os sacramentos da nova lei foram instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo”. “A Igreja afirma que para os crentes os sacramentos são necessários à salvação.”
Dentro da missa, a transubstanciação é um dogma que tem dividido igrejas, mesmo no Protestantismo. Embora muitas denominações tenham voltado para o aspecto simbólico do pão e do vinho (que cremos ter sido o que Cristo deixou para seus discípulos seguirem até que ele volte), há denominações e grupos protestantes que não se desvencilharam totalmente da transubstanciação, embora se refiram a ela com outros nomes e de outras formas. Sobre a transubstanciação, temos as seguintes afirmações:
“A consagração (dos elementos) produz três efeitos maravilhosos: a. as essências do pão e do vinho deixam de existir; b. as aparências do pão e do vinho se mantêm, embora não mais conectados com sua realidade interior; c. as essências dos verdadeiros corpo e sangue de Cristo vêm a existir sob a aparência do pão e do vinho.” Tudo isto acontece e constitui a “eucaristia”, dentro do sacrifício da missa. O sentido é o de que o sacrifício de Cristo é renovado pela Igreja a cada missa rezada.
Outro aspecto que precisamos considerar é o da penitência. Dela, podemos deduzir que a fé católica no sacrifício de Cristo como propiciação pelos nossos pecados diante de Deus não é tão completa como a maioria das igrejas evangélicas crê, pois o pecador precisa complementar a graça da salvação através de penitências que lhe são impostas pelo sacerdote, que ouve a sua confissão de pecados; são somente esses sacerdotes “que recebem da autoridade da Igreja a faculdade de absolver” é que “podem perdoar os pecados em nome de Cristo.” A penitência pode ser aceita na forma de “uma oração, uma oferta em obras de misericórdia, um serviço ao próximo, privações, sacrifícios ou aceitação paciente da sua cruz.”
Como consequência da penitência, a indulgência representa diante de Deus a remissão das penas do pecado, administrada pela Igreja ao retirar do “tesouro das satisfações (méritos) de Cristo e dos santos” aquilo que for necessário para que tal perdão aconteça. Se, porém, alguém morrer não plenamente justificado diante de Deus, passará por um período de purificação no Purgatório, para que seus pecados sejam purgados e essa pessoa esteja em condições de entrar na alegria do céu. Tal período no Purgatório poderá ser diminuído se houver por parte do fiel em vida ou após a sua morte a adesão às indulgências, sacrifícios, contribuições financeiras, peregrinações, atitudes, enfim, que resgatem do “tesouro das satisfações de Cristo e dos santos” a quantidade de méritos necessária para a abreviação da pena.
O Purgatório é explicado da seguinte forma: “Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do céu. A Igreja denomina purgatório esta purificação final dos eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados.” Embora o Catolicismo já o aceitasse anteriormente, o dogma do purgatório foi oficializado nos Concílios de Florença (1439) e de Trento (1545-1563), o primeiro menos de um século antes de Lutero e o outro acontecido por causa das Reformas Protestantes.
O assunto seguinte, a indulgência, tem ligação direta com a Reforma Protestante. O CIC assim a explica: “A indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa (remissão) que o fiel bem-disposto obtém, em condições determinadas, pela intervenção da Igreja que, como dispensadora da redenção, distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações (méritos) de Cristo e dos santos”. (...) "A indulgência é parcial ou plenária, conforme liberar parcial ou totalmente da pena devida pelos pecados." (...) Todos os fiéis podem adquirir indulgências (...) para si mesmos ou aplicá-las aos defuntos.
Mariolatria, intercessão de santos, sacramentos, oração pelos mortos e tantas outras coisas poderiam ser aqui abordadas. Joio e trigo: Jesus orientou seus seguidores para que deixassem os dois crescerem sem tentar separá-los. É difícil não julgar, numa época em que tanto joio tem pregado o evangelho, aparentemente até com sucesso. Não nos esqueçamos, porém, de que a conversão a Cristo é individual e obra do Espírito Santo de Deus, pois é ele quem convence o homem do pecado, da justiça e do juízo. Cabe a cada organização cristã desenvolver sua ortodoxia, buscando um cumprimento fiel, exato e inabalável da doutrina religiosa ensinada por Jesus Cristo durante o seu ministério neste mundo, e que foi enfatizada e praticada por seus apóstolos e seguidores. Busquemos cada vez mais viver e divulgar o evangelho apostólico, pois é ele que precisa ser levado a todas as nações até os confins da terra.
O espírito guerreiro dos bárbaros germânicos influenciou o Cristianismo, gerando até o episódio das cruzadas, assunto a ser discutido no próximo segmento.

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