“Olhai, pois, por vós e
por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para
apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.” (Atos 20.28)
Lembrando-nos de que, segundo o dicionário, ortodoxia é o cumprimento fiel, exato e inabalável de uma doutrina
religiosa e a ação de conformidade com essa doutrina, podemos afirmar que a
ortodoxia praticada pela Igreja Inicial em Jerusalém era aquela deixada
oralmente pelo próprio Cristo e vivida pelos seus seguidores, sob a liderança
dos doze apóstolos que a haviam aprendido do próprio Senhor da Igreja. Não
havia na época apostólica nenhuma heterodoxia ou heresia, sendo que a primeira que se
conhece é apontada pelo livro de Atos, mais tarde chamada pela história de
Ebionismo. Saindo do ambiente e da cultura judaica, no entanto, os embates
contra a ortodoxia cristã se iniciaram e, ao longo do tempo, após cerca de três
séculos, desembocaram em um “outro evangelho”, com características diferentes
daquele procedimento inicial. Foi o início do Catolicismo, difícil de se
precisar quando começou, mas que já demonstrava alguns indícios de desvios desde os
séculos iniciais.
Historicamente,
as heterodoxias da Igreja Católica estão diante de nós praticamente desde o
século V, pois uma série de coisas não contidas na Bíblia nem praticadas pela Igreja Primitiva foram considerada dogmáticas segundo a sua compreensão católica. Vamos discutir algumas
dessas heterodoxias, com base nos textos do Catecismo da Igreja Católica (CIC),
que envolveu os papas João Paulo II e Bento XVI para ser elaborado e que é hoje
usado como instrumento de ensino dos dogmas e procedimentos da Igreja. Com base
na parábola do joio e do trigo, somente Deus pode separar o que é dele daquilo
que não é, já que, além do Catolicismo, outros grupos cristãos têm hoje doutrinas
e procedimentos questionáveis à luz das Escrituras Sagradas; por isso nos
referimos às mudanças como heterodoxias.
Ao
estudar a história da Igreja, precisamos deixar de lado certos preconceitos
arraigados em nós ao longo do tempo, como o que acontece com a palavra
“católico”, por exemplo. Vindo de dois elementos gregos (kata = segundo,
conforme + hólos = todo), a palavra católico está presente nos escritos
da história da Igreja desde o século II, numa ideia de universalidade que
procura abarcar o todo de um movimento que enfrentava, já naqueles dias, muitas
discrepâncias quanto a ideias, crenças e práticas. Talvez tenha surgido o termo
como oposição a Marcion e sua igreja herética antissemita ligada ao gnosticismo,
na qual o cristianismo se desvinculava de suas origens judaicas, numa época quando a Igreja Cristã autêntica não tinha ainda a estrutura de comando que
acabou surgindo e levando o nome geral de católica.
Ao
consultar o CIC, deparamos algumas vezes com a expressão “ao longo dos
séculos, a Igreja tomou consciência de que...”, ou algo semelhante, que normalmente introduz uma das heterodoxias.
Muitos foram os acréscimos e as modificações havidas, mas vamos examinar
algumas delas.
Missa
e sacramento são dois dos aspectos de heterodoxia do Catolicismo. Segundo o
CIC, temos as seguintes afirmações: “Toda a vida litúrgica
da Igreja gravita em torno do sacrifício eucarístico e dos sacramentos.” “Fieis à doutrina das
Sagradas Escrituras, às tradições apostólicas e ao sentimento unânime dos
padres, professamos que os sacramentos da nova lei foram instituídos por Nosso
Senhor Jesus Cristo”. “A Igreja afirma que para os crentes os sacramentos são
necessários à salvação.”
Dentro
da missa, a transubstanciação é um dogma que tem dividido igrejas, mesmo no
Protestantismo. Embora muitas denominações tenham voltado para o aspecto
simbólico do pão e do vinho (que cremos ter sido o que Cristo deixou para seus
discípulos seguirem até que ele volte), há denominações e grupos protestantes
que não se desvencilharam totalmente da transubstanciação, embora se refiram a
ela com outros nomes e de outras formas. Sobre a transubstanciação, temos as
seguintes afirmações:
“A consagração (dos elementos)
produz três efeitos maravilhosos: a. as essências do pão e do vinho deixam de
existir; b. as aparências do pão e do vinho se mantêm, embora não mais
conectados com sua realidade interior; c. as essências dos verdadeiros corpo e
sangue de Cristo vêm a existir sob a aparência do pão e do vinho.” Tudo isto acontece e
constitui a “eucaristia”, dentro do sacrifício da missa. O sentido é o de que o
sacrifício de Cristo é renovado pela Igreja a cada missa rezada.
Outro
aspecto que precisamos considerar é o da penitência. Dela, podemos deduzir que
a fé católica no sacrifício de Cristo como propiciação pelos nossos pecados
diante de Deus não é tão completa como a maioria das igrejas evangélicas crê,
pois o pecador precisa complementar a graça da salvação através de penitências
que lhe são impostas pelo sacerdote, que ouve a sua confissão de pecados; são somente
esses sacerdotes “que recebem da
autoridade da Igreja a faculdade de absolver” é que “podem perdoar os pecados em nome de Cristo.” A penitência pode
ser aceita na forma de “uma oração, uma
oferta em obras de misericórdia, um serviço ao próximo, privações, sacrifícios ou
aceitação paciente da sua cruz.”
Como
consequência da penitência, a indulgência representa diante de Deus a remissão
das penas do pecado, administrada pela Igreja ao retirar do “tesouro das satisfações (méritos) de Cristo
e dos santos” aquilo que for necessário para que tal perdão aconteça. Se,
porém, alguém morrer não plenamente justificado diante de Deus, passará por um
período de purificação no Purgatório, para que seus pecados sejam purgados e
essa pessoa esteja em condições de entrar na alegria do céu. Tal período no Purgatório
poderá ser diminuído se houver por parte do fiel em vida ou após a sua morte a
adesão às indulgências, sacrifícios, contribuições financeiras, peregrinações,
atitudes, enfim, que resgatem do “tesouro
das satisfações de Cristo e dos santos” a quantidade de méritos necessária
para a abreviação da pena.
O
Purgatório é explicado da seguinte forma: “Os
que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente
purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua
morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar
na alegria do céu. A Igreja denomina purgatório esta purificação final dos
eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados.” Embora o
Catolicismo já o aceitasse anteriormente, o dogma do purgatório foi oficializado
nos Concílios de Florença (1439) e de Trento (1545-1563), o primeiro menos de
um século antes de Lutero e o outro acontecido por causa das Reformas
Protestantes.
O
assunto seguinte, a indulgência, tem ligação direta com a Reforma Protestante.
O CIC assim a explica: “A indulgência é a
remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados
quanto à culpa (remissão) que o fiel bem-disposto obtém, em condições
determinadas, pela intervenção da Igreja que, como dispensadora da redenção,
distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações (méritos) de
Cristo e dos santos”. (...) "A
indulgência é parcial ou plenária, conforme liberar parcial ou totalmente da
pena devida pelos pecados." (...) “Todos
os fiéis podem adquirir indulgências (...) para si mesmos ou aplicá-las aos
defuntos.”
Mariolatria,
intercessão de santos, sacramentos, oração pelos mortos e tantas outras coisas
poderiam ser aqui abordadas. Joio e trigo: Jesus orientou seus seguidores para
que deixassem os dois crescerem sem tentar separá-los. É difícil não julgar, numa
época em que tanto joio tem pregado o evangelho, aparentemente até com sucesso.
Não nos esqueçamos, porém, de que a conversão a Cristo é individual e obra do Espírito
Santo de Deus, pois é ele quem convence o homem do pecado, da justiça e do
juízo. Cabe a cada organização cristã desenvolver sua ortodoxia, buscando um
cumprimento fiel, exato e inabalável da doutrina religiosa ensinada por Jesus
Cristo durante o seu ministério neste mundo, e que foi enfatizada e praticada
por seus apóstolos e seguidores. Busquemos cada vez mais viver e divulgar o
evangelho apostólico, pois é ele que precisa ser levado a todas as nações até
os confins da terra.
O espírito guerreiro dos bárbaros germânicos influenciou o
Cristianismo, gerando até o episódio das cruzadas, assunto a ser discutido no
próximo segmento.
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