20 séculos de Igreja Cristã

20 séculos de Igreja Cristã
do século I ao século XXI

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

30. DENOMINACIONISMO E A UNIDADE DA IGREJA

“Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes sejais unidos em um mesmo pensamento e em um mesmo parecer”. (1 Coríntios 1:10)


Unidade da Igreja tem sido um tema em constante debate na história, desde que o assunto preocupou os pais apostólicos nos primeiros séculos. Como já foi visto, ao sair de Jerusalém, o Cristianismo entrou em contato mais direto com o mundo do Império Romano, com suas religiões, deuses e deusas, filosofias, e tudo isso passou a influenciar as congregações locais. Durante muitos séculos, o desenvolvimento do catolicismo, com sua hierarquia centralizada no papado em Roma manteve certa unidade com a força do poder político aliado ao eclesiástico, até que a Igreja Ortodoxa Grega oficialmente se separasse de Roma no século XI, em 1054. No entanto, com o advento da Reforma Protestante, quase cinco séculos após, a unidade do Cristianismo, mantida precariamente até então, estava comprometida.
Segundo afirma Allister McGrath, na opinião dos reformadores, a igreja católica medieval continuava a ser uma igreja cristã, mas poderia perder a visão de sua identidade e vocação pela corrupção, que tornava uma reforma inevitável. Se não fosse possível uma mudança interna, a separação e a formação de uma igreja reformada fora da esfera de influência do catolicismo seria necessária.
A partir do século XVI, a manutenção de uma única igreja em termos institucionais tornou-se inviável, começando os cristãos a conviver com a ideia de unidade na diversidade. A unidade não é necessariamente sociológica ou organizacional, mas teológica. Hans Kung, teólogo suíço ligado à Igreja Católica, afirma: "A unidade da igreja é um fator espiritual e é somente um e o mesmo Deus que reúne aqueles que estão dispersos, vindos de todos os lugares e de todas as épocas, transformando-os em um só povo de Deus. É somente um e o mesmo Cristo que, por meio de sua palavra e do Espírito, une a todos nos mesmos laços de comunhão em um só corpo de Cristo... A igreja é uma só e portanto deve ser única." Diz ainda: "A unidade da igreja pressupõe uma multiplicidade de igrejas. As diversas igrejas existentes não precisam negar suas origens, seu contexto, sua língua, sua história, seus costumes e tradições, seu modo de vida e pensamento, sua estrutura específica, tudo isso apresentara uma diferença fundamental e ninguém tem o direito de lhes tirar isso. A mesma coisa não serve para todos, em todos os lugares, em todas as épocas”.
Partindo-se da dicotomia, a partir de então, de Igreja geral (católica na acepção inicial da palavra) e Igreja local, o povo cristão tem procurado entender que, apesar de tantas diferenças naquilo que é acidental, enquanto as congregações locais mantiverem unidade naquilo que for essencial ao cristianismo, a Igreja continuará aguardando a volta de Cristo para que então “o mesmo Deus” reúna “aqueles que estão dispersos, vindos de todos os lugares e de todas as épocas”. Passou então o Protestantismo a conviver com a ideia de denominacionismo. Começando com os reformadores iniciais, aos poucos quatro linhas reformatórias foram sendo traçadas, segundo a interpretação das Escrituras feita por cada liderança dirigente, criando doutrinas divergentes em vários aspectos, embora baseando-se todas das mesmas Escrituras.
A primeira geração de reformadores acreditava que a ruptura havida na Igreja Cristã seria temporária e que protestantes e católicos entrariam em acordo, para que a Igreja voltasse a se unir, se o Catolicismo aceitasse reformas mais profundas. O Concílio de Trento, porém, frustrou a esperança, ao mudar muito pouca coisa e reafirmar dogmas inaceitáveis pelos reformados.
A estruturação denominacional passou a ser uma tarefa da segunda geração de Protestantes. Para essa geração, é válido lembrar o que disse Hugh Latimer, um bispo anglicano do século XVI: “Todos queriam o bem, mas certamente eles não queriam a mesma coisa”. Havia uma vontade de acertar – o bem mencionado – por parte de todas as lideranças de reformadores, mas o resultado conseguido não foi uniforme, pois as mudanças seguiram entendimentos teológicos diferenciados. A partir do século XVI, as denominações começaram a se estruturar, embora a palavra denominação para descrever um grupo religioso somente passasse a ser utilizada por volta de 1740, durante o início do reavivamento evangélico liderado por John Wesley e George Whitefield.
Um dos fatores que diferenciaram uma denominação de outra desde o início foi a forma de governo eclesiástico. Três tipos tradicionais de organização da igreja protestante passaram a ser usados: o episcopal, o presbiteriano e o congregacional. Desenvolvidos no contexto europeu, cada tipo foi posteriormente transplantado para os contextos norte-americano, africano e asiático, subsistindo até hoje, muitas vezes de forma mesclada. O modelo episcopal, característica de luteranos e anglicanos, é usado principalmente por denominações que consideram que a reforma se aplica mais à doutrina e à liturgia e menos às estruturas da igreja. O modelo presbiteriano nasceu com Calvino e sua estrutura quádrupla, baseada no Novo Testamento, com a liderança de pastores, mestres, anciãos e diáconos. Influente na América do Norte e na Coreia da época moderna, o modelo tornou-se menos marcante no protestantismo europeu. O modelo congregacional não enfatiza credos e confissões de fé específicas, acreditando que essa exigência mina a independência da congregação local. Além da Igreja Congregacional, também os Batistas adotam o modelo.
O surgimento do Pentecostalismo no século XX reabriu a questão das estruturas protestantes. Para muitos pentecostais, as estruturas são um impedimento para o movimento e ação do Espírito Santo. Creem eles que estruturas excessivamente rígidas podem atrapalhar ou até mesmo sufocar a obra do Espírito, da qual, em última instância, a adoração e a missão da Igreja dependem. Apesar disso, surgiram também como o tempo as denominações pentecostais.
Sobre a fase atual da Igreja, na qual o catolicismo não é mais visto pelo protestantismo com tantas restrições e quando outros inimigos da fé têm surgido, afirma Allister McGrath: "Agora, os protestantes, tanto no Ocidente como no mundo em desenvolvimento, acham mais fácil colaborar uns com os outros do que achavam antes, à medida que se unem para comunhão e apoio mútuo, em face de ameaças reais. Uma vez que não parece provável que o secularismo nem o Islamismo desapareçam em um futuro próximo, pode-se esperar que o protestantismo deixe de lado alguns de seus debates e diferenças históricos em favor da sobrevivência mútua." Mais do que nunca, neste século XXI, é preciso muito amor e respeito ao irmão que crê no mesmo Deus, mas que o adora e pratica uma forma de igreja diferenciada da tradicional.
Nascida a ideia no continente europeu, o denominacionismo realmente encontraria espaço e condições para expansão no Novo Mundo, assunto do próximo segmento.

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