"Enganoso é o
coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jeremias 17:9)
Ovídio, poeta romano do início da Era Cristã,
disse: “Os tempos estão mudando e nós
mudamos com eles.” Com os tempos, mudam-se também as eras históricas, cada
uma com seu centro unificador filosófico, organizando o entendimento do mundo.
Na Idade Média, existiu um teocentrismo eclesiástico com o Catolicismo. No
início da Modernidade, com o Protestantismo, o centro passou a ser o homem
(humanismo) e depois a razão humana (racionalismo). Na Pós-Modernidade, não há
centro definido, tudo é excêntrico. O início do Pós-Modernismo é considerado
por alguns a partir do final da II Guerra Mundial, por outros com a queda da
União Soviética e do Muro de Berlim, além de outras possibilidades.
As mudanças pelas quais passou o mundo
ocidental entre os séculos XIV e XVI foram paulatinas, levando o Ocidente a
deixar o medievalismo e a entrar na Modernidade. Agostinho de Hipona (354-430)
escreveu na Antiguidade: "Cogito
ergo sum" (Penso, portanto sou). Na Idade Média, a teologia
cristã afirmava que o mundo era um todo ordenado por Deus. Na Modernidade,
inspirado em Agostinho, René Descartes (1596-1650) afirmou: “Penso, logo existo”. Criaram-se assim
as bases da ciência moderna, definindo-se o modo como o ser humano encara o
pensamento e a existência. Opondo o teocentrismo medieval ao uso da razão como
fonte do saber, criou-se o método cartesiano do bem pensar. O raciocínio humano
desenvolveu a ciência, permitindo-lhe desenvolver o avanço tecnológico atual.
Partindo-se do Racionalismo, surgiu o Iluminismo, estimulando o questionamento,
a investigação e a experiência como formas de conhecimento da natureza,
sociedade, política, economia e do ser humano. Opondo-se ao absolutismo,
criticavam os iluministas os privilégios da nobreza e do clero católico, embora
não duvidassem da existência de Deus. Defendiam a liberdade na política, na economia e na
escolha religiosa e queriam a igualdade de todos perante a lei. Partindo da
ideia da educação para todos e buscando reunir todo o conhecimento até então
existente, foi criada a “enciclopédia”, tendo a primeira obra 35 volumes impressos na segunda
metade do século XVIII.
A Revolução Francesa de 1789 rompeu os domínios político, social, institucional, legal e religioso,
provocando a expulsão dos monges de seus mosteiros, com perda de arquivos, bibliotecas
e centros de vida intelectual erudita. O Catolicismo foi perseguido e a França
foi deixando Deus de lado, fato mantido até a sociedade francesa de hoje.
Com o avanço promovido pela razão e pela
ciência humana, criou-se no mundo ocidental uma expectativa de que todo aquele
processo conduziria a sociedade e o mundo moderno a uma melhor qualidade de
vida, com paz, progresso contínuo e bem-estar para todos. O conhecimento
era considerado como preciso, objetivo e bom.
Com a chegada do século XX, o advento de duas
guerras mundiais com milhões de mortos, o holocausto e outros
genocídios, a Grande Depressão na economia mundial, a descoberta da
energia da bomba atômica, além de outros conflitos, acabaram por destruir o
sonho utópico da Modernidade, trazendo a frustração e a falta de perspectiva
que ocasionaram a Pós-Modernidade. No dizer de Stanley Grenz, “no mundo
pós-moderno, as pessoas não estão mais convencidas de que o conhecimento é
inerentemente bom. Ao evitar o mito Iluminista do progresso inevitável, o
pós-modernismo substituiu o otimismo do último século por um pessimismo
corrosivo”.
Na Pós-Modernidade, não se confia mais
cegamente na razão e na bondade do conhecimento. A verdade absoluta foi
substituída por verdades relativas; numa nova cultura mundial
pluralista, a diversidade cultural requer um novo estilo
de conduta, o ecletismo. Um centro único e respeitado de
autoridade, julgando ideias, opiniões e opções de estilo de vida não mais
existe: é a heterotopia pós-moderna, em oposição à utopia
modernista. Na sociedade atual, a vida é como um filme, onde verdade
e ficção se confundem. A televisão parece ser o mais eficiente veículo para
disseminação do espírito pós-moderno; a tela – do cinema, da televisão, do
computador, do tablet, do celular
– demonstra o contraste tradicional pós-moderno entre o eu subjetivo e
o mundo objetivo. Criou-se a necessidade de comunidade,
com a proliferação das redes sociais, por exemplo. Globalização e urbanização
mostram a necessidade pós-moderna da inclusão, que gera
dificuldades com a variedade de etnias, culturas, gostos e
crenças existentes nos grandes centros urbanos. A geração mais nova tende a ser
mais mística e espiritualizada que a anterior – há poucas décadas, expressões
de fé demonstradas por artistas ou jogadores eram raras, sendo corriqueiras no
mundo atual. Na pós-modernidade, como a verdade é relativa, a convivência
entre os antônimos parece mais aceitável: certo ou errado, verdadeiro
ou falso, bem ou mal, céu ou inferno, Deus ou o Diabo são opostos que dependem
da verdade de cada um. No aspecto espiritual, é preciso desenvolver tolerância
religiosa, resignação perante diferenças ideológicas ou opiniões distintas
num pluralismo religioso. Sem um conteúdo cognitivo, a religião torna-se
apenas uma experiência mística subjetiva.
Com a ênfase pós-moderna, a Igreja precisa
inserir o homem em sua comunidade local, vivenciando o evangelho em
relacionamentos integrais, autênticos e terapêuticos. Inclusivismo,
relativismo, conformismo com o conceito de "politicamente correto",
ou seja, a aceitação daquilo que a sociedade local considera como correto, são
alguns dos adversários, por vezes sutis, que a pós-modernidade tem levantado
contra a fé cristã. Existem quatro perguntas filosóficas fundamentais para
a vida: “1. Quem sou eu? 2. Por que estou aqui? 3. O que está errado no mundo?
4. Como podemos consertar o que está errado?" Cada era histórica tem, de
certo modo, lidado com essas dúvidas e encontrado suas respostas para as
mesmas. Independentemente disso, é preciso que tenhamos em mente a cosmovisão
cristã do problema. A Bíblia nos autoriza a dizer que eu sou um pecador e estou
aqui neste mundo por obra e graça de Deus; o que está errado com o mundo é o
pecado, que afastou o homem de Deus, mas podemos consertar o que está errado
mostrando ao mundo o caminho que o próprio Deus preparou para a reparação do
erro: o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, que nos purifica de todo o pecado. A
pregação do evangelho como caminho individual de reconciliação com Deus tem feito
sentido em qualquer época histórica vivida e continuará fazendo na
Pós-Modernidade. O evangelho continua sendo a resposta para os anseios da
geração atual. Nossa missão como discípulos de Cristo e veículos do Espírito
Santo consiste em viver e expressar as boas novas eternas de salvação, de modo
que a nova geração possa compreendê-las. Na Modernidade, os evangélicos do
século XX empenharam-se com muita energia na tarefa de demonstrar a
credibilidade da fé cristã a uma cultura que glorificava a razão e deificava a
ciência. Tal tarefa precisa continuar perante o mundo com as diferenças
pós-modernas do século XXI.
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