“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. (Efésios 2.8-9)
O evento que deu início e consistência à Reforma Protestante completa 500 anos em 2017. Cinco séculos depois, Wittenberg é atualmente uma cidade da Alemanha, no estado de Saxônia-Anhalt, contando com uma população de cerca de 50 mil habitantes. A “Universidade Martinho Lutero” de Halle-Wittenberg é hoje uma instituição orientada para a pesquisa. Fundada em 1502 por Frederico III, a instituição se uniu posteriormente à Universidade de Halle. Wittenberg foi o cenário para o evento inicial da Reforma Protestante. Na porta da Igreja do Castelo, Martinho Lutero divulgou suas 95 teses contra o abuso da cobrança das indulgências, em 31/10/1517.
Antes de 1517, Hans e Margaretha Ludher tiveram um filho em 1483, nascido em Eisleben, na Alemanha Oriental, ao qual deram o nome de Martinho. Hans trabalhava em minas de cobre e almejava que o filho tivesse melhor formação e sorte, sendo advogado. Tendo estudado em Magdeburgo e em Eisenach, Lutero ingressou na Universidade de Erfurt, onde concluiu o mestrado, começado ali curso de direito. Após uma tempestade, numa decisão envolta em lendas, Lutero resolveu tornar-se monge e, abandonando o direito, ingressou na Ordem dos Eremitas Agostinianos, em Erfurt, tendo sido ordenado sacerdote em 1507. Após visita em nada edificante a Roma em 1510, Lutero transferiu-se para Wittenberg, onde se tornou doutor em teologia e começou a lecionar na Universidade. Salmos, Romanos, Gálatas e Hebreus foram os livros da Bíblia inicialmente utilizados por Lutero em seu magistério. Com certeza, leitura e aprofundamento no estudo bíblico em muito contribuíram para abalar suas convicções católicas.
No dia 31 de outubro de 1517, Lutero divulgou suas “Noventa e Cinco Teses” contra as indulgências. Por que razão, segundo Cairns, “... um professor monástico em uma universidade alemã recentemente fundada e relativamente desconhecida realizou, de uma forma que não era nem incomum nem espetacular, um protesto contra um abuso eclesiástico”? Por que, segundo o historiador, teria o protesto encontrado resposta imediata e disparado a maior de todas as revoluções da história da igreja cristã? Afinal, no mesmo ano, sem que houvesse maior repercussão, Lutero já havia lidado com 97 outras teses, nas quais a teologia medieval católica da Escolástica – baseada no pensamento filosófico de Aristóteles da antiga Grécia e seguida por Tomás de Aquino – havia sido criticada. Nas universidades, eram comuns debates públicos sobre teses formuladas especialmente para isso. O historiador Alister McGrath diz: “Se a doutrina de Lutero estivesse certa, então o ensinamento e a prática da igreja foram inventados pelo clero, determinado a se dar um lugar necessário e privilegiado na dispensação de salvação e a explorar esse monopólio de todas as formas que pudesse. Isso exigia a reconstrução da igreja a partir do zero”. O fato é que a visita de Johann Tetzel a Wittenberg para divulgar as indulgências e explorar a pobreza do povo com sua venda havia sido o estopim que faltava na insatisfação de Lutero com Roma. A hierarquia católica, a partir de Leão X, parecia estar também muito insatisfeita com o questionamento do frei franciscano alemão.
Depois de 1517, os fatos começaram a acontecer num processo de aceleração constante. Em 1518, convocado a comparecer diante do cardeal Cajetano em Augsburgo, Lutero recusou-se a retratar-se de suas ideias. O Príncipe Eleitor Frederico, o Sábio não permitiu que ele fosse levado a Roma para julgamento. No ano seguinte, Lutero concluiu que a “justiça de Deus” era uma “justiça passiva com a qual Deus nos justifica pela fé”; no mesmo ano, debateu com o professor dominicano João Eck em Leipzig, tendo defendido Jan Hus e negado a autoridade suprema de papas e concílios.
Em 1520, o papa em sua bula Exsurge Domine ofereceu-lhe retratação ou excomunhão; o documento foi queimado publicamente por Lutero. Três livros fundamentais foram escritos naquele ano: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade do Cristão. Enquanto isso, a Reforma alastrava-se pela Alemanha e Europa.
Em 1521, quatro anos após as 95 teses, Lutero foi excomungado pela bula Decet Romanum Pontificem, de Leão X. Em Worms, ele recusou-se a renegar seus escritos, sendo condenado como herético e proscrito. Sequestrado e escondido no Castelo de Wartburg, protegido pelo Príncipe Eleitor, Lutero começou a traduzir o Novo Testamento. Cerca de um ano após, ele deixou Wartburg retornando a Wittenberg.
Em 1524 explodiu a Revolta dos Camponeses, com dezenas de milhares de mortos e resultados catastróficos, movimento criticado por Lutero no livro "Contra as Hordas".
Em 1525, Lutero e Catarina von Bora casaram-se, tendo tido o casal seis filhos. No ano seguinte, ele compôs “Castelo Forte”.
O título de “protestantes” surgiu após a Dieta de Spira de 1529, como reação à intolerância contra os luteranos. No mesmo ano, Lutero e Zuínglio encontraram-se em Marburg, não chegando a acordo sobre a Ceia do Senhor. Lutero publicou ainda na época o Grande e o Pequeno Catecismos. Em 1530, Lutero, representado por Filipe Melanchton na Dieta de Augsburgo, deu ao conhecimento público uma declaração das convicções luteranas.
Outras obras foram escritas no final da vida de Lutero, como “Sobre os Concílios e a Igreja”, “Exortação à Oração contra os Turcos”, ”Sobre os Judeus e suas Mentiras”, “Contra o Papado de Roma, uma Instituição do Diabo”. Lutero ainda vivia quando se iniciou o Concílio de Trento, em 1545. O Reformador morreu no ano seguinte, em Eisleben, tendo Catarina, sua esposa, falecido em 1552.
Durante toda a sua vida, Lutero foi uma alma conturbada, com medo da morte, do inferno e de demônios. Sua carreira de monge agostiniano, descrita por W. Walker como uma vida de “piedade, erudição, dedicação e zelo singulares”, foi vivida com sinceridade, tanto à sua formação católica no início quanto no seu questionamento a respeito de dogmas e práticas católicas que foram se revelando cada vez mais afastadas das verdades descobertas por ele nas Escrituras. O impacto que Lutero causou se deve em parte às circunstâncias que estavam fora do seu alcance e das quais ele mesmo frequentemente não se apercebia. Conforme lembra Justo Gonzalez, a reforma ocorreu não porque Lutero ou outra pessoa se houvesse proposto a isso, mas porque tudo aconteceu no momento oportuno e, nesse momento, os reformadores estiveram dispostos a cumprir sua responsabilidade histórica.
O nome latino Eleutherius (“o liberto”) – adotado por “Lutero” e do qual deriva seu sobrenome conhecido por nós – mostra que ele realmente havia-se libertado da opressão romana, criando condições para que outros também o fizessem. Contemporâneos como Karlstadt, Melanchton, Zuinglio e outros, seguidores ou não de sua linha de pensamento, tiveram nele o arauto, aquele que deu o brado inicial, o qual foi seguido por muitos, partindo de Wittenberg e espalhando-se pela Europa Ocidental.