Conforme já se abordou anteriormente, houve uma evolução no conceito de puritanismo a partir da Inglaterra, no que diz respeito à permanência na Igreja Anglicana. As pessoas que ajudaram a compor a população do Mayflower eram separatistas provenientes de um grupo que fugira para Leyden, na Holanda. Não eram somente puritanos, mas vinham como parte de uma congregação já separada da Igreja Anglicana, buscando novas formas de ser igreja. No litoral norte-americano de Massachusetts, uma grande pedra de granito chamada Rocha de Plymouth, com o número 1620 esculpido em sua superfície, marca a proximidade do lugar onde o grupo de europeus – conhecidos como Pais Peregrinos – desembarcou há quase 400 anos. John Robinson, William Brewster e William Bradford foram líderes ligados a esse movimento.
Os puritanos vieram para a América a partir de 1630. Na Inglaterra, Carlos I assumiu a coroa no final da década de 1620, sendo grandemente apoiado no governo e na Igreja por William Laud, nomeado como Arcebispo de Canterbury no começo da década de 1630. Sua política de imposição do anglicanismo e de perseguição aos grupos dissidentes fez com que muitos decidissem fugir do país, entre eles um grande contingente de puritanos. Os puritanos não haviam rompido com a Igreja da Inglaterra, como o grupo dos Peregrinos separatistas havia feito. Eles se imaginavam refazendo a história do êxodo bíblico, pois, tal como os antigos israelitas, eles haviam sido libertados por Deus de opressão e estavam ligados a Ele por um pacto. Como o povo de Israel, eles haviam sido escolhidos por Deus para cumprir um papel especial na história da humanidade: estabelecer uma comunidade cristã nova e pura. A vida era difícil naquele lugar pouco hospitaleiro, mas eles eram livres para adorar como quisessem. O louvor centralizava-se na Bíblia, os cultos da igreja eram simples, o órgão e todos os instrumentos musicais foram proibidos. Os puritanos cantavam salmos a cappella.
Segundo a visão puritana, Deus é Todo-poderoso e Soberano sobre todas as coisas e os seres humanos são pecadores depravados. O Senhor havia escolhido poucas pessoas, “os eleitos”, para a salvação. O resto da humanidade estava condenado à perdição eterna. No entanto, ninguém sabia realmente quem era salvo ou perdido; os puritanos viviam em um constante estado de ansiedade espiritual, buscando os sinais do favor ou da ira de Deus. Para a comunidade puritana, não era só a salvação individual que importava, mas também a saúde e o bem-estar espiritual de todo o grupo, pois era a comunidade que honrava e mantinha a aliança. A comunidade estava disposta a tolerar um certo limite de opinião e crença contrária, mas ela sabia que, se a dissenção não fosse mantida dentro de limites, isso poderia minar internamente a vida comunitária. Foi exatamente o que aconteceu quando dois membros da Colônia da Baía de Massachusetts, Roger Williams e Anne Hutchinson, desafiaram a autoridade religiosa da comunidade puritana.
Na região onde surgiram os Estados Unidos, o desenvolvimento das diferentes igrejas nas treze colônias britânicas não foi uniforme, pois vários povos europeus investiram na colonização, fato que contribuiu para a diversidade de população, sendo necessária uma tolerância mútua de igrejas diferentes, nem sempre conseguida. Começando pela Virgínia em 1607, passando por Massachusetts a partir de 1620 e terminando na Geórgia em 1733, diferentes países europeus e diferentes grupos religiosos foram desafiados a colonizar as treze colônias iniciais. Além dos ingleses, também franceses, holandeses, suecos, alemães e outros povos foram para o Novo Mundo ajudando a colonizar as diferentes regiões, levando consigo a igreja que em geral tinham como oficial no Velho Mundo. Na Pensilvânia, por exemplo, prevaleceu a colonização quacre, tendo William Penn recebido a concessão real para a exploração da terra. Quacres em grande número para lá imigraram, muitos deles fugindo de perseguição religiosa na Inglaterra. A liderança da Pensilvânia buscou implantar na região a liberdade religiosa, acomodando a diversidade populacional inicial da colônia. Apesar disso, grupos quacres que tentaram ir para outras colônias também lá sofreram perseguições.
Outra colônia que implantou liberdade civil e religiosa desde o início foi Rhode Island, que se tornou refúgio para os que eram perseguidos. Começando pelo pioneiro Roger Williams, que sentiu na pele a perseguição religiosa por discordâncias com a igreja anglicana, seus seguidores lutaram pela liberdade e igualdade de condições para todos os que buscassem a colônia. Foi lá que surgiram os batistas nos Estados Unidos.
A colônia puritana sobreviveu, mas, ao longo do tempo, seu fervor religioso diminuiu. Entre as causas da decadência espiritual que se espalhara, o crescimento de juramentos, sono nos sermões, sexo e álcool em excesso – principalmente em tavernas, onde mulheres usavam menos roupas e havia maior licenciosidade – estavam entre as mais importantes.
O fato é que, no decorrer da história, o fervor ético e religioso da primeira geração de puritanos fundadores da Nova Inglaterra não foi igualado por filhos e netos nas gerações seguintes. Assim sendo, o pacto parcial estabelecido ainda a bordo do Mayflower acabou dando lugar ao que se convencionou chamar de halfway covenant, pacto de meio caminho, em meados do século XVII. As mudanças pelas quais passavam o mundo e o cristianismo na Europa começaram a se fazer sentir no Novo Mundo, tendo surgido tendências liberais em Harvard a partir do final do século XVII.
As condições das colônias americanas antes da independência não eram favoráveis ao estabelecimento de uma religião oficial. Durante grande parte do período inicial, muitas colônias tinham suas igrejas oficiais, como o congregacionalismo na Nova Inglaterra e o anglicanismo no Sul, na Virgínia, Geórgia e outras colônias. As regiões centrais caracterizavam-se por uma maior diversidade religiosa, não havendo igrejas estatais em Rhode Island, Pensilvânia, Nova Jérsei e Delaware, com a oposição de batistas e quacres naquelas regiões onde a igreja oficial existia.
A Constituição Americana de 1787, em sua Primeira Emenda, dispôs que “o Congresso não aprovará qualquer lei referente ao estabelecimento da religião ou proibindo o livre exercício da mesma”. Era um novo momento nas relações entre igreja e estado, com o forte apoio de batistas, menonitas, quacres e a maior parte dos metodistas e presbiterianos, buscando proteger a liberdade das igrejas e a consciência individual da interferência do estado. Para isso, contavam com o apoio dos fundadores da república, a maior parte dos quais eram deístas, que queriam proteger o estado do controle clerical.
O racionalismo científico do Século das Luzes, pouco a pouco, se instalou na consciência dos habitantes da Nova Inglaterra, mudando o pensamento e o estilo de vida dos puritanos. A busca pelo bem-estar aos poucos substituiu a reflexão teológica, mudanças que acabaram por desembocar no deísmo, assunto a ser ainda abordado.