“Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó,
não sois consumidos .” (Malaquias 3.6)
Há
um momento na história da Igreja no qual os acontecimentos históricos precisam
ser conhecidos para se avaliar o que eles representaram para a fé cristã, no transcorrer dos futuros
fatos históricos . No século XVI, em Portugal, viveu um poeta
chamado Luís de Camões (1524-1580), de cuja obra extraímos os seguintes versos:
“Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades,/muda-se o ser, muda-se a confiança;/todo o mundo é
composto de mudança,/tomando sempre novas qualidades.”
Embora
escrito no século XVI, o soneto de Camões de onde extraímos o quarteto inicial mostra
o reflexo das mudanças que o poeta via no Portugal de sua época, novidades que o mundo começou a apresentar nos
séculos anteriores e que tiveram seu apogeu no século XV. Para Camões, as
mudanças começaram a se refletir na poesia, que, como todas as demais artes,
passava por uma mudança radical no chamado Renascimento.
Com
o fechamento das rotas comerciais usadas pelos reinos da Europa Ocidental no
seu comércio com a Ásia, principalmente com a Índia e a China, os europeus
ocidentais se viram obrigados a buscar novos caminhos pelos oceanos,
especialmente o Atlântico e o Índico. Não havia grandes conhecimentos e
experiência para essas navegações transoceânicas, já que, desde o Império
Romano, as navegações eram costeiras ou através de mares. Ocupando uma posição
favorável na Península Ibérica, projetando-se na direção do Oceano Atlântico,
Portugal e Espanha se lançaram em projetos de navegação buscando novos
instrumentos, tendo Portugal inclusive desenvolvido uma escola para navegantes,
a Escola de Sagres, fornecendo mão de obra formada para uma nova profissão, os
navegantes transoceânicos, função que surgiria com força a partir do final do
século XV. Mito ou realidade, Sagres acabou tendo seu nome ligado a
navegações e descobrimentos de menor abrangência na primeira metade do século
XV, explorando as ilhas e as regiões costeiras da África. Em 1434, Gil
Eanes foi além do Cabo Bojador, a Taprobana de “Os
Lusíadas” de Camões. Além do Bojador era o Mar Tenebroso dos geógrafos árabes, navegação temida pelos europeus pelas dificuldades no regresso, a
qual exigia novos conhecimentos científicos. Instrumentos de navegação, como o quadrante, o astrolábio e a balestilha, foram desenvolvidos e aperfeiçoados por
Portugal e Espanha no segundo quartel do século XV, para determinar a
posição do navio no mar. Bartolomeu Dias
ultrapassou o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, em 1487, num trajeto que
seria repetido por Vasco da Gama, descobrindo o caminho marítimo para a Índia,
em 1498. Essa
atividade cresceria até o final do século e no próximo, provocando não somente
a descoberta de novas rotas comerciais de navegação, mas também de novas terras
e de um continente totalmente desconhecido. A partir do século XVI, a Europa se
envolveria na colonização das novas terras descobertas, começando por Portugal
e Espanha, os pioneiros, mas abrangendo também aos poucos ingleses, franceses,
holandeses e outros povos. O “mapa mundi” conhecido na época passaria a ser redesenhado.
Contrariando
o que se afirma, o alemão Johannes Gutenberg (c.1400-1468) não inventou, mas
aprimorou a imprensa no século XV. A técnica de imprimir com caracteres móveis
é, na verdade, asiática e muito antiga. Começando com a criação do papel pelos
chineses no século I da Era Cristã, passando pela gravura em pedra, a cópia
manual, a xilografia, a técnica de impressão foi sendo aperfeiçoada, esbarrando
no problema: o material utilizado para imprimir não podia ser reaproveitado em
novas impressões, fato que encarecia o processo. Johann Gutemberg desenvolveu
os caracteres móveis de chumbo, que podiam ser utilizados indefinidamente;
desenvolveu ainda uma nova tinta de impressão e criou a prensa para imprimir. O
primeiro fruto de seu trabalho foi a impressão de uma edição da Bíblia, em
1456, o primeiro livro produzido na Europa com a ajuda dos caracteres móveis,
com tiragem de 180 exemplares. Ainda existem 48 cópias dessa Bíblia, conservadas
em museus e bibliotecas mundo afora. O processo foi longo e dispendioso,
exigindo muito esforço, o envolvimento de outras pessoas e financiamento. O surgimento da imprensa mudou definitivamente o mundo, em todas as suas dimensões: política,
econômica, intelectual, social e religiosa. A partir de Gutemberg, a imprensa
disseminou-se com uma rapidez muito grande: em pouco tempo, mais de mil
oficinas espalharam-se pela Europa, produzindo muitos milhares de publicações ainda
no século XV. A obra de Gutemberg mudou para sempre o panorama cultural do
mundo, pois, a partir de sua criação, publicações e textos em geral puderam ser
impressos e reproduzidos com facilidade e em tiragens cada vez maiores. No
século XVI, para Lutero e os reformadores da Igreja, isto seria de uma ajuda
inestimável, tornando possível a disseminação das ideias de forma muito mais
rápida do que acontecia antes de Gutemberg. Partindo do interesse pela leitura
da Bíblia, escolas foram abertas e o povo desafiado a aprender a ler e a
escrever, fato que até então não fazia muito sentido.
E
a Igreja no século XV: qual era a sua situação? Na Idade Média, a igreja era a
única agência internacional com credibilidade ou influência relevante. Por ser muito
conservadora, a Igreja medieval não podia ser desafiada e oferecia apoio
teológico para a ordem social e física existentes, ordem essa considerada de
origem divina, com regras fixas e permanentes, respeitando a autoridade
tradicional de famílias e de monarcas ordenados por Deus. Era uma visão
estática da igreja, em um mundo de mudanças dinâmicas. Movimentos e líderes
religiosos não aceitavam mais as imposições do catolicismo, gerando reações e
seguidores.
Concluindo
o assunto, afirma Alister McGrath: “Uma
teologia religiosa que legitimasse a mudança, ou talvez até mesmo a
encorajasse, poderia enfraquecer essa visão de mundo estática e abrir caminho
para uma alternativa dinâmica”. No entanto, isto somente iria acontecer no
século XVI, com os reformadores, assunto do próximo fascículo.